Resenha Livro – “Dom Quixote Para Crianças” – Monteiro Lobato – Ed. LPM
“Pedrinho – E isso durou muito tempo?
Dona Benta- Durou, meu filho. Tudo que é errado dura muito. A humanidade é bem isso que a Emília vive dizendo. A história da humanidade não passa de história de horrores, estupidez e erros monstruosos. Hoje por exemplo olhamos com grande superioridade para os antigos, com dó deles, certos de que nossas ideias são certas e hão de durar sempre. Mas nossos bisnetos rir-se-ão das nossas ideias como nós nos rimos das ideias de nossos bisavôs, e os bisnetos dos nossos bisnetos rir-se-ão das ideias dos nossos bisnetos, e assim até o infinito.”
Quando Monteiro Lobato começou a escrever livros para criança, já havia praticamente publicado quase toda a sua obra para o público adulto.
“Urupês”, um livro de sucesso para época que corresponde a coletânea de contos regionalistas, foi publicado ainda em 1918. Já a primeira edição da coleção Sítio do Pica Pau Amarelo correspondente ao livro “O Saci” é de 1921.
“Este D. Quixote Para Crianças” é de 1936. Trata-se de uma versão infantil da história do herói de La Mancha contada por Dona Benta, com as intervenções do público, em especial da Emília, a boneca de pano, que se identifica particularmente com o protagonista da história.
Dom Quixote de La Mancha, o Cavaleiro da Triste Figura é o cavaleiro andante, que tipicamente tem a missão de correr o mundo para socorrer donzelas e desagravar os mal feitores.
Tido como louco pelo excesso de leitura de livros de cavalarias.
É acompanhado na sua jornada pelo simplório Sancho Pança, o fiel escudeiro que se engaja na aventura pela promessa de, ao fim e ao cabo, ser nomeado governador de sua própria ilha. Em certa passagem diz que a ilha virá no futuro, sem dúvidas, mas as suas costelas ficam pelo meio do caminho.
O contraste entre os dois principais personagens é sintetizado por Dona Benta:
“Pedrinho – Mas então, vovó, esse Sancho não era nada tolo – disse Pedrinho.
Dona Benta – Era e não era, meu filho. Há no mundo muita gente como Sancho. Ele tinha o sólido bom senso dos homens do povo e todas as qualidades e defeitos do homem do povo, isto é, do homem natural, sem estudos, sem cultura outra além da que recebe do contato com seus semelhantes. Já em Dom Quixote vemos o contrário. Possuía alta cultura. Tinha todas as qualidades nobres e generosas que uma criatura humana pode ter, apenas transtornadas em seu equilíbrio.”
Surpreendendo o leitor, quando o simplório Sancho é alçado à condição de governador, se mostra um ótimo e sensato julgador e administrador de conflitos, só não se colocando à altura do cargo quando instado a lutar em campo de batalha contra inimigo externo.
Dom Quixote é um livro particularmente adequado para o público infantil pelas possibilidades de reflexão sobre algumas lições de vida subjacentes do texto.
Antes de tudo, o herói de La Mancha é um otimista. Nos diversos momentos de apuros afirma que a fortuna sempre deixa uma porta aberta ou que nunca mais estamos mais próximos da vitória quando tudo parece perdido.
O cavaleiro andante, ainda que se porte como um nobre, está em íntima conexão com o povo, além de se referir ao dinheiro como “vil-metal”.
Como diz o próprio Dom Quixote: “A cavalaria é a mãe da igualdade. Deus exalta o cavaleiro que se humilha.”.