O artigo intitulado O que vem depois do homem-bomba, assinado por Moisés Mendes e publicado no Brasil 247, reabre a fábrica de ilusões da esquerda pequeno-burguesa e declara que “Bolsonaro está acuado”. Dedicado a animar uma parcela da esquerda conservadora, disposta a não fazer nada para mudar a relação de forças no País e derrotar a direita, Mendes comenta a publicação do ex-presidente e principal líder da extrema direita brasileira, Jair Messias Bolsonaro, dizendo:
“O manifesto pela pacificação é uma farsa da primeira à última palavra e só teve o efeito de expor o que não foi explicitamente declarado: Bolsonaro está acuado e com as munições esgotadas. E sabe que, por incitação, algo grave pode voltar a acontecer.”
Na fantasia de Mendes, “esgotaram-se como tática da gritaria as aglomerações organizadas por Malafaia”, uma afirmação francamente estúpida por desprezar a mobilização popular (algo que político algum no planeta faz), mas que revela um interesse em impulsionar não a ação popular, mas a inércia. O artigo tende até para uma retomada da interpretação lisérgica sobre o resultado das eleições municipais:
“Foi um desastre a aposta feita em seus candidatos nas eleições municipais. E o apoio de líderes que sempre estiveram ao seu lado é frágil e retraído, enquanto suas estruturas se fracionam, com dissidências ressentidas, de Ronaldo Caiado a Ricardo Salles.”
A tese de que Bolsonaro sofreu um “desastre” nas eleições municipais e que seu apoio entre líderes como Ronaldo Caiado e Ricardo Salles está fragilizado não é apenas falsa, mas uma fantasia perigosa para a esquerda. Insistir nesse tipo de análise, como faz Mendes, é desarmar a própria esquerda diante de um inimigo que continua forte, organizado e plenamente capaz de mobilizar sua base.
O mais absurdo é que essa ficção não só ilude, mas também paralisa. Ao insistir que a extrema direita está “fraturada” e que Bolsonaro perdeu força, a esquerda busca se eximir do enfrentamento político necessário. Enquanto Mendes se apega à ideia de que o bolsonarismo está ruindo, os trabalhadores e setores populares continuam sofrendo os impactos de suas políticas e ações. Essa abordagem não é só equivocada; é cúmplice da passividade que a esquerda pequeno-burguesa insiste em adotar como estratégia.
“É nesse ambiente em que Bolsonaro ainda respira que a velha e gasta frase dos vaticínios genéricos se reapresenta: tudo pode acontecer. Tudo, em meio à impunidade dos líderes e à agitação permanente dos ativistas de cidades de onde saem os homens atormentados em direção a Brasília.”
A ideia de que a impunidade e a “agitação permanente” são o combustível do bolsonarismo é não apenas um equívoco, mas uma armadilha perigosa para a esquerda. A repressão à agitação política, como Mendes insinua, seria um tiro no pé para qualquer movimento progressista. Agitação política é, por definição, o motor das lutas sociais e uma ferramenta indispensável para a esquerda. Se começarmos a criminalizar a mobilização popular sob a justificativa de combater a extrema direita, abriremos caminho para uma repressão indiscriminada que atingirá, inevitavelmente, os próprios movimentos de trabalhadores, estudantes e outras organizações populares. Mendes, com sua tese de que a agitação política é algo a ser combatido, defende um caminho suicida para quem depende da luta nas ruas para sobreviver.
A esquerda não pode se dar ao luxo de endossar soluções baseadas na repressão, mesmo que direcionadas contra os bolsonaristas, porque é impossível dissociar as medidas de repressão de sua aplicação generalizada. A lógica do Estado burguês é clara: qualquer mecanismo de controle político e social será, cedo ou tarde, utilizado contra os setores progressistas.
Se o problema fosse resolvido por meio de repressão, a direita já teria sido derrotada há muito tempo, pois ela mesma controla os aparelhos repressivos. Essa fantasia de Mendes não só desvia o foco da luta necessária, mas legitima ações que, a médio prazo, minariam completamente a capacidade de resistência da esquerda.
Se derrotar a extrema direita fosse tão simples quanto Mendes sugere, bastaria organizar um exército de malucos dispostos a atos desesperados, como se explodir em lugares estratégicos. Essa ideia, além de absurda, é uma demonstração da inação paralisante que Mendes propõe.
Ao transformar um ato isolado em um suposto ponto de virada política, ele prega a ilusão de que a extrema direita se autodestruirá sem que seja necessário enfrentá-la com mobilização e organização. Essa postura não é apenas equivocada; é um convite ao imobilismo e à capitulação.