O colunista de Brasil 247 Ricardo Nêggo Tom publicou no último dia 23, um artigo intitulado PT: Partido Teocrático, criticando o partido por “conectar a fé evangélica às bandeiras do partido é ignorar a laicidade do Estado e fortalecer a teologia do domínio”, o que seria uma capitulação ao “imperialismo religioso”. O argumento central falha em destacar que o problema real não é a fé em si, tampouco a tentativa do PT de alcançar o público evangélico, mas o indicativo do deslocamento do partido à direita, em favor de um moralismo religioso que não reflete os interesses concretos da classe trabalhadora. Diz Nêggo Tom:
“Até concordaria com a associação, se a maioria dos evangélicos brasileiros seguissem, de fato, os ensinamentos de Cristo. Algo que, infelizmente, não ocorre.”
A tentativa do PT de se conectar com os evangélicos não deveria ser vista como algo negativo por si só. Afinal, os evangélicos formam uma parte significativa da classe trabalhadora, especialmente nas periferias urbanas, e ignorar esse setor seria um erro estratégico. O ponto real do problema não está na tentativa de diálogo com os evangélicos, mas no próprio deslocamento à direita do PT, que vem se refletindo em amplos aspectos da política petista.
Um esforço real e progressista deveria buscar atrair os setores religiosos para uma política mais à esquerda, estimulando a politização a partir de questões que realmente beneficiam os trabalhadores, evangélicos ou não. A defesa dos direitos trabalhistas, maiores salários, redução da jornada de trabalho, etc., é a forma de fazer a aproximação de maneira a não se chocar com o sentimento religioso. No entanto, o que temos visto é o PT se deslocando cada vez mais para a direita, o que se reflete diretamente, entre outros aspectos, nas grandes crises internacionais.
Nas questões da Palestina e da Venezuela, por exemplo, o governo brasileiro tem adotado posições que estão em total consonância com os interesses imperialistas. A teimosia em não apoiar os heroicos esforços do povo palestino na luta contra a ditadura sionista, assim como suas posições pró-imperialistas em relação ao governo bolivariano da Venezuela, representam uma ruptura com qualquer política externa que possa ser considerada minimamente progressista.
O cenário internacional, marcado por essas grandes crises, apenas reflete o que já está em curso na política interna. O governo, que já foi visto como uma esperança de transformação, está hoje completamente submisso ao programa econômico que não supera os dramas mais emergentes da classe trabalhadora.
A política econômica comandada por Fernando Haddad, tem sido elogiada por setores do imperialismo e da direita nacional, mas isso só demonstra que a capitulação do governo. Medidas que priorizam o ajuste fiscal e o pagamento da dívida pública estão sendo feitas, em detrimento de investimentos que impulsionem o desenvolvimento econômico e que poderiam melhorar a vida da classe trabalhadora.
O resultado é que, sob pressão econômica, as massas são empurradas cada vez mais para a direita, na esperança de soluções imediatas que, ironicamente, só perpetuam o ciclo de exploração. Ademais, o PT ainda uma presença muito expressiva de identitários, um setor da esquerda pequeno-burguesa que se apresenta com uma roupagem progressista, mas tem uma política profundamente reacionária.
Altamente impopular, a política identitária tem como um de seus métodos o choque frontal contra os setores mais pobres e religiosos da classe trabalhadora, que percebendo o ataque à sua fé, reagem reforçando-na, o que é amplamente explorado pela direita e culmina na desmoralização do PT junto a um importante segmento da classe trabalhadora. A política errática do governo leva, ao mesmo tempo, ao fortalecimento do identitarismo ao mesmo tempo em que busca se aproximar dos evangélicos por um caminho reacionário, uma tática que reproduz o que existe de pior e mais oportunista da política burguesa.
A população não é boba e percebe a contradição, um fenômeno já visto nas eleições presidenciais de 2018 e que longe de tornar a campanha presidencial de Haddad mais simpática, a levou a uma desmoralização que contribuiu para sua derrota. Não se trata, portanto, de uma tática errada apenas pela questão do princípio, de um partido de esquerda apelando ao que existe de mais reacionário na população oprimida, mas errada também do ponto de vista da eficácia.
O identitarismo, finalmente, por mais que se disfarce, é um braço ideológico do imperialismo, oriundo das principais universidades norte-americanas, o que nos leva de volta ao problema central que não é a população, mas a falta de uma direção política. Ao se afastar dos princípios da esquerda e tentar agradar setores mais conservadores da sociedade sem uma política genuinamente progressista, o PT não só falha em trazer a classe trabalhadora para a esquerda, como também termina sendo arrastado para a direita.
A crítica de Nêggo Tom seria válida se o problema estivesse apenas na forma direitista com a qual o PT busca esse diálogo, mas despreza o papel da vanguarda política e termina ofendendo a fé da “maioria dos evangélicos brasileiros” que em sua avaliação, “não seguem os ensinamentos de Cristo”, algo totalmente secundário diante do fato de que quem deveria guiar a população tampouco está seguindo os ensinamentos da história da luta política.