Em dezembro, completaram-se 120 anos do grande pintor brasileiro Candido Portinari. O Dossiê Causa Operária preparou uma edição especial sobre a vida e a obra do artista que em breve será impressa.
Como muitos artistas de sua época, Portinari foi filiado ao Partido Comunista do Brasil, em 1945, após o fim da ditadura do Estados Novo, chegando inclusive a ser candidato a deputado e a senador.
A atração que os Partidos Comunistas tinham sobre os intelectuais vinham da euforia com o fim da guerra e da propaganda pseudo democrática que o imperialismo vitorioso fazia no mundo todo.
Os partidos comunistas nutriam-se do mito de que havia sido Stálin o principal agente da derrota do fascista. Mito porque de fato havia sido a participação do povo soviético a decisiva para a derrota dos alemães. Stálin, porém, havia sido um obstáculo a essa vitória e não o herói que os stalinistas afirmavam. Os intelectuais progressistas, naturalmente, foram atraídos para o Partido Comunista, que aparecia como o grande partido “democrático”.
Tal concepção “democrática” foi também adotada pelo stalinismo, aproveitando a onda da propaganda do imperialismo vitorioso.
Assim, para boa parte dos intelectuais progressistas da época, o Partido Comunista aparecia como o principal defensor da democracia.
No Brasil, a figura popular de Luis Carlos Prestes cumpria também um importante papel de atração da intelectualidade para o Partido. E foi justamente Prestes quem convidou Portinari a ingressar no PCB.
Portinari estava longe de ser um intelectual marxista, nem mesmo era essa sua pretensão. Seu ingresso no PCB deve ser visto meso com um artista que busca a realização plena, enquanto homem, daquele sentimento por justiça. “A condição do artista é ser um homem sensível. Não é possível que as emoções mais altas do mundo não toquem um homem normal. A injustiça humana, a miséria, as crianças famintas são um grito tão grande que não pode deixar de ser ouvido”, afirmou certa vez Portinari ao crítico português Mário Dionísio (A vida dos grandes brasileiros; Cândido Portinari, Marcos Moreira).
Portinari continua ligado ao PCB até sua morte, em 1962. O artista procurava, sinceramente, a ligação de sua arte com os problemas políticos e sociais do mundo, coisa que está marcada em sua obra desde o início.
Um episódio anedótico revela bem a popularidade de Portinari na época e a do próprio PCB, que não muito tempo depois seria novamente colocado na ilegalidade, em 1948.
O pintor candidatou-se a deputado federal em 1945, recebendo poucos votos. Dizem os biógrafos que a derrota foi recebida com alívio por Portinari, que temia não ter tempo para pintar, caso fosse eleito.
Já em 1947, a coisa foi um pouco diferente. Portinari candidata-se a senador por São Paulo. Dessa vez, o pintor paulista, convencido da importância da tarefa partidária, ou seja, ser eleito, jogou-se em campanha pelo interior do estado. Fez comícios em cima de caminhões, falou com o povo mais simples. As atividades de campanha, naturalmente, diminuíram o tempo para pintar e desenhar, o que continuava a preocupar Portinari, que sempre dedicou a maior parte do seu dia ao trabalho artístico.
Chegadas as eleições, Portinari aparece liderando a disputa de acordo com a primeira contagem de votos. Mais tarde, no entanto, foi divulgada nova contagem, dando a vitória ao candidato da direita, Roberto Simonsen. (idem)
O próprio povo acusou o golpe e a fraude, apelidando Portinari de “senador furtado”. Diz-se que novamente Portinari teria recebido com alívio a notícia da derrota, já que entendia que se fosse eleito teria que abdicar boa parte do seu tempo para a política.
Em 1947, a situação política novamente começa a piorar. No Rio, foi aberto um inquérito contra intelectuais que tinham ensinado na Escola do Povo, incluindo Portinari. O pintor, então, decide exilar-se no Uruguai, onde fica por cerca de um ano. Ao voltar ao Brasil, em 1948, o Partido Comunista é posto novamente na ilegalidade e os mandatos do PCB são cassados.
Ainda sobre a filiação de Portinari ao PCB, dominado pelo stalinismo, é importante ressaltar que em nenhum momento Portinari seguiu os dogmas burocráticos do chamado Realismo Soviético. Sua obra é livre como sempre foi, com as experimentações formais que acompanharam o pintor desde o início de sua carreira, o que se comprova apenas pela observação da evolução de sua pintura. A dedicação de Portinari ao trabalho artístico foi, talvez, seu principal antídoto contra as pressões exteriores à arte, vindas elas do artificial e burocrático realismo stalinista, ou vindas, principalmente, da adulação, dos privilégios do capitalismo e do caminho fácil das fórmulas prontas em que muitas vezes caem os artistas.
Portinari nunca aceitou ingerências em sua obra. Em entrevista ao jornal Causa Operária publicada em 11 de setembro de 2011, João Candido, filho do pintor, relata um episódio que demonstra bem como era a relação de Portinari com o PCB: “Teve uma ocasião em que o partido decidiu que tinham que pintar o realismo soviético e ele não aceitou isso. ‘Na minha pintura não tem isso, não aceito nenhuma interferência’. Ele chamou o Prestes e ele teve a grandeza de compreender aquilo e dizer ‘olha, Candinho, pinta o que você quiser, isso não é para você'” (Causa Operária, nº 655, 11/9/2011).
Outro episódio interessante é o que envolve os famosos painéis Guerra e Paz na ONU.
Em 1952, o governo brasileiro decidiu doar dois painéis de Portinari para a nova sede das Nações Unidas, em Nova Iorque. As obras seriam colocadas no corredor da sala das sessões dos delegados da Assembleia Geral, cada parede medindo 10m x 14m.
Feito o convite ao pintor, ele aceitou e dentre os temas apresentados, Portinari decide por “Guerra” e “Paz”.
Portinari poderia ter pintado os painéis nos Estados Unidos, país que ele já havia visitado outras vezes. Para painéis daquele tamanho, o ideal seria que o trabalho fosse realizado no próprio local ou o mais próximo possível, para facilitar o transporte.
No entanto, o visto de entrada de Cândido Portinari nos EUA foi negado. Seu crime: ser filiado ao Partido Comunista do Brasil.
Nos anos 50, a política macartista perseguia qualquer pessoa que pudesse ter mínimas ligações com a esquerda e organizações do movimento operário. Portinari foi obrigado a realizar as obras no Brasil e depois enviar os painéis para Nova Iorque.
Esse fato, no entanto, fez com que artistas e intelectuais fizessem um movimento para que os painéis pudessem ser vistos pelos brasileiros antes de serem enviados para os Estados Unidos. Em 27 de fevereiro de 1956, Juscelino Kubitschek inaugura uma exposição dos painéis no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Uma verdadeira multidão visitou os painéis até o dia 6 de março.
* Ilustração do artigo: painel Guerra e Paz, na sede da ONU