No dia 19 de março, órgãos da imprensa burguesa brasileira, como os portais G1 e BBC News Brasil, noticiaram que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) havia sido indiciado pela Polícia Federal (PF) sob a acusação de fraude em certificados de vacinação contra a Covid-19. Além de Bolsonaro, o seu ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, também foi indiciado.
Após quatro meses preso sob suspeita de ter falsificado o cartão de vacinação de seus familiares, do próprio Bolsonaro e da filha do ex-presidente, Cid foi solto em setembro de 2023, quando o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou o acordo de delação premiada fechado entre o tenente-coronel e a PF. Mauro Cid, no entanto, segue afastado do Exército por determinação do STF e está sendo obrigado a utilizar tornozeleira eletrônica.
Utilizada vastamente pela operação Lava Jato, o recurso da delação premiada já foi denunciado, em inúmeras oportunidades, como uma aberração jurídica. Uma das pessoas a criticar o uso da delação premiada no âmbito da Lava Jato foi o ministro José Antonio Dias Toffoli, do STF:
“Centenas de acordos de leniências e de delações premiadas foram celebrados como meios ilegítimos de levar INOCENTES à prisão. DELAÇÕES ESSAS QUE CAEM POR TERRA, DIA APÓS DIA, ALIÁS. Tal conluio e parcialidade demonstram, a não mais poder, que houve uma verdadeira conspiração com o objetivo de colocar um inocente como tendo cometido crimes jamais por ele praticados. Esse vasto apanhado indica que a parcialidade do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba extrapolou todos os limites, e com certeza contamina diversos outros procedimentos; porquanto os constantes ajustes e combinações realizados entre o magistrado e o Parquet e apontados acima representam verdadeiro conluio a inviabilizar o exercício do contraditório e da ampla defesa.”
Além de Bolsonaro e Mauro Cid, outras 14 pessoas teriam sido indiciadas. Entre elas, estão familiares do ex-ajudante de ordens e pessoas ligadas à prefeitura de Duque de Caxias (RJ), onde a PF acredita que tenha sido realizada a falsificação dos cartões de vacina.
Segundo a PF, há “indícios suficientes de autoria de crimes” para que Bolsonaro seja indiciado. Segundo documento emitido pela instituição, “os elementos de prova coletados ao longo da presente investigação são convergentes em demonstrar que Jair Messias Bolsonaro agiu com consciência e vontade determinando que seu chefe da Ajudância de Ordens intermediasse a inserção dos dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde em seu benefício e de sua filha”.
Agora, o caso segue para o Ministério Público Federal (MPF), que irá determinar se há elementos para denunciar Bolsonaro e os outros indiciados. A abertura do processo, contudo, caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que o mesmo caso tem tramitado na Corte, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
A vinculação do caso com o STF, por sua vez, tem sido alvo de muitas críticas. Bolsonaro, afinal, não é mais presidente da República e, portanto, não detém mais foro privilegiado. A justificativa da PF para manter o caso vinculado ao gabinete de Alexandre de Moraes é uma suposta ligação com o Inquérito das “Milícias Digitais”, também de relatoria do ministro. Esse inquérito, por sua vez, também é criticado, uma vez que concentra, na figura de Moraes, os papeis de investigador, acusador, juiz e, frequentemente, de vítima. Isto é, trata-se de um inquérito que extrapola as funções estabelecidas pela Constituição para o Supremo Tribunal Federal.
De acordo com um colunista do portal UOL/Folha de S.Paulo, caso o inquérito seja transformado em processo penal, o ex-presidente poderá ser condenado em até 15 anos de cadeia. Entre os crimes pelos quais Bolsonaro poderá responder, está também os de falsidade ideológica e uso de documento falso.
Em seu perfil na rede social X, o advogado de Bolsonaro, Fabio Wajngarten, classificou o indiciamento como “absurdo”. Segundo ele, “até o presente momento a defesa técnica sequer teve acesso” às acusações.
O indiciamento de Bolsonaro vem poucas semanas após o ex-presidente passar a ser investigado por uma suposta “tentativa de golpe de Estado”. A Operação Tempus Veritatis, deflagrada em 8 de fevereiro, acabou levando à apreensão do passaporte de Bolsonaro, bem como à prisão do presidente de sua legenda, Valdemar Costa Neto. Entre as pessoas que foram alvo de busca e apreensão no âmbito da operação, estão Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Bolsonaro, Anderson Torres, ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro e Walter Braga Netto (PL), candidato a vice-presidente da República em 2022 na chapa do capitão reformado.
Após a deflagração da operação, várias informações foram vazadas propositalmente por seu relator, Alexandre de Moraes. Assim como no caso da suposta fraude de cartões de vacina, a defesa também alega que não tem acesso ao conteúdo integral das acusações. De tal forma que o ex-presidente Bolsonaro e seus advogados acabam tomando ciência das acusações ao mesmo tempo em que o público, na medida em que Moraes seleciona as informações que serão divulgadas, de acordo com os seus próprios critérios.
A Operação Tempus Veritatis, por sua vez, ocorre alguns meses após o ex-presidente Jair Bolsonaro ter sido declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Bolsonaro foi condenado por ter feito uma reunião com embaixadores, em que criticou as urnas eletrônicas – o que não é tipificado como crime em nenhum código de leis brasileiro.
Em todos os casos em que Bolsonaro está respondendo a processos na Justiça, há uma série de elementos viciados, que impedem uma investigação verdadeiramente isenta do ex-presidente. A conduta da Justiça em relação a Bolsonaro é exatamente oposta ao apelo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que defendeu que Bolsonaro fosse julgado de acordo com o “devido processo legal”. Principal vítima da operação Lava Jato, Lula permaneceu 580 dias na prisão após um processo que se mostrou completamente parcial.
A sequência de processos jurídicos contra Bolsonaro, além de guardar suas semelhanças com o período em que a burguesia estava decidida a prender Lula, é muito parecida com o que ocorre com o ex-presidente Donald Trump. O norte-americano é alvo de mais de 90 acusações, que expressam uma tentativa fracassada do regime político de inviabilizar a sua candidatura. Assim como nos Estados Unidos, os processos não estão afetando a popularidade de Bolsonaro. Pelo contrário: estão radicalizando os seus apoiadores, que o veem como uma espécie de mártir.





