De acordo com seu próprio regulamento, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a cada dois anos, deve substituir o seu presidente. A tradição da corte, por sua vez, determina que os ministros mais antigos que não tenham ainda assumido a presidência do tribunal assumam o comando do TSE. Trata-se, portanto, de uma rotina.
A substituição de Alexandre de Moraes por Cármen Lúcia, no entanto, cumpre muito mais que um ritual. Ela coincide com uma substituição de política. Ao sair da presidência da corte, Alexandre de Moraes deve, também, sair de cena, uma vez que, durante os últimos anos, Moraes aparecia como o ministro mais ativo politicamente no TSE e também no Supremo Tribunal Federal (STF). Desde o vazamento de e-mails conhecido como “Arquivos do Twitter – Brasil”, em que o dono da rede social X (antigo Twitter), Elon Musk, expôs medidas ditatoriais tomadas por Moraes, o ministro careca tem visto o seu apoio na imprensa despencar.
O artigo Fake news são o principal desafio para Cármen Lúcia à frente do TSE, mas ela está preparada, assinado por Miriam Leitão e publicado no jornal O Globo, reflete bem essa mudança de política. Segundo a porta-voz da Família Marinho, “o principal desafio da ministra serão as fake news, a disseminação de notícias mentirosas para influenciar as eleições e que ganha agora um novo patamar com o uso da inteligência artificial”. A burguesia, portanto, não irá recuar em sua política de censura. As críticas contra Alexandre de Moraes não eram críticas de princípios: refletiam apenas o interesse da burguesia em amenizar a pressão sobre o bolsonarismo, com quem acaba de fazer as pazes.
A preocupação de Miriam Leitão em intensificar a censura fica ainda mais clara quando diz que:
“O ministro Alexandre de Moraes combateu duramente esse problema que distorce completamente o direito do voto. Se você é desinformado, pode tomar uma decisão contrária a que tomaria se tivesse acesso às informações corretas. Trata-se de uma arma que interfere no direito do voto e prejudica a democracia, o que faz das fakes news um tema central para as eleições e a questão é que ainda não se sabe exatamente como combatê-la.”
Miriam Leitão também comenta as discussões no Congresso Nacional acerca do combate às “fake news“. Diz ela:
“O Congresso, por 317 votos, manteve o veto do ex-presidente Bolsonaro a um item da Lei de Segurança Nacional que criminalizava a disseminação deliberada de informação falsa, da desinformação. Várias matérias e editoriais na imprensa classificaram essa decisão absurda, de não criminalizar as fake news, como uma derrota do governo Lula, mas essa decisão do Congresso é uma derrota da sociedade, da democracia, de eleições limpas e justas. Quem foi derrotado não foi o governo Lula, foi o Brasil, a segurança de que o voto será tomado de forma consciente. O governo diz que vai apresentar uma nova proposta para criminalizar as fake news, mas até isso acontecer, deter a indústria da desinformação se torna uma tarefa ainda mais desafiadora para a ministra Cármen Lúcia. Enquanto isso, a regulamentação das fake news está parada na Câmara dos Deputados. O presidente da Casa, Arthur Lira, criou um grupo de trabalho para rediscutir o texto, disse que não era para atrasar, mas já atrasou. O assunto não foi regulamentado.”
Pelas colocações de Miriam Leitão, fica claro que Moraes saiu de cena simplesmente porque o debate sobre tornar crime ou não a publicação de “notícias falsas” no Brasil se encontra muito polarizado. De um lado, está a burguesia, que tem uma necessidade cada vez maior de controlar a opinião pública, para evitar que venha à tona a sua política genocida. De outro, está a extrema direita, que vinha se sentindo ameaçada porque era alvo de uma perseguição judicial. Moraes ficou marcado, de maneira irreversível, como o defensor de um dos lados desse conflito.
A burguesia não quer prolongar o conflito com a extrema direita. Pelo contrário: na medida em que a crise do imperialismo aumenta, ela se dirige para um grande acordo com o bolsonarismo. O papel de Cármen Lúcia é justamente esse: aplicar uma política dura de censura, que condiz com as necessidades atuais do imperialismo, evitando um atrito com a extrema direita e, ao mesmo tempo, angariando o apoio dos setores mais despolitizados da esquerda.