O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, afirmou na última quarta-feira (23), durante um evento na FIESP, que os “populismos extremistas de direita e de esquerda” aproveitam-se da crise econômica para se infiltrarem nos regimes democráticos. Segundo ele, esses “extremismos” encontram terreno fértil na promessa vazia de “igualdade e prosperidade”, o que abriria brechas perigosas para a desestabilização das instituições. A fala chama atenção por ser a primeira vez que o ministro menciona o “populismo extremista de esquerda”, unindo conceitos que tradicionalmente, em seu vocabulário, apontavam apenas para a direita e, em particular, para o bolsonarismo.
“Quem pensa o mundo tem que se apegar aos valores democráticos, mas os populismos extremistas de direita e de esquerda fluem pelos desvãos da democracia, que são basicamente as promessas não cumpridas de prosperidade e de igualdade de oportunidade para todas as pessoas.”
Até agora, o conceito de “populismo” e de “extremismo” vinha sendo usado para enquadrar apenas a direita e o bolsonarismo como os vilões, os grandes ameaçadores do regime democrático. A imprensa, os monopólios de comunicação e o próprio STF criaram uma propaganda intensa, retratando o bolsonarismo como uma aberração política, uma deformação radical que devia ser contida a qualquer custo.
Ao falar de “populismo extremista de esquerda”, contudo, Barroso joga luz a uma nova fase: de agora em diante, a esquerda será igualmente associada ao que o ministro considera ser uma ameaça ao regime. Para o STF, é a partir desta lógica que a esquerda também será tida como “extremista” e “antidemocrática”, uma posição que pode justificar futuras ações repressivas contra partidos e movimentos de oposição.
Defendendo um vale-tudo para “combater o bolsonarismo”, a esquerda acabou mergulhando de cabeça numa política repressiva e extremamente reacionária, supostamente voltada à “defesa da democracia” que, ao final das contas, atuou como uma justificativa para o avanço da repressão. A lógica da “defesa contra o extremismo” foi usada como um cavalo de Troia para atacar direitos fundamentais como o pluralismo político e a liberdade de expressão.
Iludida, a esquerda apoiou a ofensiva do regime. Em nome do combate ao bolsonarismo, setores da esquerda defenderam uma escalada de medidas repressivas que incluíram censura e uma verdadeira histeria de restrição contra tudo o que pudesse ser taxado de “antidemocrático” e que, agora, dá sinais de que se voltará contra a própria esquerda.
Para legitimar esse “combate ao extremismo”, uma teoria tem sido amplamente difundida pela propaganda da burguesia e acriticamente aceita pela esquerda: a teoria de Karl Popper, que postula a necessidade de ser “intolerante com os intolerantes”. A esquerda, ao adotar essa máxima, ignorou que foi essa mesma “intolerância” que sustentou as políticas de segurança nacional que justificaram as ditaduras militares na América Latina entre os anos 1960 e 1970. Finalmente, os “intolerantes” a quem Popper se refere são principalmente os comunistas, mas também os esquerdistas em geral.
A histeria de “defesa da democracia” tem, portanto, uma base na repressão e foi consolidada por figuras que, ao contrário do que a esquerda imaginava, nunca visaram a proteção de um regime justo, mas sim de um regime controlado por uma casta burocrática. A aplicação da teoria de Popper não fez outra coisa senão promover uma política de terror contra a liberdade de organização.
Ao invés de denunciar a campanha repressiva, a esquerda a endossou, tratando o bolsonarismo como um “fenômeno” que exigia “medidas excepcionais”. Para o regime, a esquerda tem que ser silenciada, e isso fica claro quando vemos que as ações antidemocráticas do judiciário têm como alvo principal partidos de oposição e, de forma ainda mais incisiva, partidos de esquerda.
Entre os partidos que hoje se encontram sob ataque estão o Partido da Causa Operária (PCO) e o Partido dos Trabalhadores (PT). No caso do PCO, o motivo da perseguição é claro: sua oposição frontal ao imperialismo, manifestada numa série de campanhas da agremiação trotskista e mais recentemente, na defesa intransigente do povo palestino e da resistência (incluindo os partidos que a compõe, como o Hamas), vai de encontro à política externa ditada pelos interesses das grandes potências.
No caso do PT, o partido que foi por muitos anos o principal representante da esquerda institucional no Brasil, é visto como uma espécie de “ameaça populista”. Para a burguesia, o PT representa o “populismo de esquerda” que, segundo a lógica de Barroso, é igualmente perigoso ao regime.
Essa campanha contra o “populismo” e o “extremismo” é, na realidade, uma manobra para sufocar qualquer possibilidade de verdadeira oposição. Com a crise mundial se acentuando, a única tendência para os países atrasados como o Brasil é a manutenção da disciplina férrea visando à subordinação do País ao imperialismo. Isso no campo político e também econômico, o que inevitavelmente tende a acentuar o que demagogicamente Barroso chama de “promessas de prosperidade não cumpridas”, isto é, o empobrecimento da população.
A fala do ministro indica que a temperatura política subirá muito no Brasil, tornando urgente às forças de esquerda que se organizem e reajam contra todas as arbitrariedades impostas pelo judiciário brasileiro. Não basta mais aceitar passivamente as justificativas de “defesa da democracia”, pois é claro que o que se está defendendo aqui não é um regime democrático verdadeiro, mas sim uma ditadura sob o controle da burocracia e dos interesses burgueses.
Uma reforma completa no poder judiciário é necessária, uma reforma que permita que juízes e promotores sejam eleitos diretamente pelo povo e estejam sujeitos a mandatos regulares, impedindo que uma casta vitalícia continue a definir os rumos da política nacional sem prestar contas a ninguém. Mais do que isso, porém, é preciso que a esquerda se mobilize para travar a luta política contra a direita, para ganhar os trabalhadores e impulsionar a única arma capaz de barrar o bolsonarismo, o imperialismo e todos os inimigos do povo: a mobilização popular.
Enquanto o judiciário brasileiro for comandado por uma casta burocrática, ele continuará a ser, inevitavelmente, um instrumento de terror da burguesia contra a população e não deve ser apoiado em hipótese alguma. Fazê-lo é submeter as bases da esquerda à burguesia e ao imperialismo, o que é a receita para o desastre que já assola praticamente toda a América do Sul e que, sem dúvidas, atingirá o Brasil muito em breve.