Desde o dia 3 de abril, o bilionário Elon Musk vem comandando uma ofensiva contra o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes. Musk vazou e-mails que revelam a conduta arbitrária do ministro, o chamou de “ditador brutal” e ainda ameaçou descumprir as medidas judiciais que fossem ordenadas por ele.
Era a chance, então, de a grande imprensa, que outrora fez uma intensa campanha contra a compra do X (antigo Twitter) por Elon Musk e que também já publicou centenas de editoriais em defesa do “Xandão do STF”, sair em defesa de seu herói careca. Surpreendentemente, isso não aconteceu.
Em todos os principais órgãos da imprensa, o mesmo era dito: é preciso frear Alexandre de Moraes. O Globo, por exemplo, afirmou que seria preciso “voltar à normalidade”. Isto é, desmantelar todo o esquema montado por Alexandre de Moraes nos principais tribunais do Brasil.
Se o conjunto da burguesia está de acordo com a “fritura” de Moraes, é porque também está de acordo que o bolsonarismo avance no regime. Sem Moraes, automaticamente a extrema direita cresce. A reação da imprensa, portanto, indica um grande acordo da burguesia com o bolsonarismo.
Há muitos elementos que podem ter levado a esse acordo. Entre eles, a dificuldade de forçar o governo Lula a ir mais para a direita do que os especuladores gostariam, e a popularidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Um desses elementos, que certamente teve um papel decisivo, é a posição das Forças Armadas em relação ao cerco sistemático do regime contra o ex-presidente.
As Forças Armadas, ao menos desde o golpe militar de 1964, que representou uma derrota definitiva sobre seus setores nacionalistas, são controladas por generais intimamente ligados ao imperialismo. São pessoas dispostas a tudo, inclusive a entregar um pedaço inteiro do território nacional, caso assim seus patrões mandassem. No entanto, as Forças Armadas, por mais que sejam uma burocracia, controlada por meio de uma hierarquia rígida, não são imunes às pressões sociais.
As Forças Armadas são compostas por mais de 360 mil pessoas. A esmagadora maioria, obviamente, não são generais, nem mesmo possuem alta patente. As esmolas que o imperialismo distribui não são suficientes para garantir o apoio de todo esse contingente – ainda que os militares possuam vários privilégios, são os altos comandantes aqueles mais fortemente dispostos a obedecer aos interesses estrangeiros.
O bolsonarismo, por sua vez, é uma força social poderosa. Possui literalmente milhões de adeptos. O ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2022, conseguiu a segunda maior votação de toda a história nacional. Além de sua vinculação com um amplo setor nacional, ele ainda é intimamente ligado às baixas patentes militares. Ele próprio foi um militar de baixa patente, foi expulso por se indispor com os seus superiores e é hoje visto como uma espécie de “sindicalista” dos militares de soldados, sargentos e capitães. Não bastasse isso tudo, Bolsonaro tem uma política que é vista com simpatia por um enorme contingente militar, especialmente diante da incapacidade das maiores organizações da esquerda nacional de formular uma política para esse setor.
Essa pressão das bases foi vista há alguns anos, por exemplo, na aprovação da Reforma da Previdência. A imprensa burguesa, ainda que de maneira velada, publicou vários artigos em que indicava a pressão das baixas patentes contra a tentativa de incluir os militares no projeto.
“Para apaziguar as bases da hierarquia das Forças Armadas, que demonstraram insatisfação com uma minuta do projeto da reforma da Previdência dos militares que circulou na semana passada e que beneficiava mais cargos de alta patente, o governo revisou o texto. A proposta divulgada nesta quarta-feira amplia os adicionais para os graduados, ou praças, como são chamados.” (O Globo. 20/3/2019)
“Há apenas dez meses na Presidência, Jair Bolsonaro vive o risco de um esgarçamento na relação com seu primeiro e mais fiel eleitorado por causa da reforma da Previdência dos militares. A queda de braço entre o governo e praças das Forças Armadas e policiais sobre as novas regras de aposentadoria abriu uma divisão no bolsonarismo a menos de um ano das eleições municipais de 2020 – a ponto de aproximar a oposição de uma das principais bases eleitorais do presidente.” (Gazeta do Povo. 28/10/2019)
Por isso tudo, ainda que a cúpula militar possua relações com o imperialismo, não é possível ignorar o que dizem suas bases. Os militares andam muito insatisfeitos com o avanço do Judiciário na tentativa de prender Bolsonaro. O ex-presidente, afinal, já foi declarado inelegível para as próximas eleições e já acumula quase 600 processos. Essa insatisfação pode, em algum momento, se converter em uma verdadeira revolta das baixas patentes contra os seus superiores. De tal forma que a alta cúpula das Forças Armadas certamente procurou os responsáveis pelo cerco ao bolsonarismo para dar um recado claro: “não prossigam, pois não iremos lhes acobertar”.
A insatisfação dos militares de baixa patente com o cerco a Bolsonaro pode ser vista em vários acontecimentos. Um deles, por exemplo, foi o discurso do general reformado Hamilton Mourão, hoje senador, logo após a deflagração de mais uma operação que tinha o ex-presidente como alvo. No discurso, Mourão, que é uma figura moderada e muito próxima do imperialismo, tendo inclusive já criticado publicamente Bolsonaro, foi explícito:
“Existem oficiais da ativa sendo atingidos por supostos delitos. Inclusive, oficiais generais. Não há o que justifique a omissão da Justiça Militar. Nem Hitler ousou isso, no começo de sua ascensão ao poder, limpando a área naquilo que ficou conhecido como caso Fritzl, que foi a demissão do então chefe do Estado-Maior do Exército alemão […] No caso das Forças Armadas, os seus comandantes não podem se omitir diante de processos arbitrários que atingem seus integrantes ao largo da Justiça Militar. Existem oficiais da ativa sendo atingidos por supostos delitos, inclusive oficiais generais. Não há o que justifique a omissão da Justiça Militar. Nem Hitler ousou isso no começo de sua ascensão ao poder, limpando a área naquilo que ficou conhecido como o caso Fritz, que foi a demissão do então chefe do Estado-maior do Exército alemão” [grifo nosso].