“Nenhum casamento é suportável se as pessoas não se modificam, não mudam. Por isso, case-se várias vezes, de preferência com a mesma pessoa”.
A necessidade de renovação, transformação e mudança para se adaptar às distintas fases da vida, em especial no que diz respeito à vida amorosa, é um dos mais antigos axiomas sobre os casamentos. Afinal, quando casamos com alguém, certamente esta pessoa se transformará em outras pessoas dentro daquele mesmo sujeito; igualmente, quando nos separamos, esta será uma pessoa muito distinta daquela com quem iniciamos uma jornada de casal. Portanto, a mudança é mandatória. Nada há de novo nestes conselhos, inclusive a ideia de “casar muitas vezes” com o mesmo parceiro. A questão é que esta perspectiva sobre as uniões parte de uma visão rígida sobre o casamento, tratando-o como se fosse um evento social sagrado e por demais precioso, que precisa ser preservado a todo custo. É inegável a importância que as civilizações emprestaram à união dos casais, pois que o reconhecimento do Estado garantia compromissos de cuidado por parte dos maridos, e de fertilidade e fidelidade por parte das esposas. Estes são, sem dúvida alguma, valores primordiais, essenciais para a sobrevivência de qualquer grupo. Não seria possível a grande revolução da agricultura e do sedentarismo ocorrida no paleolítico superior não fosse a adoção destas medidas de controle social. Não à toa, as uniões de casais são descritas como o ápice e o centro da estrutura social, pela sua importância na continuidade da espécie. Entretanto, é possível que hoje exista um exagero sobre esta forma de ver a vida “a dois”. Talvez a forma como vemos os relacionamentos precise ser refeita.
No ano passado, o número de uniões civis no Japão caiu pela primeira vez desde o anos anteriores a Segunda Guerra Mundial. Ao lado disso, e por consequência, os nascimentos caíram 5.1%, chegando a 758 mil por ano, numero que o Instituto Nacional de Pesquisa Populacional e Previdência Social esperavam só ser alcançado em 2035. Ou seja: a baixa de casamentos leva à baixa de natalidade. A falta de jovens e o envelhecimento da população é um problema grave para a economia de qualquer país. Em 1982 o número de nascimentos no Japão foi de 1,5 milhão, quase o dobro do que se vê agora. A taxa de fertilidade – a média de nascimentos por cada mulher – caiu para 1,3, um valor trágico se levarmos em consideração que a taxa necessária para manter uma população estável; é de 2,1. Os falecimentos ultrapassam os nascimentos por mais de uma década. Assim, no Japão mais pessoas são enterradas do que paridas há mais de 10 anos. Em uma aldeia japonesa chamada Kawakami não houve o nascimento de nenhuma criança em 25 anos. Esta localidade já teve 6 mil moradores nos anos 80, e hoje não tem mais do que 1.150 habitantes. Será o Japão um fato isolado? Serão os japoneses o tubo de ensaio de uma crise de natalidade grave que atingirá o mundo inteiro?
Talvez o casamento não seja tudo isso. Apesar da importância que ainda vemos neste tipo de união civil – que pode ser medida pelos custos de uma cerimônia para as classes abastadas – é possível que o casamento como o conhecemos, que inclui os filhos, a monogamia, a coabitação, os projetos compartilhados, etc., tenha sido uma moda passageira na história da humanidade, uma forma intermediária para acomodar necessidades específicas, e tão somente um subproduto do patriarcado, criado para manter o controle sobre as mulheres, a procriação e a descendência. Hoje em dia o casamento é criticado como nunca e duramente questionado sobre seu real valor, e para alguns parece evidente que ele tem seus dias contados por não oferecer aos casais a liberdade e a autonomia que tanto almejam. A lenta decadência do modelo patriarcal talvez leve consigo alguns elementos que hoje são comuns, mas que talvez se tornem raridade no futuro: as parcerias eternas, os casais de velhinhos e o almoço de domingo na casa dos avós. Quem sabe que tipo de sociedade diferente vai surgir quando desta instituição sobrar apenas uma vaga memória.
Por fim, a questão dos casamentos, seu significado e seu futuro, são determinantes para as sociedades contemporâneas. Por mais que existam questões sobre os valores inseridos no casamento, ainda haverá a necessidade de ajustar os afetos, o desejo sexual e a criação das crianças, fruto destas uniões. Sem a figura do casal heterossexual como a única forma de expressão dessas uniões, como vai ser a construção desta nova sociedade? Sobre quais valores se assentará e como será a arquitetura das famílias do século XXII? As pessoas da minha geração, em especial aquelas contaminadas pelo romantismo e que nasceram sob a égide da família nuclear, por certo não terão a oportunidade, ou o tempo de vida suficiente, para testemunhar este mundo sem casais e sem juras de amor eterno; não teremos a chance de vivenciar as dores e os sabores deste mundo novo e desafiante. Entretanto, é inevitável a curiosidade em saber se o modelo que virá para garantir o afeto e o cuidado das crianças terá tanto sucesso quanto o amor romântico teve na história do planeta.