A esquerda pequeno-burguesa segue a mil por hora em seu intuito de permitir que o judiciário brasileiro controle tudo o que possa ser dito no Brasil. O novo caso de ataque à liberdade de expressão é em relação à cantora de axé Claudia Leite, por conta de uma mudança em um dos versos de uma de suas músicas mais conhecidas, “Caranguejo”, na qual a cantora troca “joga flores no mar saudando Yemanjá” por “joga flores no mar saudando meu rei Yeshua”. A mudança na letra em um show no dia 14 de dezembro, um sábado, em Salvador, levou a uma investigação por parte do Ministério Público da Bahia por intolerância religiosa.
Em um texto publicado no Brasil 247, no dia 18 de dezembro, o colunista Nêggo Tom ataca a cantora. Segundo o articulista, que não fala em momento algum de seu texto sobre a aberrante abertura de investigação contra a cantora por trocar uma palavra por outra, Cláudia Leitte praticaria “racismo religioso” e tentaria se apoderar da cultura brasileira descendente de africanos.
Tom passa a lotar seu texto de posições defendidas pela esquerda identitária e pequeno-burguesa, muitas inclusive já abandonadas por parte dos identitários, como a ideia de que os brancos tentam se apoderar e roubar a cultura dos negros no Brasil, a chamada apropriação cultural, o suposto padrão estabelecido por brancos no Brasil entre outros. O autor do texto chega a dizer que não se espantaria caso Cláudia Leitte se aproveitasse de seu sobrenome para tomar um copo de leite no palco, uma coisa que pode parecer absurda para qualquer pessoa séria, mas que na mente dos identitários significaria um ato racista, já que nos Estados Unidos uma parte da extrema direita, em raríssimos eventos, toma leite para tentar mostrar superioridade em relação aos negros.
Ou seja, para não escrever um texto em que simplesmente defende a censura do Ministério Público da Bahia, Neggô Tom se dedica a ataques sem pé nem cabeça à pessoa de Cláudia Leitte e, de quebra, passa a atacar toda os brancos, os cristãos e inclusive os cariocas em seu texto, como quando, por exemplo, vangloria outras cantores por serem baianas e diz que Claudia Leitte é a “carioca mais carioca do Brasil”. Ou seja, na cabeça de Nêggo Tom, somente os baianos, negros e fiéis de alguma das religiões de matriz africana podem tocar axé.
Tom só se esquece que, no Brasil, o sincretismo é a norma. Nas mesmas religiões de matriz africanas, o que mais se tem é uma mescla de religiões que vieram da África com elementos do cristianismo, do islamismo e até do espiritismo. A umbanda, por exemplo, tem muitos elementos do espiritismo, muitas imagens católicas estão presentes nos terreiros e até o famoso patuá tem origem no islã. Então, a ideia de Tom presente no texto de que os brancos não aceitariam que parte da cultura cristã fosse utilizada nas religiões de matriz africanas, cai por terra.
Além disso, o normal do brasileiro, além da mescla, é não seguir estritamente uma única religião. São famosos os casos de brasileiros que vão na missa no domingo, em um terreiro na segunda, tomam um passe na terça e vão a um culto evangélico na quarta e saem para a balada no sábado. Tom prega, portanto, uma pureza religiosa que não existe no Brasil.
Em outro ponto, o articulista defende que a tentativa de Cláudia Leitte de “evangelizar” o axé não daria certo na Bahia. Tudo isso pela troca de uma palavra por outra em um momento de um show. No entanto, cerca de 65% da população baiana se considera cristã, o que demonstraria que não seria necessário evangelizar ninguém no estado. Ainda assim, o axé realmente sempre teve ligação com temas das religiões africanas, como o próprio nome do gênero musical demonstra, porém, sem tanta pureza e rigor, já que não são todas as músicas que ficam no tema religioso.
Toda essa confusão, no entanto, leva a um ataque às liberdades democráticas da população brasileira. Se uma cantora não puder cantar a própria música que fez famosa – já que, apesar de ter sido composta por outras pessoas, foi com a gravação de um álbum de Cláudia Leitte que a música ficou conhecida – logo mais nada poderá ser feito nas músicas em todo o Brasil, pois, ao retirar uma palavra de uma música, sempre alguém poderá dizer que se sentiu ofendido pela retirada.
Se Cláudia Leitte é cristã, islâmica, umbandista, budista, satanista, ateia, ou seguir qualquer crença ou não ter crença nenhuma e quiser expressar o que pensa modificando suas músicas, não há nenhum problema, a não ser no cérebro das pessoas que exigem que os demais pensem todas da mesma forma que elas.
Por outro lado, o Ministério Público da Bahia não deveria se meter a investigar qualquer pessoa que seja por ter cantado uma música com a letra diferente. Independente do que é dito.