O neoliberalismo está totalmente falido. Na Europa, a extrema direita avança como um foguete contra o principal setor da direita que representa o capitalismo neoliberal. Isso gera também uma tendência enorme à esquerda no mundo inteiro. Assim, os ideólogos da direita começam a travar uma guerra de propaganda em defesa do capitalismo. É o caso de Luis Felipe Pondé, que publicou o artigo Odeio o capitalismo, mas não passei a idolatrar o PT, PSOL ou PCO na Folha de S.Paulo.
É interessante que Pondé ataca as três linhas da esquerda para defender o capitalismo antes de entrar na sua argumentação. Ele afirma: “o primeiro [PT] é uma gangue organizada que sequestrou o país. O segundo [PSOL] é uma agremiação teenager que só quer um capitalismo pra chamar de seu no nicho de diversidades nas empresas. O terceiro [PCO] confunde o Hamas com seus ídolos bolcheviques. O negócio do Hamas e dos bolcheviques sempre foi matar, do PCO é bagunçar o metrô”.
As três críticas são ridículas, até a descrição do PSOL é mal feita. O interessante, no entanto, é o incômodo que tem a política do PCO. Isso porque tanto o Hamas quanto a Revolução Bolchevique são muito populares no mundo inteiro. Assim, é preciso lançar calúnias. Um movimento para levar a Rússia ao socialismo é taxado de assassino, outro para libertar a Palestina do sionismo é taxado da mesma forma. O PCO é chamado de baderneiro. É a campanha golpista da direita tradicional.
Após as calúnias, ele passa a defender o capitalismo: “dito isso, devo reconhecer que ainda acho a atitude liberal a menos ruim entre todas as péssimas à disposição. Entretanto, não partilho da mística do mercado que alguns liberais cultuam. O mercado é um quase mal necessário. Não conhecemos outra forma de fazer a roda girar e produzir bens”.
Pondé está parafraseando Winston Churchill: “a democracia é a pior forma de governo, exceto por todas as outras formas que já foram tentadas na história”. É uma tese ultrarreacionária: “o que existe hoje é horrível, mas não tentem mudar o mundo porque é impossível”. Mas por que seria impossível? O mundo já passou por tantas mudanças, por que só o capitalismo seria eterno?
Ele então tenta argumentar pela positiva: “capitalismo em pequenas doses é aquilo que todos nós precisamos para sobreviver. Comprar coisas, vender coisas ou serviços, pagar boletos, escola de filhos, alguns restaurantes, para quem pode, aplicar algum dinheiro, cuidar para que você não envelheça na mão desse Estado canalha que nos cerca e do mercado da saúde que nos devora. E um relacionamento mínimo com bancos —diria alguém da moda, ‘banking mínimo’”.
É uma das piores defesas do capitalismo da história. O capitalismo não existe em pequenas doses, ele é o sistema econômico que rege o mundo inteiro. Falar em capitalismo imaginário não é um argumento sério. Outra opção é falar dos lugares onde existe capitalismo em pequenas doses. Há dois casos. Os países atrasados onde não se desenvolveu o capitalismo. A Etiópia, a Bolívia, o Afeganistão, não parecem locais muito agradáveis. Outra opção é onde há pequenas doses de capitalismo porque já há uma transição para o socialismo. É o caso de Cuba, ai já se pode argumentar que é um exemplo positivo, mas é justamente um exemplo positivo de socialismo!
Mas nos dias de hoje, nem onde há um capitalismo pleno, a vida está boa. Basta ver os casos dos EUA, da França, da Inglaterra e da Alemanha, onde os trabalhadores não aguentam mais os governos neoliberais. Ou seja, a tese do pequeno capitalismo, se levada a sério, é uma defesa dos Estados operários que não conseguiram ainda alcançar o socialismo, pois isso é um fenômeno que só pode existir em escala mundial.
Ele então faz sua crítica: “o capitalismo em grandes doses gera quadros clínicos psicopatológicos, ainda que hoje gourmetizados. Para mim, na literatura clássica, o arquétipo do indivíduo que enlouqueceu devido ao capitalismo colonial em grandes doses, no Congo Belga no século 19, é o personagem Kurtz do livro ‘No Coração das Trevas’, de Joseph Conrad”. O exemplo é interessante porque o capitalismo já estaria enlouquecendo as pessoas há mais de 130 anos. Depois de mais de um século de decadência, é impossível defendê-lo.
E então destaca: “claro que o contexto do século 19 colonial africano da exploração de marfim não é o do capitalismo colorido das plataformas em que vivemos hoje nem de um mundo em que o marketing narra a vida fazendo dela estúpida”. Ele aqui admite que o que existe hoje é um capitalismo “colorido”, maquiado para parecer que é algo avançado em relação ao que existiu no passado. É uma crítica ao identitarismo, ao ambientalismo e às outras farsas divulgadas pelos principais partidos do imperialismo como o Partido Democrata de Joe Biden.
Mas depois de tudo isso, qual a conclusão? Não há, o que mostra que também não é uma crítica séria. O texto termina afirmando: “a empresa de Kurtz no século 21 continuaria a matar elefantes para extrair o marfim, mas investiria em ESG e postaria no Instagram #amamososelefantes”. É um texto, em última instância, que não apresenta alternativa a nada. O capitalismo é taxado de horrível e nada é apresentado para se contrapor a isso. Uma posição tradicional da direita reacionária. É a expressão acabada da frase de Churchill citada acima, “o mundo é horrível, não há o que fazer”. Ou seja, no fundo, uma defesa do capitalismo.
Qual o objetivo de Pondé? É apenas o ataque inicial aos partidos de esquerda, em destaque ao PCO que foi citado mesmo sendo muito menor do que o PT e não tendo o mesmo aparato que o PSOL. O PCO incomoda, pois aqueles que odeiam o capitalismo o consideram como uma alternativa. Se a pessoa assume a visão de Pondé de que o capitalismo é ruim, ela tentará achar uma alternativa. Aqui ele não cita a extrema direita, que é um caminho que milhões estão tomando na Europa e nos EUA e até no Brasil. Mas cita a esquerda com medo de seu crescimento.
Quem odiou o capitalismo, o imperialismo, de forma mais bem acabada e consciente na história foram justamente os citados. Partido Bolchevique e Hamas. Eles se tornaram cada vez mais populares diante da falência total dos partidos do neoliberalismo no mundo inteiro.