Hoje em dia é preciso se perguntar quando foi a última vez que você chamou uma pessoa de “idiota”. Esse adjetivo pode lhe render um senhor processo de censura e você terá que pagar pesados valores a título de danos morais.
Foi justamente o que aconteceu com o lobista Alexandre Paes dos Santos que, afora suas posições políticas reacionárias, chamou o filho de Lula, Fábio Luiz Lula da Silva, de idiota, isso ainda em 2006.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP), por meio da juíza Renata Soubhie Nogueira Borio, diante do caso, arbitrou uma indenização no valor de R$ 32.152,63 em razão das palavras proferidas pelo lobista, que disse que Lulinha, como é conhecido Fábio, era idiota em uma entrevista concedida para a revista Veja em 2006.
No alto de seu poder discricionário, afirma o documento judicial que o que foi dito por Alexandre Paes eram ofensas que procederam afronta direta, pessoal e pública à honra e imagem de Lulinha, “em franco desabono a sua competência profissional, honestidade, moral e ética”. E que foram ditas “diversas palavras e expressões ofensivas e incompatíveis com sua capacidade pessoal e profissional, tais como: ‘idiota’, ‘uma decepção’, ‘um garoto que joga videogame’, e ainda, ser portador de uma ‘disfunção'”.
O que se colocou em debate é que, de acordo com a decisão da justiça, a injúria surge quando há “juízos de valor, exteriorizando-se qualidades negativas ou defeitos que importem menoscabo, ultraje ou vilipêndio de alguém (…) ainda que a opinião pessoal sobre uma pessoa seja expressa em ambiente familiar, de confradaria ou num círculo particular e sem repercussão pública, é inadmissível que se possa tecer qualquer tipo de comentário ofensivo à dignidade ou ao decoro de outrem, livre de qualquer consequência”.
Quer dizer, não se pode ofender, criticar ou mesmo xingar pessoas públicas, pois, por algum motivo especial, são incriticáveis. Logo elas, as pessoas públicas, que, no Brasil, são alvos até de marchinhas de Carnaval, tamanha repulsa que o povo tem da maioria delas. Chamar uma pessoa pública de idiota, o que deve ser o mais comum no Brasil, é passível de processo e indenização por danos morais, sabe lá, Deus, que danos seriam esses.
É de se ter como estabelecido que nenhuma pessoa pública é idiota, o que é um raciocínio idiota em si. Idiota, diz o dicionário: diz-se de ou pessoa que carece de inteligência, de discernimento; tolo, ignorante, estúpido. Pela decisão, nenhuma pessoa pública carece de inteligência, nenhuma delas é ignorante ou estúpido. Pensar que nenhuma pessoa pública é idiota é um pensamento idiota.
Na realidade, o que está sendo estabelecido aos poucos pela justiça é a censura, o que é e sempre foi uma política fundamental para a direita. Boa parte da repressão da ditadura militar se deu na base do que poderia ou não ser dito. Mas atualmente isto está acontecendo com um amplo apoio da esquerda pequeno-burguesa, que tirou como política principal defender que as pessoas falem ou sejam proibidas de falar algumas palavras. O que é uma política, com o perdão da justiça brasileira, idiota.
Quando uma pessoa é proibida de falar uma palavra, de expressar seu pensamento sobre um fato ou alguém, por mais benéficas que possam parecer as razões, o que se realiza é a censura pura e simples.
Em primeiro lugar, não existe, e nem deveria existir, um moderador da consciência alheia. Alguém que possa impedir o que outra pessoa deve ou não ouvir, deve ou não ler. É absurdo e mesmo idiota achar que haveria alguém tão reverendíssimo assim, tão santo, tão elevado.
Em segundo lugar vale a máxima nacional: chumbo trocado não dói. Se uma pessoa se sentiu ofendida por algo dito ou escrito, resta, se assim o quiser, devolver a ofensa, em igual ou maior grau. Ou exercer o direito de resposta, como está previsto em lei, se assim preferir.
Agora determinar uma indenização milionária em razão de algo que foi dito é completamente autoritário, especialmente porque quem vai obrigar a fazer ou não fazer tal coisa é o estado, o Poder Judiciário, que, até onde se sabe não está nas mãos dos trabalhadores, ao contrário do que algumas pessoas pensam especialmente em relação ao Supremo Tribunal Federal.
A liberdade de expressão deve ser irrestrita, sem qualquer limitação, posto que é uma arma fundamental para qualquer pessoa ou organização que esteja lutando contra o regime. Sem ela, todos os demais direitos democráticos não passam de uma ficção. Se expressar é o primeiro passo para organizar qualquer luta, para reivindicar qualquer coisa que seja.