Recentemente, em sua rede social X, Alberto Cantalice, dirigente do PT, fez uma publicação convocando a militância de esquerda a ser solidária com o governo Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O assunto central de sua postagem, que se baseava em uma matéria de sua autoria no Brasil 247, é o papel da esquerda diante das políticas econômicas em curso. Enquanto Cantalice critica parlamentares e figuras da esquerda que se posicionam de forma contrária ao governo, Cantalice parece ignorar um questionamento legítimo: até que ponto é possível ser solidário com um elemento do governo de tamanha importância, como Ministro da Fazenda, que implementa medidas contrárias aos interesses dos trabalhadores?
Cantalice argumenta que ataques ao governo Lula e ao ministro Haddad fortalecem as forças golpistas e prejudicam o campo progressista em 2026. Ele acusa críticos de “lacração” e “revolucionarismo de gogó”, chamando-os de quinta-colunas, um termo historicamente associado a traições internas. No entanto, sua crítica ignora o ponto central levantado por setores descontentes: a política econômica de Haddad está, em muitos aspectos, alinhada aos interesses do capital financeiro, e não dos trabalhadores que ele deveria priorizar.
O Brasil enfrenta uma crise econômica marcada por juros exorbitantes e ataques especulativos ao real. Nesse cenário, era esperado que o governo federal adotasse medidas que protegessem os trabalhadores e fortalecessem o mercado interno. Porém, a resposta da equipe econômica tem sido limitada e frequentemente centrada em cortes orçamentários, o que penaliza ainda mais a classe trabalhadora e os serviços públicos essenciais.
A política de Haddad, que nos melhores cenários se enquadra como uma capitulação aos especuladores, gera revolta entre aqueles que depositaram esperança no governo Lula para adotar uma postura mais firme contra os interesses do sistema financeiro. Medidas de austeridade, mesmo que disfarçadas, afetam diretamente o bolso do trabalhador e perpetuam aquilo que Lula prometera combater: o pobre estar fora do orçamento.
O que Cantalice ignora com maior severidade, porém, é o fato de que ser solidário ao governo não deve significar silenciar diante de medidas que prejudicam os trabalhadores. Pelo contrário, a verdadeira solidariedade implica defender os interesses populares, mesmo que isso signifique apontar os erros do governo e principalmente de um governo, em tese, de esquerda. A resposta à declaração do dirigente petista é clara: deve-se ser solidário integralmente contra o ataque especulativo, mas não com os ataques ao bolso do trabalhador. Essa frase resume a insatisfação de boa parte da esquerda. Não se trata de abandonar o governo ou fazer o jogo das forças golpistas, mas de cobrar coerência com os compromissos históricos do “campo progressista”, como Cantalice costuma chamar o bloco de esquerda.
A história recente mostra que cortes e ajustes fiscais não são a solução para crises econômicas. Pelo contrário, aprofundam desigualdades e minam a confiança da população em governos eleitos pelos trabalhadores. Se o governo Lula deseja consolidar um legado de transformação social, precisa priorizar políticas que enfrentem os especuladores, em vez de ceder às suas demandas.
Cantalice sugere que as críticas ao governo prejudicam a unidade da esquerda e favorecem a direita nas eleições de 2026. Contudo, a unidade verdadeira não pode ser construída sobre a aceitação passiva de políticas que são, em última instância, a política da direita. Caso Haddad aja conforme Paulo Guedes tenha tentado agir, não haverá um enfraquecimento da extrema-direita, mas, sim, o seu fortalecimento.
A esquerda tem o direito — e o dever — de exigir mais do governo. A luta por justiça social e distribuição de riqueza, por exemplo, são pautas presentes nos governos de esquerda por mais pequeno-burgueses que sejam, dado que são pautas que não visam a reforma do sistema como um todo, mas um certo aprimoramento do capitalismo. De toda forma, tais pautas passam, necessariamente, por um enfrentamento direto contra os interesses do capital financeiro. Se Haddad não está disposto a adotar essa postura, cabe à militância e aos movimentos sociais pressionar para que o governo mude de direção.
O risco de fortalecer a direita em 2026 não decorre das críticas ao governo, mas de sua incapacidade de responder às demandas populares. Um governo que não enfrenta os especuladores e mantém políticas de austeridade corre o risco de alienar sua base eleitoral, criando terreno fértil para o avanço de forças reacionárias.