Escrito por Florestan Fernandes Jr. para o portal Brasil 247, o artigo Trump, o Brasil e a rede fascista Internacional retoma a política da esquerda pequeno-burguesa de buscar proteção contra o deslocamento à direita da burguesia, na defesa da “democracia”, o que, no mundo real, se traduz em apoiar o setor mais poderoso da classe dominante e, por isso mesmo, o mais capaz de impor uma ditadura abertamente fascista. “Para evitar o retrocesso”, defende o autor, “temos que julgar, condenar e prender os responsáveis pelo projeto golpista do governo Bolsonaro”.
O primeiro questionamento feito por uma pessoa com a cabeça no lugar ao se deparar com tal colocação seria: “‘temos’ quem?” Seria Fernandes Jr. um juiz que não atualizou seu perfil no Brasil 247? Seria alguém minimamente parecido com um elemento de esquerda o responsável pelas três ações defendidas pelo jornalista? Ou no mundo real – fora do idealista mundo mágico onde as ideias não passam de ideias -, o poder recairia nas mãos de desclassificados como a ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber, capazes de atirar esquerdistas como Zé Dirceu ao inferno prisional com base em “literatura permite”? Ou um conhecido auxiliar da ministra durante essa mesma época, de nome Sergio Moro atualmente senador (União Brasil-PR), mas, antes, herói da extrema direita por fazer parecido com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso não por provas, mas por “convicção”? A lista cresceria de maneira interminável, mas, para demonstrar a loucura do que Fernandes Jr. está defendendo, merece uma citação honrosa juízes como Wilson “tiro na cabecinha” Witzel e Marcelo Bretas.
É preciso trazer o debate para o mundo real, onde defender “temos que julgar, condenar e prender os responsáveis pelo projeto golpista do governo Bolsonaro” levará a esquerda a ser julgada, condenada e presa, talvez até pelo próprio “projeto golpista do governo Bolsonaro”. Embora absurdo, a esquerda não deveria cometer o erro – ainda mais absurdo – de esquecer que estamos em um país onde pessoas são condenadas e presas com base em literatura.
A defesa da “democracia” feita por Fernandes Jr. desconsidera completamente a composição social das disputas políticas. Embora de simples formulação, não se trata de uma questão secundária. Sem um princípio teórico sólido para refletir sobre o problema político posto à esquerda, o autor se perde em sua análise e termina por colocar-se ao lado dos piores golpistas, aqueles que, em 2016 e 2018, demonstraram capacidade real para empreender golpes de Estado, influir decisivamente nos rumos do País e garantir os interesses do imperialismo, outro ponto em que a orientação arriscada pelo jornalista se revela uma armadilha, como expresso no trecho abaixo:
“Em entrevista ao Boa Noite 247, um dos mais importantes estudiosos sobre militares, o professor Chico Teixeira, fez uma avaliação preocupante. Para ele o momento que vivemos no Brasil é pior do que 2018 quando os generais lançaram e fizeram a campanha para Bolsonaro, é pior que a conspiração que levou ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016 e é pior ainda que o próprio golpe militar de 1964.
Essa parece ser uma hipótese distante, principalmente no Brasil que tem hoje oficiais do exército presos por envolvimento na tentativa de golpe de estado em 2022. Mas quem garante que desta vez eles foram mesmo derrotados? Quantas tentativas de rupturas da democracia os militares promoveram em nossa história republicana? Várias. Desta vez houve um desgaste na imagem das nossas Forças Armadas, mas nada que afete a ideia de que eles são o poder moderador.
A recente tentativa fracassada de golpe na Coreia do Sul, que pegou o mundo de surpresa, é um bom exemplo. Talvez o golpe executado pelo presidente Yoon Suk Yeol, com apoio do exército de seu país tivesse dado certo se Trump já estivesse no poder.”
Veladamente, o autor indica que Joe Biden seria um campeão da “democracia”, um cruzado contra aventuras golpistas, no Brasil e na Coreia do Sul, uma conclusão tirada sabe-se lá de onde. No mundo real, as duas ondas golpistas observadas a partir dos anos 2000 são justamente as ocorridas nos governos Democratas, com participação direta de Joe Biden, seja como vice-presidente de Barack Obama, seja em sua ascensão à Casa Branca (sede do governo dos EUA) em 2020. Biden, a esquerda não deve jamais se esquecer, era o vice-presidente quando a presidenta Dilma Rousseff foi grampeada, quando a Lava Jato foi criada e quando toda a trama responsável por derrubar Dilma, prender Lula e impedir sua participação nas eleições de 2018 (outro golpe de Estado) foi articulada, com participação direta e decisiva do próprio governo norte-americano, o que é de conhecimento público no caso do envolvimento do Departamento de Justiça e do FBI. A menos que o jornalista tenha a “democracia” da “República de Curitiba” como uma referência positiva, o funcionamento real do regime defendido pelo autor é um pesadelo para a esquerda, além de totalmente arbitrário.
Na etapa de crise de características terminais do imperialismo, a ditadura mundial se vê com opções muito reduzidas para manter sua dominação. Para a sobrevivência dos monopólios, o deslocamento à direita é uma necessidade, variando o grau de acordo entre os distintos setores da burguesia sobre como fazer isso em cada país.