O artigo “Teerã se viu encurralado pelo ataque ao seu consulado”, publicado na Revista Movimento, que pertence à corrente interna do PSOL, Movimento Esquerda Socialista (MES), traz uma entrevista com o pesquisador franco-libanês Gilbert Achcar sobre o atual conflito ‘Israel’-Irã.
A opinião central da entrevista é a de que o Irã teria agido empurrado por uma situação que estaria fora do controle do país:
“Teerã se viu encurralado pelo ataque ao seu consulado. Sua ‘credibilidade’ de dissuasão foi consideravelmente corroída ao longo dos anos por repetidas promessas de vingança que nunca foram cumpridas”.
Segundo esse raciocínio, o Irã foi obrigado a reagir porque não teria mais margem de manobra no que diz respeito a seu poder de “dissuasão”. Desse modo, tudo o que o Irã faz não passaria de conversa mole e bravata. No entanto, o ataque israelense contra a embaixada, seria uma jogada consciente do governo sionista, obrigando Teerã a agir.
Essa ideia absurda ignora vários fatos que deveriam ser conhecidos por qualquer analista. Primeiro, que é o Irã que está por trás de todos os principais grupos de resistência na região. Nesse sentido, o Irã, embora não tenha agido, até os acontecimentos do dia 15, diretamente, é quem está jogando o jogo de xadrez na região.
O entrevistado confunde a política arquitetada friamente pelo Irã com bravatas. Os iranianos estão com a iniciativa na situação, eles estão fechando o cerco contra “Israel”.
O pretenso analista não entende nada disso e ainda imagina que o Hamas estaria contrariado com a supostas bravatas iranianas:
“Também houve a falta de intervenção direta contra a guerra de Israel em Gaza, contrariando os pedidos do Hamas. O Irã se contentou em envolver seus aliados libaneses e iemenitas, dentro de uma clara autolimitação no caso do Hezbollah do Líbano.”
Essa frase prova a completa ausência de conhecimento do entrevistado. Primeiro que em nenhum momento durante os mais de seis meses de crise em Gaza o Hamas demonstrou qualquer contrariedade em relação ao Irã. Isso porque, diferentemente do pretenso analista, que nitidamente não tem as mínimas coordenadas da situação, o Hamas sabe que os iranianos estão intervindo na situação. Mais do que saber, a própria ação do Hamas é produto da intervenção iraniana, que é público que o governo iraniano treinou, organizou e armou a resistência palestina. Só o analista não sabe disso?
A ação dos iemenitas e do Hesbolá são ações coordenadas pelos iranianos. Mais do que isso, são ações coordenadas com o próprio Hamas. Ou o pretenso analista nunca ouviu falar no Eixo de Resistência? Ou seja, é uma organização que atua de maneira coordenada.
Até agora, as ações do Irã e do Eixo de Resistência colocaram os sionistas e o imperialismo em xeque. O bombardeio da embaixada iraniana na Síria, embora tenha sido uma ação consciente os israelenses, foi uma ação desesperada. A resposta do Irã, pelo contrário, demonstrou que o país está no total controle da situação. Mas o pretenso analista viu tudo ao contrário:
“os líderes iranianos estão cientes do objetivo da provocação israelense e temem que um ataque em seu solo possa acontecer antes que eles alcancem o equilíbrio do terror com a aquisição de armas nucleares. É por isso que eles optaram por um ataque aparentemente maciço, que eles sabiam que não teria muito impacto. Lançar um ataque contra um Estado equipado com a melhor defesa aérea do mundo e auxiliado por aliados poderosos, principalmente os Estados Unidos, por meio de drones e mísseis de cruzeiro a 1.500 quilômetros de distância, em uma viagem que dura várias horas, é esperar que muito pouco chegue ao destino. Apenas alguns mísseis balísticos conseguiram passar pela rede de proteção israelense.”
Segundo o pretenso analista, “Israel” estaria com a iniciativa nesse xadrez. Ele não entendeu, acreditando na própria propaganda desesperada e mentirosa dos sionistas, que o ataque iraniano foi propositalmente moderado. O governo iraniano afirmou que aquilo era apenas um aviso, por isso optaram por aquele tipo de ataque. O Irã demonstrou que “Israel” não tem forças para enfrentar diretamente o país e que um ataque mais poderoso e decidido colocaria em crise definitiva “todo o suposto melhor sistema de defesa do mundo”, que se mostrou ineficiente agora, como já havia se mostrado ineficiente em 7 de outubro.
E por falar em 7 de outubro, o pretenso analista acredita ter sido um erro a ofensiva do Hamas e da resistência:
“Não é muito difícil entender que eles demonstraram ao mesmo tempo a ameaça que representam para Israel, fortalecendo assim o argumento israelense para uma destruição preventiva de seu próprio potencial e sua fraqueza estratégica diante de um adversário muito mais bem equipado do que eles. Em minha opinião, esse é um erro que pode ser tão monumental quanto o que o Hamas cometeu ao lançar a operação de 7 de outubro de 2023.”
Para ser analista de esquerda, o primeiro requisito deveria ser o de não montar a análise baseada nas opiniões da propaganda da imprensa imperialista. O entrevistado acredita que “Israel” se fortaleceu com a resposta iraniana e com o 7 de outubro, uma “análise” completamente fora da realidade.
De trás para frente: se o 7 de outubro foi um erro, por que até agora as “poderosas forças armadas israelenses” não conseguiram derrotar o Hamas? Se foi um erro, por que “Israel”, a cada dia que passa, mesmo com toda a propaganda imperialista, perde mais e mais apoio na opinião pública mundial, incluindo dentro do próprio “país”?
A própria ação iraniana do dia 15 é resultado do muito bem planejado 7 de outubro. Tudo tem sido organizado e planejado para colocar “Israel” num beco sem saída, no qual eles entram cada vez mais. A ação desesperada na embaixada do Irã foi resultado disso. E agora, diferentemente do que diz o pretenso analista, o Irã abre um novo capítulo na crise israelense. Os iranianos não demonstraram sua fraqueza, ao contrário mostraram na prática o que qualquer analista atento já sabia: sua força diante de “Israel”.
Toda a pseudo-análise da entrevista, mostrando o contrário da realidade, serve para justificar algo que fica oculto na posição política do entrevistado. Ele não quer apoiar o Irã.
A calúnia de que os iranianos não passam de bravateiros, que o Irã não apoia a resistência palestina e que o governo é fraco militarmente é um apoio velado ao governo sionista. Mesmo se as considerações falsas apresentadas pelo analista fossem verdadeiras, a questão central é: devemos aplaudir a ação dos iranianos contra “Israel”? Claro que sim. Qualquer meio-termo nessa resposta é um apoio a Netaniahu, gostem o MES e seu aliado internacional ou não.