Em uma decisão histórica, o Parlamento francês aprovou, nesta quarta-feira (4), uma moção que resultou na queda do primeiro-ministro, Michel Barnier, apenas 91 dias após sua posse, fazendo deste o governo mais curto da história recente da França. A moção foi apoiada por 331 dos 574 deputados, superando o mínimo necessário de 288 votos. Para atingir essa votação, foi feita uma aliança entre a extrema direita liderada por Marine Le Pen e a chamada Nova Frente Popular (NFP), liderada pelo partido França Insubmissa (FI), de Jean-Luc Mélenchon.
Ex-negociador-chefe do Brexit e considerado um direitista “pragmático”, Barnier foi nomeado por Macron em setembro, após a dissolução da Assembleia Nacional e eleições legislativas antecipadas. Sua indicação acabou gerando descontentamento tanto na esquerda, quanto na direita, culminando na aliança parlamentar que derrubou seu governo.
A proposta orçamentária de Barnier foi o principal fator para sua destituição. Seu plano previa cortes de gastos e um aumento temporário de impostos para grandes empresas, com o objetivo de reduzir o déficit público projetado para 6,1% do PIB em 2024 e a dívida pública, que chegou a 112% do PIB no fim de junho. A oposição criticou o orçamento como uma continuação das políticas de austeridade de Macron.
Líder do partido de extrema direita Reunião Nacional (RN), Marine Le Pen afirmou que o orçamento simbolizava o “fracasso inevitável” de Barnier. Ela descreveu as medidas como “uma desastrosa continuidade do governo Macron”. Por outro lado, o primeiro-ministro defendeu que “a realidade orçamentária não desapareceria com a magia de uma moção de censura”, apelando para a “responsabilidade” dos deputados.
Votação e desdobramentos
A queda de Barnier foi a segunda do tipo na história da Quinta República (iniciada em 1958). Em 1962, o governo de Georges Pompidou, primeiro-ministro do presidente Charles de Gaulle, sofria o mesmo destino, em resposta à crise aberta entre de Gaulle e a Assembleia Nacional. Na atual crise, a votação conseguiu a proeza de unir forças antagônicas, como a NFP e o RN.
Marine Le Pen aproveitou a queda de Barnier para desafiar Macron a refletir sobre sua permanência no cargo. Embora sem pedir diretamente sua renúncia, a líder do RN questionou se o presidente pode continuar “ignorando o repúdio popular”. Ao mesmo tempo, Le Pen enfrenta um julgamento por malversação de fundos que pode inabilitá-la politicamente por cinco anos, ameaçando sua viabilidade como candidata presidencial em 2027. Por outro lado, os partidos de esquerda criticaram o que consideram uma incapacidade de Macron de negociar e construir consensos.
Em relação à imprensa, o jornal Libération descreveu o presidente como “mais impopular do que nunca”, enquanto o Le Figaro ironizou a situação, associando a reconstrução da Notre-Dame de Paris, prevista para ser inaugurada no próximo sábado (7), a um governo “em ruínas”.
Principal líder da esquerda francesa, Jean-Luc Mélenchon também fez declarações sobre a queda de Michel Barnier. Mélenchon afirmou que a moção de desconfiança foi uma “vitória da democracia” e que “o povo francês não tolera mais políticas de austeridade que sacrificam os mais vulneráveis”. O líder do FI também destacou que “a queda de Barnier é um sinal claro de que a França exige mudanças profundas e um governo que realmente represente os interesses da maioria”.
Agora, Macron enfrenta a difícil tarefa de nomear um novo primeiro-ministro – ou convocar novas eleições. Fontes do Palácio do Eliseu indicam que o presidente deve anunciar seu próximo indicado até o final da semana, mas qualquer escolha tende a gerar novos protestos e ampliar o desgaste político.
Impacto no governo
A queda de Barnier agrava ainda mais a instabilidade política e social no país. Desde a dissolução da Assembleia em junho, o governo Macron tem enfrentado uma crise cada vez maior. Greves de funcionários públicos e mobilizações de agricultores contra o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, por exemplo, expressam um cenário de descontentamento generalizado.
Além disso, a pressão externa também contribui para a crise. A instabilidade política na Alemanha, que antecipou eleições legislativas para fevereiro, as derrotas do imperialismo na Ucrânia e em Gaza e as incertezas sobre a futura política externa dos Estados Unidos, com o retorno de Donald Trump à Casa Branca (sede do governo norte-americano), colocam a França em uma posição delicada em âmbito internacional.
Próximos passos
Macron, que retornou a Paris de uma viagem à Arábia Saudita às vésperas da votação, descartou publicamente qualquer possibilidade de renunciar antes de 2027, quando seu mandato termina. No entanto, sua posição política está cada vez mais fragilizada. A queda de Barnier, aliada ao clima de tensão social e à falta de apoio parlamentar, aponta para um longo período de incertezas na França.
Enquanto o Parlamento se prepara para debater o orçamento de 2025, a escolha do novo primeiro-ministro será crucial para determinar os rumos do governo Macron. Seja quem for o indicado, enfrentará uma Assembleia dividida e um país cada vez mais impaciente e hostil à política imperialista.