O presidente do Chile, Gabriel Boric, enfrenta uma crise significativa dentro do governo e de sua base de apoio, o Partido Comunista Chileno (PCCh), que ameaça desestabilizar ainda mais seu já frágil mandato. O principal fator dessa crise é sua postura em relação à Venezuela, alinhando-se abertamente com os interesses imperialistas e criticando o governo de Nicolás Maduro.
Boric tem mantido uma fidelidade canina aos ditames dos EUA na região, não reconhecendo a eleição de Maduro e adotando uma agenda que vai além do que os comunistas chilenos estão dispostos a tolerar. Esse posicionamento aprofundou o desgaste com o PCCh, que, apesar de também fazer concessões ao imperialismo, como ocorre com Lula no Brasil e Petro na Colômbia, se vê agora em rota de colisão com o presidente que ajudaram a eleger. A divergência ficou evidente pela posição a chefe de governo e líder do PCCh Camila Vallejo, que declarou uma política de “não ratificar nenhum resultado”.
Ademais, a situação foi agravada por declarações feitas por Boric em fevereiro, nas quais o mandatário chileno relativizou os crimes cometidos durante o governo de Sebastián Piñera, em discurso proferido por ocasião da morte do ex-presidente. Na ocasião, Boric falou dos crimes da repressão ao melhor estilo pinochetista de Piñera, causando uma celeuma no principal partido de sua base ao afirmar que as críticas à repressão “foram além do justo e razoável”.
Pelo menos 35 pessoas foram mortas pela ditadura de Piñera, mais de três mil ficaram feridas, incluindo 400 pessoas cegas pela tática dos carabineros (como a polícia chilena é conhecida) de atirar contra o rosto dos manifestantes. Quase nove mil detidas pela repressão policial e estima-se que cerca de 5 mil permaneçam nas masmorras do país andino.
Boric alienou ainda mais o PCCh, partido que foi crucial para sua eleição, mas que agora se vê traído por concessões à direita.
Já o Partido Comunista, pressionado por crises internas e externas, se viu encurralado pelas posições de Boric tanto sobre Piñera quanto sobre a Venezuela. Para Lautaro Carmona, presidente do PCCh, suavizar os crimes de Piñera e seguir uma linha conciliatória com o imperialismo não são atitudes que podem ser toleradas, publicando a seguinte nota, na ocasião do falecimento do ex-presidente:
“Com relação às situações de violação dos direitos humanos e aos protestos em massa de milhões e milhões de chilenos e chilenas, acreditamos que é necessário reafirmar o seguinte: No contexto da explosão e da rebelião popular, houve violações muito graves dos direitos humanos no Chile. Essa foi a conclusão de todas as organizações de direitos humanos reconhecidas pela ONU. O presidente Piñera teve uma responsabilidade inegável nessa situação. Tanto pelas medidas concretas que ordenou quanto por ter declarado que havia ‘uma guerra’ no Chile. Essas violações dos direitos humanos não podem e não devem ficar impunes.”
A política errática de Boric está causando fissuras profundas entre suas forças de apoio, com desmoralização crescente dentro do Partido Comunista. O impacto dessa traição pode ser medido pela crescente cisão interna no PCCh, visível na saída de parlamentares como Carolina Tello e nos embates entre figuras comunistas, como o senador Daniel Núñez.
A prisão de Daniel Jadue, prefeito de Recoleta e quase candidato presidencial, reflete outro golpe, com todas as digitais do imperialismo e a estratégia de perseguição judicial que os monopólios utilizam para neutralizar figuras de esquerda na América Latina. A prisão de Jadue, sob acusações de corrupção, sugere uma ação coordenada para desmantelar o PCCh e enfraquecer qualquer oposição real a Boric.
Nas pesquisas de opinião, Boric enfrenta um declínio acentuado, com índices de rejeição variando entre 46% e 70%. A crise de popularidade reflete sua política de capitulações, tanto internas quanto internacionais, e abre espaço para o retorno da direita, liderada por figuras como José Antonio Kast, que se beneficia do fracasso de Boric. Kast, defensor da ditadura de Pinochet, surge como uma alternativa fortalecida, impulsionada pela desilusão popular com o governo atual.
A crise entre o Palácio de La Moneda e o Partido Comunista parece irreversível, e o principal beneficiado desse embate é a direita reacionária. O Partido Comunista, que anulou suas pautas para apoiar Boric, agora enfrenta as consequências de sua política de conciliação, enquanto o governo chileno se afunda em suas próprias contradições, criando um terreno fértil para o avanço das forças mais reacionárias do país.