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Paulo Marçaioli

Formado em direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da USP e dono do blog Esperando Paulo

Coluna

‘Caçadas de Pedrinho – Hans Staden’ – Monteiro Lobato

"Há outros indícios de que Monteiro Lobato não mantinha a mentalidade racista propalada pelo identitarismo"

Resenha Livro – “Caçadas de Pedrinho – Hans Staden” – Monteiro Lobado – Ed. Círculo do Livro

“Esse fato causou o maior rebuliço no Brasil inteiro. Os jornais não tratavam de outra coisa. Até uma revolução, que estava marcada para aquela semana, foi adiada, porque os conspiradores acharam mais interessante acompanhar o caso do rinoceronte do que dar tiros nos adversários” (“Caçadas de Pedrinho” – Monteiro Lobato).

No ano de 2010 ganhou repercussão na mídia nacional o ajuizamento de um mandado de segurança pelo “Instituto de Advocacia Racial” junto ao Supremo Tribunal Federal demandando a retirada do livro “Caçadas de Pedrinho” (1933) da lista de leitura obrigatória do ensino oficial, sob a alegação de que as crianças estariam supostamente expostas a conteúdo racista.

Desde então, vem sendo ventilado pela por grupos identitários a ideia de que o escritor paulista seria racista ou até mesmo eugenista.

Esta não seria a primeira vez que as obras de Monteiro Lobato seriam objeto de ataques injustos e infundados.

Meses depois da publicação do livro infantil “História do Mundo Para Crianças” (1933), a obra passou a sofrer perseguição e censura da Igreja Católica. Naquela época era ainda uma novidade a existência de obras literárias direcionadas ao público infantil, que suscitavam a imaginação por meio de personagens fantásticos como o Visconde de Sabugosa, um nobre fidalgo feito de espiga de milho que traz a voz da razão e da ponderação; ou o Marquês de Rabicó, um porquinho medroso que conversa com as crianças; ou Emília, uma boneca de pano que se distingue por sua bravura, autoconfiança e uma certa esperteza. Consta mesmo que um grupo de freiras chegou a organizar fogueiras para destruir exemplares de livros no ano de 1942. No exterior, o Governo Português também chegou a proibir os livros infantis em seu país tanto porque os livros indicam que o Brasil teria sido achado ‘por acaso’ pelos portugueses, quanto por “ter registrado das 1600 orelhas cortadas à marinhangem árabe por Vasco da Gama”. [1]

Tanto no passado quanto no presente, são injustos estes julgamentos sobre a obra do escritor de Taubaté.

Não é correto dizer que Monteiro Lobato era racista, mesmo porque o escritor não teve uma única opinião com relação ao tema racial. Já nos ano de 1920, quando inicia seu trabalho de literatura infantil, já havia feito uma autocrítica acerca do seu personagem Jeca Tatu. Os vícios do caipira não decorriam de questões raciais, da miscigenação do branco, do índio e do negro. O atraso de Jeca decorria da falta de salubridade, de higiene e de saúde. Nas palavras do escritor: “Jeca não é assim. Está assim”. Vale dizer que esta mudança de orientação se deu ainda em 1918, nada menos do que 15 anos antes do lançamento de “Casa Grande e Senzala”, quando o grande sociólogo pernambucano chegaria às mesmas conclusões que Monteiro Lobato.

Há outros indícios de que Monteiro Lobato não mantinha a mentalidade racista propalada pelo identitarismo.

No conto “Negrinha” (1920), por exemplo, faz uma das mais contundentes denúncias dos resquícios da mentalidade escravocrata nas fazendas de café após a abolição de 1888. A perversidade com que Dona Inácia, “excelente senhora, gorda, rica, animada dos padres”, brutaliza Negrinha, uma órfã de sete anos, contando com o beneplácito de um padre, é o que há de melhor de literatura social escrita no Brasil:

“A excelente Dona Inácia era mestra na arte de judiar crianças. Vinha da escravidão, fora senhora de escravos – e daqueles ferozes, amigas de ouvir cantar o bolo e estalar o bacalhau. Nunca se fizera ao regime novo – essa indecência de negro igual a branco e qualquer coisinha: a polícia! (…) O 13 de maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana. Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis”.

Há uma carta do escritor de data de 01/10/1916 endereçada à Godofredo Rangel em que Lobato tece fortes elogios ao escritor negro Lima Barreto, na época solenemente ignorado pela elite intelectual do país por puro preconceito racial.

A leitura das obras infantis de Monteiro Lobato encanta tanto os jovens como os adultos e algumas de suas lições de história oriundos do “Hans Staden” revelavam uma leitura progressista da História do Brasil.

Por exemplo, sobre as razões de Portugal não se desenvolver economicamente a despeito de ter saqueado todo o ouro do Brasil:

“- Por que, então, não se tornaram esses países os mais ricos do mundo? – Perguntou Pedrinho.

– Porque não souberam guarda-lo – respondeu Dona Benda. – Não basta ganhar, é preciso conservar, coisa muito mais difícil. Todo o ouro que Portugal tirou do Brasil foi se passando aos poucos para os países industriosos, sobretudo para a Inglaterra, em troca dos produtos das suas fábricas. Quando os portugueses abriram os olhos, era tarde – o ouro do Brasil estava todo em mãos de gente mais esperta.”. (Hans Staden)

O mandado de segurança que pretende censurar “Caçadas de Pedrinho” seguiu em trâmite no STF até maio de 2020. O STF declarou-se incompetente para analisar ação mandamental que tem como ato coator parecer do Conselho Nacional de Educação. O mandado de segurança, contudo, prossegue. É dever dos comunistas e dos patriotas defender a obra de Monteiro Lobato como parte indissolúvel da cultura popular, motivo de orgulho da população brasileira e obra literária que deve ser defendida em face dos devaneios do identitarismo.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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