Nesta quarta-feira, 24 de abril, ocorreu, na Câmara dos Deputados, a audiência pública Crise humanitária na Faixa de Gaza. Resultado de um requerimento dos deputados João Daniel (PT-SE) e Padre João (PT-MG) junto à Comissão de Legislação Participativa, a sessão foi presidida por Glauber Braga (PSOL) e transmitida em tempo real pela Internet e pela TV Câmara.
Entre a abertura dos trabalhos e a primeira exposição da audiência, um evento chamou a atenção da imprensa burguesa e, rapidamente, se tornou notícia em todo o Brasil. O técnico administrativo Ieri Braga, militante do Partido da Causa Operária (PCO), aproveitou o primeiro intervalo para distribuir cartazes confeccionados pelo Partido e pelos Comitês de Luta a todos os presentes. Algo que é feito todas as semanas não apenas por Ieri Braga, mas por dezenas de militantes em todas as regiões do País. O PCO, inclusive, está realizando jantares de confraternização no mês de abril, cujo objetivo é, entre outras coisas, financiar a atividade de rua em defesa da Palestina.
O que chamou a atenção particularmente da imprensa burguesa no caso foi o fato de que o militante do PCO vestia uma camisa do Movimento de Resistência Islâmica (Hamas, na sigla em árabe). Algo que também não deveria causar espanto algum, uma vez que é público e notório que o PCO defende incondicionalmente o partido palestino e que a audiência era sobre o povo palestino, do qual o Hamas é seu maior representante. No entanto, quando se vive em um país no qual o sionismo está infiltrado em todas as instituições, a defesa da luta palestina rapidamente pode se tornar motivo para um grande escândalo.
E foi o que aconteceu. Uma hora depois, enquanto ainda ocorria a audiência, o jornal Metrópoles, sediado na própria capital federal, publicou, em suas redes sociais, um vídeo com a legenda “homem circula com camiseta do Hamas em evento na Câmara dos Deputados”. Apenas na plataforma X, o vídeo teve mais de um milhão de visualizações em menos de 24 horas. Como se diz hoje em dia, “viralizou”. A tal ponto de a emissora catarense Al Jazeera, apoiadora da luta dos palestinos, dar repercussão ao caso.
Nenhuma das denúncias feitas durante a sessão comoveu a grande imprensa. O fato de que o Padre João tenha dito que 97% da água disponível em Gaza hoje é considerada imprópria para o consumo humano, que mais de 85% da população esteja desabrigada e que “o local mais densamente povoado do planeta” enfrenta “insegurança alimentar, falta de eletricidade, pobreza extrema e hospitais que foram devastados pelos combates”, não aparece em nenhum lugar. O que escandalizou o monopólio da imprensa capitalista foi um homem, solidário à causa palestina, vestir uma camisa daqueles que efetivamente estão fazendo alguma coisa contra o genocídio em curso.
No dia anterior, uma ação coordenada – não entre os órgãos da imprensa capitalista, mas entre sionistas que atuam na Internet – já havia causado a suspensão do perfil de uma dirigente do Partido da Causa Operária na plataforma X. Na ocasião, perfis que atuam como verdadeiros delatores inundaram a conta de Natália Pimenta, membro da Direção Nacional do PCO, com denúncias dirigidas ao Ministério Público, à Polícia Federal, à Justiça e aos próprios donos do X. O “crime” cometido pela dirigente? O mesmo que Ieri Braga: homenagear aqueles que estão dando a vida pela libertação da Palestina.
No caso da Câmara dos Deputados, a histeria foi a mesma, mas, dessa vez, a grande imprensa entrou em ação. Afinal, não se tratava mais de uma operação para suspender uma conta no X – o fato já havia acontecido e não tinha como ser “desfeito”. Restou à grande imprensa caluniar os defensores do Hamas na tentativa de evitar que a intervenção de Ieri Braga fosse vista pelo povo brasileiro como uma demonstração de que, apesar da truculência do sionismo, a defesa da resistência palestina cresce a cada dia que se passa.
Alguns órgãos, como a CNN, procuraram apresentar os fatos de uma maneira mais “neutra”. Apesar de não criticar o militante do PCO, contudo, a emissora incluiu, no final da matéria, uma seção explicando que o Hamas “foi designado como organização terrorista pelos Estados Unidos, pela União Europeia e por Israel“. O que a CNN esqueceu de dizer, caso quisesse de fato publicar um artigo imparcial, é que, de acordo com o governo brasileiro e com a Organização das Nações Unidas (ONU), o Hamas não é uma “organização terrorista”. E que, como o evento não ocorreu nem nos Estados Unidos, nem na União Europeia, nem em “Israel”, a polêmica deveria ter morrido ali mesmo. A CNN poderia, ao menos, citar o que disse o Padre João ao comentar o caso: “o Hamas é reconhecido como um partido político que resiste a todos os crimes de guerra que Israel comete diariamente“.
O jornal O Globo, por sua vez, ainda que tenha reproduzido algumas declarações de João Daniel e de Padre João, não ficou para trás na canalhice. O periódico afirma que, no dia 7 de outubro de 2023, o Hamas teria assassinado 1.400 pessoas, indicando que Ieri Braga seria um apoiador de assassinos. A Família Marinho, no entanto, não apenas ignorou por completo as justificativas apresentadas pelo Hamas para deflagrar a Operação Dilúvio de al-Aqsa, que envolvem um banho de sangue que dura 75 anos; como inclusive se mostrou uma propagadora de notícias falsas. O próprio Estado de “Israel” reviu as contas e afirmou que menos de 1.200 pessoas foram mortas naquele dia. E mais: dezenas de investigações sérias, de órgãos que não são diretamente ligados aos sistemas de inteligência sionistas, demonstraram que “Israel” teria sido responsável por centenas das mortes de sua própria população.
Também é bastante conveniente que O Globo e CNN se preocupem tanto em distorcer os fatos para caluniar o Hamas, mas são incapazes de mencionar o que Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL), declarou na sessão. Como bem lembrou, desde o dia 26 de janeiro, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) emitiu ordens preliminares para que “Israel” cessasse os atos de genocídio em Gaza. “Eles não foram cessados até agora, e de lá para cá, temos entre 12 e 15.000 assassinados por este regime“. O presidente da FEPAL também destacou que se completou um mês desde a resolução do Conselho de Segurança da ONU em favor do cessar-fogo. “De lá para cá, e de lá para cá, nós tivemos mais aproximadamente 5.000 assassinados“.
Ao condenar o PCO por apoiar o Hamas – e, por consequência, condenar o próprio Hamas -, a grande imprensa tira a máscara e revela o que realmente pensa do povo palestino. Isto é, que é um povo menor, uma sub-raça, que deve ser exterminada sem direito à defesa, enquanto os organismos internacionais assistem a tudo de braços cruzados. É isso o que a burguesia brasileira considera “democrático”. Fazer diferente seria, afinal, “terrorismo”.
A imprensa de extrema direita merece um comentário à parte. Ao menos três dos principais órgãos de imprensa ligados ao bolsonarismo noticiaram o acontecimento. A Jovem Pan literalmente copiou o conteúdo publicado por O Globo. O Gazeta do Povo, por sua vez, não deu voz aos defensores do Hamas no Brasil e ainda citou duas figuras contrárias à intervenção de Ieri Braga, indicando a posição dos editores do jornal. O periódico paranaense citou a deputada Bia Kicis (PL-SP), para quem “ninguém aqui pode apoiar um grupo terrorista que acabou de fazer em outubro passado um ataque tenebroso que vitimou inclusive mulheres e crianças de forma bárbara” e para quem isso “deve ser investigado”. O Gazeta do Povo também cedeu seu espaço a André Lajst, um brasileiro que serviu ao exército de “Israel”, em vez de servir às Forças Armadas de seu próprio país, e que vive caluniando a resistência palestina.
A revista Oeste seguiu um caminho semelhante. Decidiu citar apenas bolsonaristas, que, por sua vez, protestaram contra a aparição do militante do PCO. Entre os mencionados, está o advogado do ex-presidente Jair Bolsonaro, que disse: “um indivíduo entrar na Câmara vestido uma camiseta exibindo e promovendo o HAMAS, um notório GRUPO TERRORISTA, que depois de 200 dias, ainda mantém REFÉNS, que estuprou, matou, mutilou, é um tapa na cara na sociedade” e que “medidas URGENTES necessitam ser tratadas e tomadas“.
Fundamentalmente, a grande imprensa e a imprensa bolsonarista dizem a mesma coisa: distribuir panfletos com a camisa de um partido político de um povo que está sofrendo um genocídio é um crime. A direita, aqui, deixa claro o que quer para o Brasil: que se transforme em uma grande Faixa de Gaza, onde o povo seja esmagado e não tenha direito à reação. A extrema direita, por sua vez, também revela a sua essência: não é defensora da liberdade de expressão, nem de qualquer liberdade democrática, mas sim uma força política truculenta a serviço dos grandes opressores.
Todo o caso mostra que, no que depender da burguesia, a coalizão entre sionistas, bolsonaristas e imperialistas quer impor uma repressão total para quem defende a Palestina, quer que qualquer um que tenha uma posição honesta em relação ao genocídio em Gaza seja classificado como um criminoso. E também mostra que, por isso, a perseguição contra o PCO é uma política do conjunto da burguesia. Sendo o PCO o único partido que defende abertamente o Hamas, tendo inclusive realizado uma reunião com o seu birô político, ele está se tornando um impasse para a política da direita.
A perseguição contra o PCO por defender a luta do povo palestino também acaba por revelar a posição covarde do conjunto da esquerda brasileira. Aqueles que saíram na defesa do Partido depois do acontecimento, como fez o Padre João, foram pouquíssimos. Assim como foram poucos os que defenderam o jornalista Breno Altman, amordaçado pelo lobby sionista no Brasil. Assim como se pode contar nos dedos aqueles que defendem incondicionalmente os combatentes da Revolução Palestina. Diante de uma frente única da direita internacional contra a luta pela libertação do povo palestino, a esquerda prefere fingir que nada acontece.
Para os ministros identitários, como Silvio Almeida, dos Direitos Humanos, e Anielle Franco, da Igualdade Racial, qualquer assunto é mais urgente que a Palestina. Tudo é racismo, tudo é violação do direito humano, menos os crimes de guerra cometidos pelo Estado mais racista do planeta Terra. Outros setores já criticam abertamente o Hamas. Preferem fazer coro ao genocida Benjamin Netaniahu e banhar as mãos no sangue de mais de 15 mil crianças a defender o exército popular criado pelo partido islâmico. E, para isso, nada melhor que se basear nas mentiras contadas pelo próprio Netaniahu. Nada melhor que acusar o Hamas de maltratar as mulheres, ainda que, na sessão da Câmara dos Deputados, Ualid Rabah tenha dito que, desde o 7 de outubro, houve um aumento de 300% no número de abortos involuntários devido às condições da guerra. Ainda que “Israel” tenha assassinado 200 vezes mais crianças que os nazistas mataram em toda a Segunda Guerra Mundial, proporcionalmente durante o curso dos seis anos, segundo o próprio Rabah. Apesar de tudo isso, o Hamas é indefensável para a esquerda.
Ao se calar diante do sionismo, a esquerda está favorecendo uma ofensiva contra os oprimidos em todo o mundo. É preciso apoiar incondicionalmente aqueles que lutam e enfrentar, de todas as formas, o sionismo e os seus representantes.