No cenário político conturbado das eleições municipais de 2024, as declarações de lideranças do Partido dos Trabalhadores (PT) têm oscilado entre o absurdo e a negação completa da realidade. Em um esforço desastroso de transformar uma derrota em vitória, a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, afirmou:
“Espero que a vitória dos partidos que compõem a base, que está sendo computada como vitória do governo, possa se traduzir em apoio em 2026, para além do que já havia em 2022”
A mensagem embutida é clara: mesmo sem maioria expressiva, mesmo com uma queda nos redutos onde antes se firmavam, o PT tenta se convencer de que obteve algum tipo de sucesso, em uma tentativa de animar uma claque. Num mesmo tom, Paulo Teixeira, ministro do Desenvolvimento Agrário, foi ainda mais longe, afirmando que “quem ganhou as eleições no Brasil foi a base do presidente Lula. Esqueçam Jair Bolsonaro e Tarcísio de Freitas”.
Se esses líderes petistas acreditam que bastam palavras para vencer as urnas, os números entregam o contrário. Em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, o prefeito Ricardo Nunes (MDB), apoiado por Bolsonaro e com o peso do governo estadual, assegurou sua reeleição com uma margem considerável sobre Guilherme Boulos (PSOL), apoiado pelo PT. Um apoio que, aliás, revelou-se fonte de discórdia dentro do partido: Washington Quaquá, vice-presidente do PT, declarou sem meias palavras que apoiar Boulos foi um erro, chamando-o de “crônica de uma morte anunciada”. Para Quaquá, “o PT precisa parar de gostar de perder”. A derrota retumbante do PSOL e do PT em São Paulo expõe um partido que, na falta de uma estratégia coerente, aposta em alianças sem base popular sólida e em candidatos que não ressoam com o eleitorado fora da bolha esquerdista.
Essa tentativa de mascarar a derrota não é nova, mas o grau de desconexão com a realidade chama a atenção. Em Fortaleza, onde o PT elegeu Evandro Leitão por uma diferença de 11 mil votos, a conquista foi alardeada como uma das “grandes vitórias” do partido – mesmo sendo a única capital garantida pelo PT. O contraste entre a realidade e o discurso é tão evidente que as lideranças buscam criar uma nova “narrativa” na qual a “base de apoio” ao governo Lula teria saído vitoriosa. No entanto, essa “base” inclui partidos e figuras que historicamente têm vínculos e compromissos com a direita tradicional, como o União Brasil, o MDB e outros, que são capazes de atirar a própria mãe no penhasco por um cargo.
Enquanto o PT tenta converter essa colcha de retalhos em uma “aliança estratégica”, a realidade do avanço bolsonarista nas urnas se impõe. No segundo turno das capitais, os candidatos ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro triunfaram em capitais como Cuiabá e Aracaju, mantendo-se firmes onde o PT é inexistente. Nos bastidores, alguns ministros e aliados tentaram levantar uma ação judicial contra as declarações controversas de figuras como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que ligou o PSOL ao crime organizado. O aparato judicial foi acionado, mas a tentativa tem tudo para fracassar: não é por meio da repressão judicial que se derrota uma força política com enraizamento em setores expressivos da sociedade.
Ao invés de fazer uma autocrítica séria e reconhecer as falhas estratégicas, a cúpula petista prefere disfarçar a realidade. A insistência em enredar-se em ilusões sobre a “vitória da base governista” reflete um partido preso em uma bolha autossuficiente, incapaz de se conectar com os desafios concretos. Essa base, ao contrário do que propagam, é constituída por partidos com os quais o PT pouco compartilha além do apoio ao governo federal, e cujas ambições estão muito mais ligadas a interesses locais e de grupos específicos do que a qualquer compromisso de longo prazo com os trabalhadores.
Para piorar, enquanto as lideranças petistas tentam desesperadamente converter esse cenário em uma vitória moral, o bolsonarismo se estrutura em esferas cruciais, com vitórias que consolidam sua força no interior e nas capitais. Na ausência de uma resposta combativa e de um direcionamento estratégico por parte do PT, o campo bolsonarista avança em espaços onde a esquerda não consegue competir, beneficiando-se de um discurso direto e de uma base mobilizada.
O PT e a esquerda brasileira, ao invés de enxergarem o óbvio, permanecem enredados em uma sucessão de erros. Esses erros não são apenas de cálculo eleitoral, mas de falta de visão estratégica, de substituição de um projeto de classe por alianças temporárias e frágeis. Ao continuar insistindo em uma estratégia equivocada, o PT se arrisca a entregar o país a um bolsonarismo renovado e mais forte, que avança nas bases populares desiludidas com promessas vazias. O preço de continuar de ilusão em ilusão será pago pela própria classe trabalhadora, que vê sua representação política cada vez mais diluída em conchavos vazios.