O número de mortos nos bombardeios israelenses contra as tendas de “deslocados” em Rafá, no sul da Faixa de Gaza, iniciados no dia 26 de maio, já se aproxima de uma centena. Apenas no primeiro dia, mais de 45 pessoas foram assassinadas. A maioria delas, crianças, mulheres e idosos. Todas elas mortas das formas mais cruéis imagináveis. Bebês decapitados, crianças desmembradas e corpos completamente carbonizados. A violência foi tão grande que muitas das vítimas sequer puderam ser identificadas.
Poucas horas depois da notícia dos primeiros mísseis contra os palestinos em Rafá, o Ministério da Saúde da Faixa de Gaza afirmou: “nunca antes na história, tantas ferramentas de matança em massa foram mobilizadas e utilizadas em conjunto diante dos olhos do mundo como está a acontecer em Gaza”. A ocupação sionista, responsável por assassinatos, estupros, pilhagens e prisões, conseguiu, portanto, superar a si própria, realizando o seu pior crime de guerra até então. Importante destacar que o Ministério é governado pelo Movimento de Resistência Islâmica (Hamas, na sigla em árabe), que há quase duas décadas vive em guerra contra as forças de ocupação sionistas, tendo testemunhado as piores atrocidades imagináveis.
“As pessoas foram queimadas! Eles foram queimados! Todos foram queimados! O que mais eu deveria dizer?”, disse um palestino desesperado à emissora catarense Al Jazeera. “Os mísseis caíram, explodiram e todas as pessoas foram queimadas”.
Ainda que tenha conseguido, em um curto espaço de tempo, superar seu próprio histórico criminoso, o governo israelense não se deu por satisfeito. Durante toda a noite do dia 26 de maio, as forças de ocupação continuaram bombardeando Rafá. Ao menos 10 centros distintos na cidade foram atingidos. No mesmo dia, nove palestinos morreram em consequência de um bombardeio no campo de Nuseirat, no centro da Faixa de Gaza. Uma criança foi morta e vários feridos resultaram do bombardeio da ocupação contra uma casa no campo de Bureij, também no centro da Faixa de Gaza. Por fim, ataques de aviões de guerra israelenses foram registrados na área de Al-Faluga em Jabalia, ao norte da Faixa de Gaza.
Dentre os mortos pelos bombardeios, estavam dois membros da equipe médica do Hospital do Cuaite, um dos dois únicos de Rafá. A instalação acabou tendo de ser fechada na segunda-feira (27), um dia depois do ataque, restando um único hospital para tratar os mais de 250 de feridos, muitos dos quais com ferimentos graves. “Estamos vivenciando aqui um ataque multifacetado, infelizmente, onde não apenas as pessoas estão sendo atacadas diretamente, mas também estão sendo impedidas de receber serviços médicos críticos”, disse o diretor do Hospital do Cuaite.
A terça-feira (28) não foi apenas um dia para tratar dos feridos e reconhecer os mártires da mais nova brutalidade sionista. Menos de 48 horas depois dos ataques que deixaram mais de duas centenas de feridos, “Israel” voltou a realizar uma nova operação intensa contra civis. Segundo o Ministério de Saúde de Gaza, a nova operação resultou no assassinato de pelo menos 21 pessoas, das quais 12 eram crianças e mulheres.
A correspondente da Al Jazeera Hind Khoudarya afirmou que “as forças israelenses atacaram outra área de barracas improvisadas onde a maioria das pessoas era mulheres e crianças” e que “não há ambulâncias”.
Os relatos dos profissionais da saúde são verdadeiramente assombrosos. Assim, o Crescente Vermelho Palestino descreveu os bombardeios: “experimentamos em primeira mão o horror desta guerra, testemunhando os ferimentos terríveis e a morte. Tivemos um incidente com vítimas em massa, com cerca de 30 pacientes, sete deles em estado crítico com hemorragias graves”.
O número inacreditável de mortos e feridos, bem como a crueldade com que os palestinos em Rafá foram massacrados, é o resultado não apenas de poderosas armas de guerra, financiadas, sobretudo, pelos Estados Unidos, mas também do fato de que a população atingida já vivia na mais extrema vulnerabilidade. A maioria da população que vive hoje em Rafá é composta pelos chamados “deslocados” – pessoas que foram obrigadas a sair de suas terras, seja porque foram expulsas, seja porque fugiram com medo de serem atingidas pelos bombardeios israelenses. As regiões que vêm sendo bombardeadas desde o dia 27 de maio são campos de “deslocados”, que vivem em tendas. Essas tendas, ao entrarem em contato com substâncias inflamáveis, como as contidas nos mísseis de artilharia, pegam fogo.
As zonas atacadas por “Israel” são, inclusive, consideradas “seguras”. Isto é, aquelas em que a própria entidade sionista se comprometeu a não realizar qualquer tipo de ataque contra civis.
O mesmo pesadelo seguiu na quarta-feira (29). Até o fechamento desta edição, 25 palestinos já haviam sido mortos em Rafá por ataques de veículos aéreos não tripulados (VANTs, ou drones, em inglês), bombardeios aéreos e disparos de artilharia. Além disso, um projétil de artilharia atingiu o portão do Hospital de Maternidade do Crescente Vermelho dos Emirados, a oeste da cidade de Rafá, e ataques aéreos foram realizados a Tal Zaroub, a oeste de Rafá. Pelo menos 20 pessoas ficaram feridas em ataques de tanques em Kaf al-Mashrou, a leste de Rafá.
Um total de 49 palestinos em outras cidades além de Rafá também haviam sido mortos pelas forças de ocupação no mesmo dia. Ao mesmo tempo, a cidade de Nuseirat, que está situada no centro da Faixa de Gaza e possui um campo de refugiados com mais de 350 mil pessoas, está à beira do colapso. A prefeitura da cidade declarou que não possui combustível para o funcionamento dos serviços básicos da cidade. No dia anterior, as autoridades informaram que, caso não seja entregue combustível dentro de 48 horas, os poços de água, bombas de esgoto e veículos de coleta de lixo serão paralisados. A prefeitura disse ainda considerar “a ocupação totalmente responsável por qualquer desastre humanitário que possa ocorrer a qualquer momento devido à falta de combustível, especialmente porque esse é um crime de guerra que contradiz todas as leis internacionais e humanitárias”.
O que os israelenses estão fazendo em Rafá é um filme de terror pior do que tudo o que já fizeram em Gaza. Mas, ao mesmo tempo, apesar de todo o sofrimento da população civil, a Resistência Palestina está transformando a situação dos israelenses em um verdadeiro inferno, politicamente muito mais custoso para o sionismo do que o massacre em Gaza tem sido para o povo palestino. Do ponto de vista militar, as forças de ocupação sionistas estão enfrentando derrota após derrota, provocando uma profunda crise no conjunto da sociedade israelense.
Ao contrário do que a imprensa imperialista procura mostrar, o que ocorre em Rafá vai muito além dos bombardeios covardes das forças de ocupação contra civis. Os militantes do Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), da Jiade Islâmica, das brigadas de bairro e mesmo a própria população civil desorganizada está enfrentando bravamente os militares israelenses, causando baixas significativas. Na terça-feira (28), militantes das Brigadas al-Qassam, braço armado do Hamas, detonaram uma casa ocupada pelas forças especiais israelenses no campo de Al-Sha’ut, ao sul de Rafá. O ataque das Brigadas feriu e matou membros das forças sionistas. Ao mesmo tempo, a Resistência Palestina entrou em confronto com as forças de ocupação nos arredores da prefeitura de Rafá. Já ao sul do campo de Yabna, também em Rafá, as Brigadas Al-Qassam bombardearam com morteiros as forças de ocupação estacionadas no local. No norte do campo de refugiados de Jabalia, ao norte da Faixa de Gaza, combatentes alvejaram um tanque “Merkava” do exército sionista utilizando um míssil Al-Yasin 105. A própria imprensa israelense admitiu que três soldados israelenses morreram e outros quatro ficaram feridos em estado crítico após caírem em uma emboscada.
Na quarta-feira (29), os combatentes realizaram feitos que tiveram ainda maior repercussão. Após as Brigadas al-Qassam matarem três soldados e ferirem outros três, incluindo um oficial de alta patente, as forças de ocupação enviaram um helicóptero para resgatar os seus homens. O evento foi registrado pela própria imprensa israelense. Já na Palestina ocupada, jovens palestinos enfrentaram as forças de ocupação no campo de Al-Fawar, em Hebrão, ao sul da Cisjordânia. Em oito meses de conflito, as forças de resistência destruíram mais de 100 tanques israelenses.
A destruição de tanques é, inclusive, uma das coisas que melhor expressa o enfrentamento entre a resistência e “Israel”. Conforme explicou Sayid Tenório, vice-presidente do Instituto Brasil Palestina (Ibraspal), em palestra recente no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco, “as forças da resistência desenvolvem suas próprias formas e métodos de luta”. Entre essas formas, estariam a fabricação de granadas nos próprios túneis do Hamas, com custos de apenas 250 dólares e com capacidade de destruir tanques israelenses de mais de um milhão de dólares. A resistência, portanto, por meio de sua própria organização, estaria impondo um prejuízo bilionário à entidade sionista, algo que tornará a guerra inviável a longo prazo.
O enfrentamento com o Hamas é, no entanto, apenas parte dos problemas militares de “Israel”. O Iêmen, hoje governado pelos revolucionários Partidários de Deus (Ansar Alá, em árabe), se tornou uma força imbatível no controle dos mares da região. Ao determinar que iria retaliar os navios que tivessem como destino a Palestina ocupada, o Iêmen bloqueou o acesso do imperialismo a uma rota decisiva para o comércio e para o tráfego de petróleo.
Um exemplo da capacidade militar dos Partidários de Deus foi dado na manhã desta quarta-feira (29), quando o porta-voz das Forças Armadas do Iêmen, Yahya Saree, anunciou que a marinha, as forças de mísseis e as unidades de VANTs realizaram seis operações no mar. Segundo ele, as forças revolucionárias atacaram três navios no Mar Vermelho: o LAAX, o SEALADY e o MOREA. Já no Mar Arábico, os navios norte-americanos ALBA e Maersk HARTFORD também foram atacados. Por fim, o porta-voz anunciou que o navio MINERVA ANTONIA foi atingido no Mar Mediterrâneo com vários mísseis de cruzeiro. O porta-voz ainda enfatizou que as Forças Armadas do Iêmen “não hesitarão em atacar qualquer navio que lide com a entidade israelense dentro das áreas operacionais declaradas, independentemente de seu destino, conforme declarado em comunicados anteriores”.
Não bastasse o boicote econômico extremamente bem-sucedido liderado pelo Iêmen, “Israel” agoniza ainda em outra frente. A situação no norte da Palestina ocupada é de crise total, ao ponto de, na terça-feira (27), o Major General da Reserva de “Israel”, Yiftah Ron Tal, declarar que “o norte é uma zona de guerra em todos os sentidos da palavra” e que, “no norte, cidades e vilas estão completamente desertas e centenas de casas receberam ataques muito severos”.
A crise no norte não é produto direto da ação dos combatentes da Faixa de Gaza, mas sim de outro grupo que, como o Hamas, os Partidários de Deus e a Jiade Islâmica, integram o chamado Eixo da Resistência. Trata-se do Hesbolá, o partido libanês que é dono de uma milícia com capacidade superior a vários exércitos do mundo. A atuação do Hesbolá no norte de “Israel”, que faz fronteira com o Líbano, é tão intensa que cerca de cem mil pessoas tiveram de sair de suas terras. Segundo disse a própria imprensa israelense, não há eletricidade no assentamento Margaliot desde a terça-feira (28), e as equipes de eletricidade estão impedidas de chegar por medo de outros ataques. O assentamento é alvo de uma ofensiva do Hesbolá nos últimos dias, que contou com o disparo de mais de 50 mísseis e que atingiram vários locais no norte de “Israel”.
A crise causada pelo Hesbolá é tão grande que os chamados “colonos”, que sempre serviram de base de sustentação do governo israelense, estão exigindo a separação do país artificial. Alguns deles já dizem abertamente que seu maior inimigo não é o Hesbolá, mas sim o “exército” de “Israel”. Ainda segundo informações do The Cradle, vários colonos de Margaliot já deixaram suas casas e estão vivendo em hotéis espalhados por “Israel”. Empresas na região foram fechadas e a economia israelense sofreu duras perdas. Em outra cidade do norte, Tiberíades, a agricultura está em “completo colapso”, de acordo com a própria imprensa israelense.
Em discurso realizado na terça-feira (28), Hassan Nasseralá, secretário-geral e líder político do Hesbolá, se referiu aos massacres de Rafá. Em sua declaração, disse que “o massacre de Rafá confirma a brutalidade, a traição e a deslealdade do inimigo” e que o Eixo de Resistência enfrenta “um inimigo sem valores ou moral que vai além dos nazistas”. Nasseralá ainda convocou o mundo a tomar ações contra “Israel”, dizendo: “vocês se manterão normais com esses traidores traiçoeiros cuja brutalidade não tem limites?”. Por fim, concluiu decretando a derrota do sionismo no Oriente Médio: “o massacre de Rafá e todas as loucuras cometidas pelo inimigo irão acelerar a derrota, o colapso e a extinção da entidade. […] Não vemos nenhum futuro para esta entidade nazista em nossa região”.
Também integrando o Eixo da Resistência, estão as milícias xiitas na Síria e no Iraque. Pressionado pela ação revolucionária dessas milícias, o governo iraquiano, um aliado mais moderado do Eixo da Resistência, declarou, após o início dos massacres:
“Apelamos a um movimento árabe, islâmico e regional responsável, a nível popular e oficial, para prevenir o genocídio em Gaza. Esse movimento deve pôr fim ao impulso irresponsável da região rumo à beira de um ciclo interminável de violência.”
A todo esse cerco à entidade sionista, deve ainda ser acrescentada a República Islâmica do Irã, que se mostrou a principal potência militar – e, provavelmente, nuclear – de todo o Oriente Próximo. Após a Operação Promessa Cumprida, o Irã, que é o grande arquiteto do Eixo da Resistência, estabeleceu um novo poder de dissuasão na região, limitando ainda mais a capacidade de ação militar de “Israel”.
Levando em consideração a debilidade militar de “Israel”, o massacre de Rafá deve ser visto não como uma demonstração de força do sionismo, mas como uma grande demonstração de desespero e covardia, uma mera tentativa de esconder a sua derrota iminente. A situação é tão crítica que até intelectuais sionistas já estão reconhecendo a derrota e clamando para aquela que parece ser a última esperança de “Israel”: uma intervenção direta dos Estados Unidos. Declarações como a de Nikki Haley, ex-pré-candidata à presidência dos Estados Unidos pelo Partido Republicano, que disse que os inimigos de “Israel” querem a “morte para os EUA”, e declarações como a de Bret Stephens, integrante do lobby sionista, de que Rússia, Hamas e Irã não estão dispostos a qualquer “acordo de paz”; vão justamente neste sentido.
O peso da resistência palestina na correlação de forças é tão grande que, após o massacre de Rafá, a pressão internacional sobre “Israel” aumentou em várias vezes. Três países europeus que já haviam anunciado que reconheceriam o Estado Palestino o fizeram oficialmente. O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, ainda que não tenha feito qualquer declaração de rompimento a “Israel”, demitiu o embaixador brasileiro em Telavive. Até mesmo Josep Borrell, representante da União Europeia, condenou o massacre em Rafá, defendeu a posição dos países que reconheceram o Estado Palestino e criticou o primeiro-ministro israelense Benjamin Netaniahu.
Países como a Arábia Saudita, que sempre tiveram relações muito íntimas com o imperialismo, subiram o tom na defesa do Estado Palestino. Mesmo as relações de “Israel” com o Egito, que é uma ditadura militar implementada pelos Estados Unidos, estão em crise, resultado do assassinato, por parte da entidade sionista, de dois soldados egípcios e da pressão das massas árabes sobre um dos países mais importantes do Oriente Médio. Por fim, cabe destacar que Recep Erdogan, presidente da Turquia, um dos países mais importantes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), voltou a criticar duramente “Israel”. Erdogan, inclusive, já havia recebido o líder do birô político do Hamas, Ismail Hanié, em seu país, indicando que poderá tomar uma decisão mais enérgica contra a ocupação sionista caso a crise aumente.
A principal organização envolvida no cerco a “Israel” é, sem sombra de dúvidas, o Hamas. Pois é ela que dirige a revolução em curso na Palestina, quando praticamente toda a população se insurge e se enfrenta diretamente contra a ocupação que lhe oprime há mais de sete décadas. E o Hamas, que é o maior representante desse povo, não está dando qualquer demonstração de que irá desistir da luta pela liberdade de seu povo, mesmo diante de tantas barbaridades praticadas por “Israel”. Pelo contrário: o grupo palestino reafirmou que, diante dos ataques covardes à população de Rafá, não negociará mais com “Israel”. Corretamente, o Hamas avalia que qualquer discussão sobre um acordo de paz servirá apenas para dar ainda mais tempo para que “Israel” continue praticando seus crimes.
Para o Hamas, há apenas duas alternativas colocadas. Ou “Israel” se rende, e isso significaria aceitar as condições que os palestinos lhe impuseram, que envolvem o cessar-fogo permanente, a troca de prisioneiros, a reconstrução de Gaza, o fim do bloqueio e o direito ao retorno; ou “Israel” será combatida até ser completamente destruída.