Um dos dogmas da nova censura brasileira é a chamada defesa do estado democrático de direito. Este nome pomposo está sendo utilizado como uma das coisas a ser defendida, da forma que for, de qualquer ataque que seja, mesmo que ninguém saiba o que é estado de direito.
Por mais que um pesquisador ou um jurista possa apresentar uma tese do que é o estado de direito, na vida real quem define o que é ou não estado de direito e suas instituições é a lei. Mas, também na vida real, quem vai interpretar a lei é um juiz. No frigir dos ovos quem vai decidir o que é estado de direito é o juiz, em último caso, um ministro. Em utilmíssimo caso, Alexandre de Moraes.
Este, por seu turno, é um entusiasta (naturalmente) do PL das Fake News, que na realidade tem muito pouco a ver com combate às notícias mentirosas. Tem mais a ver com o estabelecimento de crimes políticos, com a volta de práticas políticas que devem ser consideradas crimes do que com a defesa de notícias verdadeiras.
Um dos artigos do projeto determina o seguinte: “A plataforma digital que disponibilizar conteúdo gerado por terceiros será responsabilizada subsidiariamente, após o recebimento de notificação pelo órgão competente do Ministério Público, nas seguintes hipóteses: (…) atos violentos ou fraudulentos que possam interferir diretamente no regular (…) funcionamento do processo eleitoral, das instituições democráticas ou do Estado Democrático de Direito; organizações terroristas e crime organizado”.
Só neste trecho é possível ver que toda e qualquer oposição ao regime constituído está proibida de se manifestar nas redes sociais. E se as plataformas digitais serão responsabilizadas também, isso vai acabar resultando em uma censura prévia, o que, na realidade, já está acontecendo, basta tentar publicar nas redes sociais alguma denúncia contra o Estado de “Israel” ou defender o Hamas.
Censura prévia é justamente o que fez Alexandre de Moraes contra todas as vítimas do inquérito das Fake News, que tramita em caráter sigiloso no STF, e tem em Xandão seu executivo, legislativo e judiciário, em um ministro só. O PCO e seu presidente, Rui Costa Pimenta, estão incluídos neste inquérito, pois defendem em seu programa a extinção desta corte superior. Defender a extinção do STF é um ataque ao estado de direito, nos termos de “Xandão”.
E quando este inquérito sigiloso e dos tempos da inquisição vai acabar? “Ele vai ser concluído quando terminar”, nos termos do próprio Alexandre de Moraes.
Na realidade, se aprovada for, a lei das Fake News irá inaugurar uma nova era da censura contra a liberdade de imprensa e manifestação. Isso seria muito perigoso para a esquerda de conjunto e muito favorável aos donos do regime político, a burguesia nacional (parte dela) e o imperialismo de conjunto.
O caso do genocídio cometido por “Israel” contra os palestinos revela bem como é este problema. Na realidade, a imprensa capitalista atribui todas as mortes na região aos grupos de resistência palestina. Ou seja, mente todos os dias, todos os horários, apresentando essa versão mentirosa dos fatos.
A esquerda combativa está denunciando o genocídio cometido por “Israel” contra os palestinos e tem sofrido censura por meios judiciais. O sionismo, por meio de organizações como a CONIB (Confederação Israelita do Brasil) tem processado uma série de companheiros e organizações que defendem os palestinos, como é o caso do camarada Breno Altman. Obviamente o processo sempre cai nas mãos de um juiz, que, naturalmente, tem sua formação mais ligada ao sionismo que à luta e resistência palestina. Ser sionista, ao que parece, é parte do currículo de juízes e ministros.
Quer dizer, antes mesmo da existência de uma legislação que crie crimes políticos abertamente, os juízes já o estão fazendo, sob a batuta do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente o senhor Alexandre de Moraes.
Tudo isso realmente faz sentido, posto que Moraes foi chefe da Polícia Militar de São Paulo, a mando do PSDB, em 2015 e 2016. Claro que antes disso foi promotor do estado, por mais de 10 anos. Sua vinculação com a repressão policial é gigantesca e é realmente espantoso que a esquerda seja devota de um ex-chefe da ROTA.
Obviamente tudo não passa de um pretexto. Seja a defesa das supostas notícias verdadeiras, seja a defesa do estado de direito. Essas defesas, que parecem boas à primeira vista – e até a Rede Globo gosta – escondem um verdadeiro pacote de censura que deixaria qualquer militar do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) com inveja.
O direito de dizer e manifestar o que pensa, de forma irrestrita, é um dos principais, se não o principal direito democrático da classe trabalhadora. É dele que deriva todo o resto, como o direito de associação, sindicalização, greve, manifestação política, enfim. Somente dizendo o que se pensa é possível organizar outras pessoas para qualquer coisa.
Para se ter uma ideia, só o fato de criticar o PL das Fake News já foi alvo de censura. Não se pode criticar esse projeto, nem nada que tenha a ver com o regime capitalista e suas instituições, até mesmo a urna eletrônica, que, embora tenha gente que não saiba, não é uma instituição do estado democrático de direito.
Impedir a manifestação política, por mais que seja apresentado o pretexto benéfico, é, na realidade, a defesa irrestrita do regime burguês e que ele nunca seja criticado, que nunca exista oposição ao regime dos capitalistas. Por isso, Moraes e outros estão tão animados com o projeto. É a garantia de décadas de serviço bem prestado aos opressores, e o melhor, sem questionamento.
O estranho e inexplicável mesmo é a esquerda entrar nessa campanha, o PT e outros partidos de esquerda, tendo em vista que cassar os direitos de fala de qualquer pessoa acaba por significar cassar os direitos de fala da esquerda e dos movimentos populares, elo mais frágil da sociedade e vítima de todas as leis repressivas.
O PCO irá fazer uma ampla campanha contra o PL das Fake News, procurando mostrar para o povo que, embora um amplo setor da esquerda e da sociedade esteja apoiando essa abominação, existe um setor que avisa a todos os perigos de tal empreitada. Mesmo que a lei passe, esse aprendizado político é de valor inestimável para todos.