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Henrique Áreas de Araujo

Militante do PCO, é membro do Comitê Central do partido. É coordenador do GARI (Grupo por Uma Arte Revolucionária e Independente) e vocalista da banda Revolução Permanente. Formado em Política pela Unicamp, participou do movimento estudantil. É trabalhador demitido político dos Correios e foi diretor da Fentect (Federação Nacional dos Trabalhadores dos Correios)

Coluna

Cenas do trabalho nos Correios em ‘Cartas na Rua’, de Bukowski

Tendo trabalhado por 14 anos nos Correios dos EUA, o escritor faz um bom retrato de como é o trabalho do operário

Recentemente, li o primeiro romance do escritor Charles Bukowski (1920-1994), Cartas na Rua, publicado em 1971. Desde que ingressei como funcionário da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), muitos amigos me falavam sobre esse texto.

Finalmente, após muitos anos – quase 16 – após ter começado a trabalhar nos Correios, decidi acatar a sugestão.

Não há, aqui, nenhuma grande pretensão de analisar profundamente o texto de Charles Bukowski, menos ainda sua obra e sua vida. Não conheço outras obras do escritor.

Sem dúvida, no entanto, uma coisa me chamou muito a atenção na leitura do romance. Tendo Bukowski trabalhado por 14 anos nos Correios dos Estados Unidos, o leitor terá um retrato bastante fiel das relações que se passam na empresa, que, tirando as características próprias, são as que se passam em qualquer categoria operária.

As pressões intensas, os salários baixos, os roubos de tempo de trabalho, as sacanagens da chefia, as doenças do trabalho; tudo está ali, relatado por Bukowski.

Ao menos nesse aspecto, o primeiro romance do escritor vale a pena ser lido. Talvez a classe média, distante dos reais problemas sofridos diariamente pela classe operária, se interesse mais pelos exageros do autor, que expressam uma época decadente, de uma cultura decadente, do país imperialista mais decadente do mundo. Os porres, as drogas, a promiscuidade sexual, a jogatina, em suma, os vícios dessa sociedade carcomida. Mas o autor tem o direito de expressar seus exageros.

Sobre o estilo, a linguagem é muito sintética e as cenas são rápidas, sem nenhuma enrolação.

Mas, voltando ao trabalhador, que é o que nos interessa aqui, o romance pode interessar as pessoas que querem saber como é a vida de um operário esmagado pelas horas de trabalho incessantes, com o máximo de esforço físico, movimentos repetitivos e pela pressão psicológica. Chegar em casa, depois disso tudo, é como se o corpo tivesse sido atropelado por um caminhão.

Os 14 anos de Bukowski nos Correios norte-americanos fizeram bem aos seu romance. Ele trabalhou primeiro como carteiro, depois como funcionário interno de triagem de correspondências.

Para aqueles que não têm muita ideia do que se passa nos bastidores dos Correios, o romance também ajuda a ter uma noção. Sim, porque nos Correios os bastidores são muito maiores do que o que aparece para o público.

Ali também podemos verificar que os Correios brasileiros aprenderam os métodos de trabalho – e de tortura e pressão psicológicas – com os Correios dos Estados Unidos. Mas isso não é novidade, em todas as fábricas são aplicados os mesmos métodos ou piores.

Deixo, abaixo, uma cena do livro, muito realista, como outras na história, que se passa no ambiente de trabalho. Assisti a muitas cenas semelhantes a essa, que aconteceram comigo ou meus companheiros.

“—Chinaski, venha aqui um minuto.

Ele parou em frente às caixas de latão e apontou. Todos os funcionários estavam carimbando bem rápido agora. Fiquei a observar o modo como moviam freneticamente seus braços direitos. Até a gorducha estava sentando a mão.

— Vê aqueles números pintados na base da caixa?

— Sim.

— Aqueles números indicam o número de peças que devem ser carimbadas num minuto. Uma pilha de sessenta centímetros deve ser carimbada em 23 minutos. Você ultrapassou o tempo em cinco minutos.

Ele apontou para o número 23.

— O padrão é 23 minutos.

— Aquele 23 não significa coisa nenhuma — eu disse.

— Como é que é?

— Quero dizer que algum cara veio e pintou esse 23 com uma lata de tinta.

— Não, não, esse tempo foi testado e retestado ao longo dos anos.

De que adiantava contestar? Não respondi.

— Vou ser obrigado a pôr você no relatório, Chinaski. Será julgado por isso.

(…)

— Chinaski, você precisou de 28 minutos para acabar uma caixa de 23 minutos.

— Ah, não vem me aplicar essa papagaiada! Estou cansado.

— O quê?

— Eu disse, não me venha com essa papagaiada! Me deixe assinar esse papel e voltar ao trabalho. Não quero ouvir sua lenga-lenga

— Estou aqui para aconselhá-lo, Chinaski!

Suspirei.

— Tudo bem. Vá em frente. Vamos ouvir.

— Temos um cronograma a cumprir, Chinaski.

— Ô.

— E quando não se cumpre o cronograma, isso significa que alguém mais terá de carimbar essas cartas por você. Isso significa horas extras.

— Você quer dizer que sou o responsável por essas três horas e meia a mais que solicitam quase todas as noites?

— Olhe, você levou 28 minutos numa caixa de 23. E isso é tudo o que interessa.

— Você sabe melhor do que eu. Cada caixa tem sessenta centímetros de comprimento. Algumas caixas têm até três ou quatro vezes mais cartas do que outras. Os funcionários agarram o que eles chamam de caixas “gordas”. Eu não me importo. Alguém tem de pegar no pesado. Mas tudo o que vocês sabem é que cada caixa mede sessenta centímetros de comprimento e que tem de ser esvaziada em 23 minutos. Acontece que não arrumamos tudo de uma vez, é preciso carimbar as cartas.

— Não, não, tudo isso já foi testado.

— Pode ser que sim. Mas eu duvido. Em todo caso, se você for cronometrar o tempo de alguém, não o julgue por uma caixa. Até mesmo Babe Ruth errava de vez em quando. Julgue um homem por dez caixas, ou por uma noite de trabalho. Vocês usam essas coisas para mandar para a forca qualquer cara que caia nas garras de vocês.

— Tudo bem, Chinaski. Você já disse o que tinha para dizer. Agora é a minha vez: você levou 28 minutos numa caixa. Nós nos apoiamos nisso. AGORA, se você for pego mais uma vez atrasado, será chamado para CONSELHOS AVANÇADOS!

— Está bem, mas posso fazer uma pergunta?

— Prossiga.

— Suponha que eu pegue uma caixa fácil. De vez em quando eu pego. Às vezes termino uma caixa em cinco ou oito minutos. Digamos que termine uma caixa em oito minutos. De acordo com os padrões de tempo testados, eu teria economizado quinze minutos aos Correios. Será, então, que posso pegar esses quinze minutos e descer até o refeitório, comer um pedaço de torta com sorvete, assistir tevê e voltar?

— NÃO! VOCÊ DEVE AGARRAR UMA CAIXA IMEDIATAMENTE E COMEÇAR A CARIMBAR CARTAS!

Assinei um papel dizendo que fora aconselhado. Em seguida o Castor Magrelo assinou minha dispensa, escreveu a hora e me mandou de volta para meu banquinho para carimbar mais cartas.”

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