Em nova evidência da crise enfrentada pela invasão israelense e de sua incapacidade de enfrentar os movimentos de luta armada pela libertação da Palestina (o principal deles, o partido revolucionário Hamas), a decisão de forçar os judeus ortodoxos à conscrição junto as Forças de Ocupação tem conflagrado o Estado de “Israel” e desencadeado uma nova crise interna no enclave imperialista. Pejorativamente chamados pela propaganda sionista de “ultra-ortodoxos”, os ortodoxos são, em sua maioria, opositores do sionismo e alegam objeção de consciência à sua participação nas forças armadas, algo que vinha sendo respeitado desde a fundação de “Israel”. Até hoje.
Chamados de “colonos” pela propaganda sionista, milicianos da extrema-direita israelense atacaram os haredim (como os ortodoxos são conhecidos), em confronto que resultou em um judeu atropelado durante uma manifestação contra a conscrição ocorrida na cidade ocupada de Jerusalém (al-Quds). Sob a palavra de ordem “preferimos morrer a servir”, os haredim saíram às ruas contra a política adotada pelo governo de Benjamin Netaniahu, porém encontraram uma dura repressão da polícia sionista e dos “colonos”. Estradas foram bloqueadas e a situação interna ameaça escalar ainda mais.
Segundo o canal de TV israelense Canal 12, os protestos dos haredim aumentaram desde o último dia 16, espalhando-se por várias cidades e fechando estradas. Representantes do movimento sionista “Mothers on the Front” (“mães no front”, em português) defende que os judeus que não aceitam o alistamento militar devem “deixar Israel”. Em Telavive, a rodovia Ayalon, que liga a capital israelense às cidades de Gaasm (ao norte) e Gan Soreq (ao sul), foi fechada pelos manifestantes, desencadeando a repressão policial e miliciana.
Demonstrando um acordo com a reivindicação do grupo “Mothers on the Front”, o chefe rabino sefardita Yitzhak Yosef disse, em preleção na cidade ocupada de Jerusalém (al-Quds), considerar a possibilidade de chamar a comunidade haredim a deixar “Israel”, reforçando novamente o caráter artificial do Estado sionista. “Se vocês nos forçarem a ir para o Exército, nos mudaremos para o exterior” (“Haredim to leave Israel if forced into IDF, chief rabbi says”, IsraelHayom, 10/3/2024), ameaçou o líder religioso.
Reagindo às declarações, o ex-primeiro-ministro Benny Gantz endureceu o tom contra Yosef e também “os irmãos haredim”, classificando o posicionamento dos ortodoxos como “uma afronta moral ao Estado e à sociedade israelense”. Em seu perfil no X, Gantz declarou:
“Após 2.000 anos de exílio, retornamos à nossa terra. Lutaremos por ela e nunca a abandonaremos. Todos devem participar do direito sagrado de servir e lutar pelo nosso Estado, especialmente neste momento difícil. Até mesmo nossos irmãos haredim” (idem).
O alistamento dos judeus ortodoxos é esperado para começar até o final do mês de março, caso a política de conscrição se mantenha. Se os haredim decidirem deixar o país, contudo, podem desencadear uma grave crise social. Um terço dos cerca de 750 mil colonos ilegais israelenses da Cisjordânia são judeus ortodoxos e logo se tornarão o maior grupo de colonos ilegais no território ocupado.
Tal como a questão está posta, fatalmente a sociedade israelense enfrentará uma crise de proporções ainda não vistas, seja pelo recuo no caso da objeção de consciência, ou pelo acirramento dos ânimos, já exaltados o bastante para levar ao fechamento de rodovias e confrontos. É preciso considerar a importância dos haredim em função da demografia israelense. Este grupo chegou a 1,28 milhão em 2023 e estão a caminho de se tornar 16% da população israelense total até o final desta década, tendo o maior crescimento populacional de “Israel”.
Qualquer que seja a saída encontrada pelo sionismo, é evidente que ela não levará a uma coesão interna, mas à crise, cabendo ao parlamento israelense decidir o que irá desmoralizar: as forças de ocupação, que incapazes de enfrentar o Hamas, precisam forçar pessoas a se alistarem, a base sionista, que não aceita a dispensa ao serviço militar concedida aos haredim, ou aos próprios ortodoxos. De qualquer forma, no entanto, a única perspectiva possível para “Israel” é mais crise.