Recentemente, em artigo publicado por João Lister no Brasil 247 intitulado A eleição de Trump: uma lição urgente para o Brasil, o autor defende a atuação mais incisiva do Judiciário contra ameaças ao regime democrático. Segundo Lister, “atuar com celeridade, especialmente diante de crimes que ameaçam a ordem democrática, é necessário”, argumentando que o exemplo norte-americano da impunidade de Trump deve servir de alerta para o Brasil. No entanto, essa política é, em sua essência, um erro político e revela uma compreensão completamente deficiente da realidade.
Lister ainda declara que “a hesitação em aplicar sanções legais rigorosas a esses líderes coloca em risco o próprio sistema, ao permitir que o autoritarismo encontre espaço para crescer e para se normalizar”. Essa afirmação ignora a verdadeira natureza do Judiciário em regimes burgueses. O Judiciário, longe de ser um bastião da democracia, age em defesa dos interesses da burguesia. A aplicação de sanções rigorosas, quando ocorre, é completamente arbitrária, atendendo àquilo que é conveniente para os poderosos. Não se trata,de forma alguma, de um compromisso real com a tal da “democracia”.
Confiar no Judiciário para conter a extrema direita é, no mínimo, ingênuo. O sistema judicial é, em última instância, controlado pela burguesia, que não hesita em usar suas ferramentas para manter o seu poder. As contradições entre a extrema direita e o imperialismo, principal dono do Judiciário, são superficiais. Tanto o Judiciário quanto a extrema direita servem, no fim das contas, aos mesmos interesses de classe.
Lister afirma que a demora em punir Trump e Bolsonaro “alimenta a falsa percepção de que atos antidemocráticos podem ser tolerados”. Não se pode ignorar, no entanto, que o Judiciário é o primeiro a conceder legitimidade a ataques aos direitos democráticos da população. O exemplo disso é visto na repressão sistemática de movimentos de esquerda, na perseguição a lideranças populares e na defesa dos interesses dos grandes monopólios. Enquanto líderes como Trump e Bolsonaro podem enfrentar julgamentos prolongados, são os movimentos de trabalhadores que sentem o peso da repressão com rapidez e brutalidade.
O que Lister falha em compreender é que recorrer ao Judiciário para combater a extrema direita é uma armadilha. Defensores dessa política sugerem que o uso do poder Judiciário é justificável quando aplicado a inimigos políticos, mas ignoram que qualquer fortalecimento dessas instituições será, inevitavelmente, usado contra a própria esquerda.
Historicamente, o Judiciário é um dos principais inimigos dos movimentos populares, atuando para reprimir e enfraquecer a luta dos trabalhadores sempre que pode. Leon Trótski já alertava sobre isso em 1939, quando escreveu:
“Nas condições do regime burguês, toda supressão dos direitos políticos e da liberdade, não importa a quem sejam dirigidos no início, no final inevitavelmente pesa sobre a classe trabalhadora, particularmente seus elementos mais avançados. Essa é uma lei da história. Os trabalhadores devem aprender a distinguir entre seus amigos e seus inimigos de acordo com seu próprio julgamento e não de acordo com as dicas da polícia.”
Essa advertência de Trótski é um lembrete de que a classe trabalhadora não deve depositar suas esperanças em instituições que, por definição, servem à burguesia. Fortalecer o Judiciário na expectativa de que ele atue contra a extrema direita é alimentar uma ilusão que, no fim, recairá sobre os movimentos populares e progressistas.
Sem contar no fato de que, mesmo com repressão, a tendência é que a extrema direita cresça – e muito – diante da repressão. Basta ver o que ocorreu no Brasil e nos EUA: à medida que Bolsonaro foi perseguido pelo regime, sua popularidade aumentou exponencialmente, e o mesmo vale para Trump, indiciado, julgado e condenado em uma série de processos. Isso ocorre porque a população, diariamente massacrada pelo Estado burguês e, consequentemente, pelo Judiciário, identifica aqueles que estão sendo perseguidos pelas mesmas instituições que a persegue como opositores a ordem vigente. Portanto, os identifica como aliados da luta contra sua opressão.
Além disso, considerar que o Judiciário possa ser um bastião contra a extrema direita é abdicar da verdadeira luta política. Essa política é, na realidade, uma forma de covardia. Ao se esconder atrás das togas, a esquerda evita enfrentar diretamente seus inimigos e mobilizar as massas em torno de reivindicações concretas.
É necessário, ao invés disso, apostar na organização e na mobilização da classe trabalhadora. Somente com um movimento de massas capaz de enfrentar diretamente os interesses da burguesia é que se poderá resistir à ascensão da extrema direita e garantir que as forças progressistas avancem sem depender de uma proteção institucional fictícia.
A esquerda precisa abandonar a política de conciliação e buscar a construção de uma base sólida de apoio entre os trabalhadores, que é a verdadeira força da mudança social. O futuro da luta contra a extrema direita não está nas salas dos tribunais, mas nas ruas, nas fábricas e nas praças, onde a classe trabalhadora pode e deve mostrar sua força real.