Quase um ano depois de a Polícia Militar de São Paulo (PMESP), sob o comando de Tarcísio de Freitas, assassinar, de acordo com os números oficiais, 84 pessoas em apenas duas operações na Baixada Santista, o governo Lula enfim emitiu uma regulamentação, ainda que bastante moderada, sobre o uso da força por parte dos agentes do Estado.
Mesmo que não crie mecanismos efetivos para impedir que a maior e mais organizada máquina de homicídios do País, a Polícia Militar, continue violando os direitos do povo brasileiro, a regulamentação estabelece, por exemplo, que “o emprego de arma de fogo será medida de último recurso” e que “não é legítimo o uso de arma de fogo contra […] pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos profissionais de segurança pública ou a terceiros; e […] veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos profissionais de segurança pública ou a terceiros”. Essas medidas contrastam completamente com a conduta dos agentes da PM, que, por exemplo, assassinaram um jovem por ter batido no retrovisor de uma viatura e que assassinaram um motorista de aplicativo por causa de uma discussão.
Mas mesmo essa regulamentação é demais para os grandes patrocinadores do esquadrão de morte denominado Polícia Militar.
Nos últimos dias, governadores de diversas unidades da federação, incluindo Rio de Janeiro, Goiás e o Distrito Federal, decidiram defender abertamente os abusos e crimes cometidos pela Polícia Militar. Em vez de tomarem medidas para responsabilizar os agentes de segurança que cometem homicídios, tortura e outras violações, esses governantes se revelaram cúmplices diretos do terror fascista da PM.
Da mesma forma, no Rio de Janeiro, o governador Cláudio Castro (PL) tem se mostrado mais preocupado em blindar a PM do que em garantir os direitos da população. Castro classificou o decreto como um “presente de Natal para a bandidagem” e ainda afirmou que as polícias estaduais terão que “pedir licença aos burocratas de plantão em Brasília” para agir. Além disso, o governador do Rio de Janeiro declarou que, caso necessário, entrará com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter a medida.
Ibaneis Rocha (MDB), governador do Distrito Federal, e Ronaldo Caiado (União Brasil), governador de Goiás, também se manifestaram em oposição ao decreto, alegando que a medida representa uma “interferência” do governo federal nas ações policiais locais. Usando termos semelhantes aos usados por Castro, Caiado alegou que “o crime organizado celebra o grande presente de Natal recebido pelo presidente Lula”.
Enquanto o governo federal toma uma posição mais moderada em relação ao uso da força policial, defendendo o uso progressivo da força e a restrição do uso de armas letais, os governadores — que estão mais diretamente envolvidos com a segurança pública em seus estados — saem em defesa da PM e criticam as mudanças propostas. Isso revela que, para esses representantes, os interesses da Polícia Militar prevalecem sobre as necessidades de proteção dos direitos da população, e que a violência policial sistemática continua sendo vista como um instrumento legítimo para o controle social.
Além de os governadores de direita serem ideologicamente a favor da truculência, todos eles são diretamente ligados aos comandos policiais. A Polícia Militar é, acima de tudo, uma grande corporação, uma burocracia que tem o seu próprio funcionamento e os seus interesses. Na medida em que o poder dos estados é diminuído por meio da regulamentação, isso acaba afetando diretamente as máfias locais organizadas em torno da PM. E esses comandantes, que contam com o governo do estado para encobrir seus delitos, estão naturalmente pressionando os governadores para que a medida do governo federal seja derrubada.
Esses governadores, ao defenderem a Polícia Militar em detrimento das vítimas de sua truculência, revelam sua verdadeira face: são os bandidos do Executivo, servindo aos interesses de uma minoria rica que busca manter seu domínio através da força, além de lobistas da organização mais mafiosa do Estado brasileiro.