O jornalista Moisés Mendes publicou um artigo no portal de esquerda Brasil 247, intitulado Aliados expõem Bolsonaro como estorvo e entregam sua cabeça a Gonet e Moraes, apresentando a tese de que “a campanha às eleições municipais preparou uma armadilha para Bolsonaro, por expor suas fragilidades” e que “nenhum outro teste é mais importante hoje do que esse que o denuncia como estorvo para os seus aliados”, que supostamente, estariam rejeitando o líder da extrema direita brasileira. Diz Mendes:
“Bolsonaro foi escondido nos biombos das campanhas da direita. Só aparece, mais como gesto de desespero, nas propagandas de Alexandre Ramagem no Rio e de outros do terceiro time da extrema direita. Todos com chances mínimas de chegar ao segundo turno.
Candidatos que conseguiram calibrar seus reacionarismos e se posicionar bem nas pesquisas, nas grandes capitais, não querem saber de Bolsonaro por perto. Como Nunes em São Paulo e Sebastião Melo em Porto Alegre.”
O que o jornalista não se dá ao trabalho de explicar é a razão do homem “escondido nos biombos da direita” ser disputado por dois candidatos em São Paulo, com o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) e Pablo Marçal (PRTB), simplesmente o primeiro e o terceiro colocado nas pesquisas de intenção de votos à prefeitura paulistana.
“É mais complicado do que perceber que, no embate que não desiste de fazer com Lula, ele afugenta possíveis eleitores de Ricardo Nunes e de outros candidatos, enquanto Lula atrai eleitores para Guilherme Boulos e nomes das esquerdas em cidades grandes e médias.”
A intenção de Mendes é clara: usar o espantalho do “Bolsonaro enfraquecido” para animar a candidatura patética e sem base popular de Guilherme Boulos, tentando convencer os eleitores de esquerda de que há um fortalecimento do campo progressista. Ao colocar Lula e Boulos como as únicas alternativas ao suposto desmoronamento da direita, o jornalista busca esconder o verdadeiro problema: a esquerda pequeno-burguesa está completamente desarticulada e sem um projeto político de enfrentamento ao imperialismo, que possa atrair o povo e principalmente os trabalhadores que, a despeito de todas as suas contradições, veem em Bolsonaro um defensor contra o odiado regime dominado pela ditadura dos monopólios estrangeiros.
“Não há mais o que fazer. Depois da eleição, a qualquer momento poderão bater nas portas de Bolsonaro e de todos, civis e militares, que ele puxou para o golpe e para os delitos que cometeu. Daqui a pouco mais de um mês, antes do verão e do recesso do Judiciário, passado o segundo turno, o cenário agora esboçado estará definido. Com o abandono de Bolsonaro, ficou mais fácil para Paulo Gonet e Alexandre de Moraes.”
Neste trecho, Mendes exibe seu verdadeiro desejo: a prisão de Bolsonaro. Não por representar um perigo ao povo, mas por ter ferido os interesses do imperialismo norte-americano e europeu, desafiando a ordem estabelecida no continente. É evidente que não se trata de buscar justiça pelos crimes que Bolsonaro cometeu contra o povo brasileiro—como a negligência com a pandemia, a destruição de direitos trabalhistas e o desmonte dos serviços públicos. Não: a sanha punitivista é motivada pelo fato de Bolsonaro ter se tornado uma peça problemática para a ditadura das potências imperialistas contra o País.
O que o jornalista omite—e é preciso frisar—é que a campanha para mostrar Bolsonaro como um político “acabado” não se deve à sua rejeição popular ou a seus crimes contra o povo, mas sim à decisão do imperialismo de descartá-lo após ele cumprir o papel para o qual foi criado. A virada contra Bolsonaro não tem relação com os crimes que ele cometeu contra a população brasileira—como a entrega da base de Alcântara aos EUA ou a política genocida durante a pandemia.
A verdade é que Bolsonaro desagradou os interesses internacionais que o apoiaram, tornando-se um estorvo para quem o colocou no poder. Mendes não menciona que todo o projeto bolsonarista foi idealizado pelo imperialismo para desestabilizar o Brasil e, quando isso se tornou um problema para a ordem internacional, a mesma propaganda que o ergueu agora se volta contra ele. Continua o jornalista de Brasil 247:
“FH [Fernando Henrique Cardoso] teve a imagem depreciada pelos desastres do segundo governo, mas não se envolveu com nada parecido com o conjunto de crimes que acabou com a força política de Bolsonaro.”
Essa declaração é simplesmente uma ofensa à memória histórica. O governo de FHC foi um verdadeiro massacre para o povo brasileiro, com a sua política de privatizações e a entrega de riquezas nacionais ao capital estrangeiro. O desmantelamento da indústria nacional, a precarização do trabalho e a destruição dos sistemas de saúde e educação foram crimes tão graves quanto qualquer ato cometido por Bolsonaro. Mais grave ainda: a criação de uma dívida pública que suga os recursos do Estado brasileiro e transfere bilhões para os bancos norte-americanos e europeus é um crime de lesa-pátria que se perpetua até hoje.
Mendes, ao comparar Bolsonaro com FHC, tenta pintar o tucano como um “político honesto” que nunca se envolveu em crimes, quando todos os brasileiros sabem que FHC entregou o país de bandeja aos interesses internacionais, transformando a nação em um parque de diversões para o capital estrangeiro (fez por amor à ruína da nação, sem cobrar nada?). Se o imperialismo descartou Bolsonaro, foi porque ele se tornou incontrolável: a ascensão do bolsonarismo representou uma fagulha de desestabilização que nem mesmo o seu criador foi capaz de prever.
Por isso, não é surpresa que, ao contrário do que se alardeia, Bolsonaro ainda mantenha a simpatia de uma fração significativa do eleitorado, o que não se vê em relação a FHC, cujo nome causa asco na população mais pobre, que lembra bem do genocídio de crianças e da fome generalizada durante seu governo. A tentativa de compará-los é, além de desonesta, uma maneira de absolver o imperialismo de suas responsabilidades. O interesse em prender Bolsonaro não está no que ele representa para o povo, mas no que ele representa para o sistema de poder internacional: uma peça fora de controle.
Não há como falar de “fim político” de Bolsonaro quando ele ainda é o principal nome do campo da direita e continua a influenciar uma parcela significativa do eleitorado. Se Bolsonaro realmente estivesse acabado, por que a necessidade de alarde? O fato de Mendes anunciar sua suposta derrocada, mostra que a situação é o oposto: Bolsonaro ainda é um elemento perturbador que pode ser usado pelo imperialismo em campanhas golpistas futuras, o que explica a pressão tola de Mendes para que ele seja finalmente descartado.
Após anos denunciando a perseguição política por meio do judiciário (no que estavam corretos, diga-se de passagem), Mendes e a esquerda pequeno-burguesa são coniventes com esse teatro jurídico, ao mesmo tempo em que fingem combater Bolsonaro. A comemoração precoce de uma prisão que “estaria por vir” não passa de um desejo de servir aos interesses do imperialismo, que já não necessita mais dos serviços do capitão. O risco dessa euforia é claro: ao alimentar ilusões de que a justiça será feita por mãos burguesas, a esquerda se desarma para o enfrentamento real, e Bolsonaro, longe de estar acabado, ainda pode ressurgir mais forte do que nunca, exatamente por essa incapacidade de reconhecer que o problema é maior do que um homem.