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São Paulo

Derrotar o fascismo com a direita infiltrada na esquerda?

O primeiro passo para superar a crise da esquerda é romper com a direita, primeiro no plano político e depois no econômico

No artigo Eleições municipais: dez hipóteses exploratórias, publicado no Opera Mundi, Valério Arcary faz uma análise que, à primeira vista, pretende colocar a esquerda em um ponto estratégico para avançar no cenário eleitoral, mas se entrega nos detalhes. Diz Arcary em seu artigo:

“Uma avaliação das eleições municipais não é possível antes da conclusão do segundo turno. A luta só termina quando acaba. A esquerda está presente em mais de vinte disputas no segundo turno, entre elas grandes capitais como Fortaleza e Porto Alegre e, sobretudo, São Paulo, que podem redefinir o signo do balanço nacional.”

Esse otimismo beira a fantasia. Se fizermos um exame mais rigoroso da conjuntura, é possível constatar que grandes capitais como Fortaleza e Porto Alegre são exatamente as exceções. As outras duas capitais em que o PT disputará o segundo turno são Cuiabá e Natal, cidades com menos de 800 mil habitantes.

Ainda, a “esquerda” que Arcary sugere estar representada em São Paulo é, no máximo, um simulacro. Guilherme Boulos (PSOL), o nome que disputa a prefeitura paulistana contra Ricardo Nunes, personifica uma esquerda de fachada, cuja principal política nas eleições é o reforço da repressão estatal. Entre as propostas do candidato do PSOL, uma das mais destacadas é dobrar o efetivo da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e armar essa força que já opera como uma extensão da PM, o que nada mais é do que um aceno à direita mais conservadora.

A aceitação de Boulos como uma figura de esquerda por parte de Arcary é o reflexo de uma crise política que só se aprofunda com esse tipo de aliança. No máximo, Boulos pode ser identificado como o braço esquerdo do imperialismo que desestabilizou o Brasil em 2016.

Sua participação nas mobilizações do “Não vai ter Copa” e nos atos contra Dilma Rousseff são episódios emblemáticos de sua atuação como um cavalo de Troia dentro do campo progressista, facilitando a agenda neoliberal que desmantelou os avanços sociais do início dos anos 2000. Boulos, que nunca hesitou em condenar regimes nacionalistas como os de Nicolás Maduro e Daniel Ortega, mas que rapidamente se alinha aos interesses imperialistas, é mais um infiltrado da direita travestido de progressista.

“A derrota da esquerda se explica por muitos fatores, mas repousa, essencialmente, em fatores objetivos e subjetivos. Os dois principais fatores objetivos são: (a) que a vida não melhorou depois de um ano e meio de governo Lula, apesar do crescimento, redução do desemprego, aumento do consumo e controle da inflação, porque foram melhorias insuficientes.”

Aqui, o erro é ainda mais evidente. Falar em “melhorias insuficientes” é minimizar uma realidade que só se agrava. O crescimento econômico, quando existe, é vegetativo. A redução do desemprego se baseia em dados manipulados, sustentados por subempregos e bicos, que maquiam a verdadeira condição de uma população cada vez mais empobrecida.

O controle da inflação é feito à custa de uma brutal asfixia econômica, à moda dos governos neoliberais. Na realidade, não há melhoria alguma, muito menos insuficiente. Entre janeiro de 2017 e junho de 2024, o preço da cesta básica em São Paulo quase dobrou, enquanto o salário mínimo foi reajustado em pouco mais de 50%.

O resultado é uma pressão inflacionária insustentável para as famílias trabalhadoras, agravada por uma política econômica que serve diretamente aos interesses dos monopólios e do grande capital. A análise de Arcary, ao atribuir a crise a “melhorias insuficientes”, acaba por reforçar o mesmo discurso vazio que tenta justificar uma política econômica catastrófica.

Desde o golpe de 2016, o poder de compra dos trabalhadores foi continuamente corroído e isso não foi revertido nos anos de governo petista. A falta de reajustes reais nos salários e o encarecimento do custo de vida criaram um ambiente de desespero econômico. A massa trabalhadora está exausta, sem perspectivas reais de melhora e, ao defender essa conjuntura com eufemismos, Arcary se torna cúmplice de uma política que aprofunda a crise.

“Não será possível derrotar o neofascismo prescindindo do mais poderoso instrumento de luta que a esquerda conquistou, que é o governo Lula. Mas ele faz pouco e mal. Por quê? Não é por que os publicitários são ruins de comunicação. O problema é uma estratégia errada. Privilegiou a aliança com setores do centrão para garantir a governabilidade, renunciando a qualquer apelo à mobilização das massas populares.”

Aqui, Arcary toca um ponto crucial, errando por não ver o quadro completo. A aliança com o chamado “Centrão” está na raiz dos problemas enfrentados pelo governo, mas ela inclui, por exemplo, o candidato apoiado pelo PT à prefeitura de São Paulo. Quando o partido abdicou de disputar as eleições na principal cidade do País em favor do psolista, foi para preservar essa mesma aliança com o “Centrão”, campo em que até outro dia estava a candidata a vice repatriada pelo PT Marta Suplicy e o próprio Boulos, apoiado, por exemplo, por Datena (PSDB) e detentor das credenciais políticas supracitadas. 

A política econômica do governo Lula, guiada por elementos profundamente ligados ao neoliberalismo, é outro entrave e também fruto dessa aliança. Governar com a direita é abdicar de uma transformação real que atenda aos interesses da classe trabalhadora. O centrão, longe de ser apenas um erro estratégico, é um reflexo de uma capitulação política que ocorre há anos, onde a esquerda se vê presa à ideia de que apenas com a conciliação será possível avançar. 

O apoio de Arcary a figuras como Boulos revela que a despeito das críticas tecidas ao “Centrão”, o próprio Arcary é um entusiasta da política, ainda que diga o contrário. Ao tratar Boulos como um aliado e não como o que realmente é — um agente da direita travestido de progressista — Arcary, na prática, endossa as derrotas sucessivas da esquerda, cujas consequências já estão claras: o crescimento avassalador da extrema direita. Essa extrema direita avança justamente porque, na ausência de uma esquerda combativa e coerente, setores desiludidos com a falta de respostas concretas acabam migrando para propostas reacionárias.

Para além de erros de análise, Arcary confunde os próprios elementos da crise ao apontar causas que, na verdade, são sintomas. A conclusão inevitável dessa análise é que, para barrar o avanço do fascismo e retomar a iniciativa política, é urgente uma mudança radical.

Isso, no entanto, não será possível enquanto o campo progressista estiver dominado por infiltrados da direita, como Boulos, e continuar a implementar uma política econômica que mais se parece com a dos governos neoliberais. O primeiro passo para resolver essa crise é romper com a direita, tanto no plano político quanto no econômico. Somente assim será possível reverter o cenário desastroso que se desenha para 2026.

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