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Política internacional

Contra indústria brasileira, Mercosul e UE podem fechar acordo

Abertura acarreta riscos significativos para a indústria brasileira, em setores como o de veículos e peças, têxteis e equipamentos eletrônicos

Após 25 anos de negociações, Mercosul e União Europeia anunciaram, na última sexta-feira (6), durante a Reunião de Cúpula em Montevidéu, a conclusão das tratativas técnicas para um acordo de livre comércio entre os dois blocos. Embora o tratado ainda dependa da aprovação do Parlamento Europeu e do Conselho de Ministros, o avanço foi saudado como um marco histórico, prometendo afetar profundamente as economias envolvidas.

O acordo prevê a redução gradual ou imediata de tarifas de importação, dependendo do setor, abrangendo 91% dos bens importados pela União Europeia e 95% dos bens exportados pelo Mercosul. Estima-se que os setores mais beneficiados do lado sul-americano sejam o agronegócio e a exportação de matérias-primas, enquanto a Europa espera expandir a venda de produtos industriais, como automóveis, laticínios e máquinas.

Para o Brasil, o principal ganho recairá sobre o agronegócio. Produtos como carne bovina, suína e de aves, além de óleos vegetais, terão ampliação de mercado. A cota de exportação de carne bovina para a União Europeia, por exemplo, passará de 10 mil para 99 mil toneladas, com alíquota reduzida de 20% para 7,5%. Essa expansão será implementada em seis etapas e, segundo especialistas, permitirá ao Brasil mais que dobrar suas exportações no setor, que atualmente já atende 86% da demanda europeia de carne bovina.

A União Europeia, por sua vez, terá maior acesso a mercados de automóveis e produtos farmacêuticos no Mercosul. O tratado prevê a entrada gradual de automóveis e peças industriais, com tarifas sendo reduzidas ao longo de até 15 anos. Além disso, produtos como azeites, vinhos, queijos e maquinários poderão ser importados a preços menores, beneficiando o consumidor brasileiro.

Estudos indicam que o acordo poderia gerar um aumento de até 0,46% no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro até 2040, ou cerca de US$ 9,3 bilhões anuais, enquanto a economia do agronegócio poderá crescer acumulativamente em US$11 bilhões no mesmo período.

Entretanto, a abertura comercial também acarreta riscos significativos para a indústria brasileira. Setores como o de veículos e peças, têxteis e equipamentos eletrônicos devem enfrentar uma concorrência mais acirrada, podendo registrar quedas de produção. Embora o acordo inclua salvaguardas, como a possibilidade de o Brasil suspender a redução de tarifas em caso de impacto significativo sobre a produção local, críticos apontam que o tratado poderá acelerar o processo de desindustrialização no País.

Ainda, a União Europeia conseguiu impor exigências ambientais e regulatórias ao Mercosul, como o compromisso de coibir o desmatamento ilegal, o que gerou críticas de setores empresariais no Brasil. O temor dos setores atingidos é que essas condições podem dificultar a expansão de exportações brasileiras e representar interferência na soberania nacional.

O governo brasileiro tem adotado uma postura otimista, destacando as renegociações promovidas pelo governo Lula, que incluiu proteções ao mercado interno, como a manutenção de vantagens para empresas nacionais em compras governamentais, especialmente no setor de saúde. Além disso, espera-se que o tratado ajude a diversificar os parceiros comerciais brasileiros, reduzindo a dependência do mercado chinês.

Por outro lado, a França lidera a oposição ao acordo dentro da União Europeia, especialmente por preocupações de agricultores franceses com a competitividade dos produtos do Mercosul. Países como Polônia, Itália e Áustria também têm resistências, mas, segundo analistas, é improvável que essas objeções impeçam a aprovação final.

Projeções do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam que o aumento das importações europeias será compensado, em grande parte, pela substituição de produtos anteriormente adquiridos de outros países, como a China. Assim, o impacto líquido sobre a balança comercial brasileira deverá ser limitado.

No entanto, o acordo não atende plenamente às expectativas do setor industrial brasileiro. Embora setores como calçados, celulose e papel possam apresentar algum crescimento, ele será insuficiente para equilibrar as perdas em outras áreas.

Embora ainda dependa de aprovações formais, o avanço do acordo Mercosul-UE representa uma mudança significativa no cenário econômico brasileiro. O fortalecimento do agronegócio e a possibilidade de barateamento de bens importados coexistem com riscos de desindustrialização e aumento da dependência de produtos europeus.

O tratado ilustra o desafio do Brasil em equilibrar a abertura econômica com a proteção de seus setores estratégicos. Caso aprovado, será um divisor de águas nas relações comerciais entre os dois blocos e exigirá estratégias firmes para garantir que os benefícios superem os custos.

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