Nas eleições municipais de 2024, o Brasil elegeu 27 vereadores e vereadoras trans. Destes, apenas 8 estão filiados a partidos tradicionalmente ligados à esquerda, como o PT e o PSOL, enquanto a maioria dos parlamentares eleitos está em legendas da direita e do centro, como o PSD, MDB, e outros. Esse dado expõe uma realidade desconfortável para aqueles que ainda acreditam que a representatividade identitária traria automaticamente avanços para a esquerda.
De acordo com um levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), as eleições deste ano consolidaram uma presença significativa de pessoas trans na política municipal. Ao todo, 967 candidaturas foram registradas, resultando na eleição de 26 mulheres trans e 1 homem trans. No entanto, apesar desse avanço numérico, uma análise mais criteriosa revela o que está por trás dessa “representatividade” impulsionada pelo identitarismo: uma divisão interna da esquerda e um crescimento da presença de candidaturas alinhadas à direita tradicional.
Abaixo, uma tabela dos eleitos por estado e partido:
Estado
|
Nome | Partido |
Ceará | Pamella Araújo | Podemos |
Ceará | Edy Lopes | PT |
Maranhão | Mônica de Assis | PR |
Mato Grosso | Dricka Lima | Cidadania |
Minas Gerais | Juhlia Santos | PSOL |
Minas Gerais | Giovami Joejoe | PT |
Minas Gerais | Marcela Lins | PSD |
Minas Gerais | Bruna do Há Braços de Luta | PT |
Minas Gerais | Francini Corsi | PSD |
Paraná | Flávia Carreiro | PSD |
Rio de Janeiro | Kará Marcia | PDT |
Rio de Janeiro | Benny Brioli | PSOL |
Rio Grande do Sul | Yasmim Prestes | MDB |
Rio Grande do Sul | Regininha | PT |
Rio Grande do Sul | Natasha Ferreira | PT |
Rio Grande do Sul | Atena Beauvoir | PSOL |
Rio Grande do Norte | Thabatta Pimenta | PSOL |
São Paulo | Amanda Paschoal | PSOL |
São Paulo | Thammy Miranda | PSD |
São Paulo | Filipa Brunelli | PT |
São Paulo | Myrella Soares | PDT |
São Paulo | Carla Basilio | PSD |
São Paulo | Isabelly Carvalho | PT |
São Paulo | Dandara | MDB |
São Paulo | Fernanda Carrara | PTB |
São Paulo | Tieta Melo | MDB |
São Paulo | Sabrina Sassa | Solidariedade |
A seguir, a distribuição de vereadores trans por partido:
PSOL | 4 |
PSD | 4 |
PT | 4 |
MDB | 3 |
PDT | 2 |
PTB | 1 |
Solidariedade | 1 |
Podemos | 1 |
PR | 1 |
Cidadania | 1 |
A presença de parlamentares trans em legendas como o MDB, PSD e até partidos menores ligados ao chamado “Centrão” (isto é, os setores da direita mais fisiológicos), como PTB e Podemos, demonstra que o identitarismo, em vez de servir à emancipação política da classe trabalhadora, está sendo usado como ferramenta para a coaptação da direita. A lógica é clara: a representatividade baseada em critérios identitários, desvinculada de um fundo social e de classes, torna-se vazia, facilmente manipulável pelos partidos da ordem para dar uma aparência de progresso social onde, na verdade, prevalecem os interesses conservadores.
O problema fundamental da política identitária é que ela ignora as questões de classe em prol de uma “representatividade” superficial. A eleição de indivíduos trans por si só não garante uma mudança estrutural para a classe trabalhadora ou para as minorias sociais que, na prática, continuam sendo exploradas.
A promoção de candidaturas trans dentro do PSD, por exemplo, partido historicamente ligado à direita, mostra que a representatividade identitária não possui comprometimento com uma política verdadeiramente transformadora, nem mesmo para a comunidade LGBT. Ela pode muito bem ser utilizada para reforçar a ordem vigente, dando uma aparência de diversidade enquanto as políticas de austeridade e repressão permanecem intactas, isso quando não são aprofundadas.
É importante ressaltar que a verdadeira representatividade, aquela que efetivamente melhora a vida do povo, não se dá por critérios de identidade, mas sim pela eleição de representantes das classes exploradas. O aumento de vereadores trans em partidos que servem aos monopólios e à burguesia só evidencia o caráter divisionista e oportunista do identitarismo.
Ele não visa dar poder aos oprimidos, mas sim fragmentá-las em prol dos interesses dos inimigos dos trabalhadores, particularmente através da instrumentalização das reivindicações sociais. Além disso, o avanço de figuras trans em partidos de direita ou centro-direita reflete um movimento oportunista desses partidos, que aproveitam para promover uma imagem de inclusão, sem qualquer compromisso com os direitos efetivos das minorias. O PSOL, por exemplo, que ainda pode ser entendido como um partido de esquerda, está dominado por ONGs e organizações que promovem política identitária, muitas vezes financiadas por interesses imperialistas, desviando-se da luta de classes.
Ao focar na eleição de indivíduos com base em critérios identitários, a esquerda acaba perdendo seu norte e abrindo espaço para a direita tradicional evoluírem as manipulações. O identitarismo, ao desviar o foco da luta de classes para uma política de grupos, se torna uma arma para fragmentar a classe trabalhadora e afastar a possibilidade de uma verdadeira unidade política. Isso explica por que partidos como o PSD, MDB e outros que historicamente defendem os interesses da burguesia, acolhem candidaturas trans sem crises.
No fim das contas, o identitarismo serve para qualquer coisa, menos para melhorar as condições de vida das massas oprimidas. A classe trabalhadora, que continua mal representada nas câmaras municipais, estaduais e no Congresso Nacional, permanece à margem enquanto se promove uma “representatividade” que pouco ou nada tem a ver com as necessidades reais da população.
Trata-se, antes de tudo, de uma estratégia que beneficia os interesses dos partidos tradicionais e da burguesia, ao desviar o foco da luta por direitos reais, como emprego, moradia, saúde e educação. A eleição de parlamentares trans em partidos de direita é mais uma evidência de que o identitarismo é uma ideologia que serve para dividir e enfraquecer a esquerda, criando uma ilusão de avanço social que, na prática, reforça o controle político da direita e naturalmente, dos capitalistas.
O identitarismo não visa unir a classe trabalhadora, mas sim fragmentá-la, criando divisões internas que enfraquecem a capacidade de organização, devendo por isso ser combatido por quem realmente está interessado em unificar os trabalhadores. Partidos como o PSD e MDB mostram que não têm nenhum problema em instrumentalizar essa corrente ideológica oriunda das universidades norte-americanas.
O resultado é claro: mais divisão na esquerda e mais força para os partidos da ordem. O que a classe operária brasileira precisa, no entanto, é de uma verdadeira representatividade dos trabalhadores, algo que o identitarismo está longe de alcançar.