No artigo Identitarismo imaginário: uma nota sobre o ‘esquerdomachismo’, a dita filósofa Márcia Tiburi aparece chorando sobre o cadáver do identitarismo, completamente rejeitado pela população norte-americana nas últimas eleições presidenciais. Visivelmente incomodada com a falência da política identitária, Tiburi alega que a ideia de que o Partido Democrata teria sido derrotado por causa do identitarismo seria uma “mistificação que vem ganhando terreno e que mostra mais a falha da velha esquerda do que um problema da nova esquerda que surge na sua forma radical, tão radical quanto a nova democracia que precisamos construir”.
Se se trata de uma “mistificação”, caberia Tiburi desmistificar. Qual dado Tiburi apresenta para provar que o identitarismo não foi um fator importante para a derrota dos democratas? Nenhum. Um dado, contudo, já deveria ser suficiente: Kamala Harris, mesmo com o apoio dos maiores bilionários do mundo e dos principais jornais do mudo, foi derrotada. E quem é ela? Uma mulher negra – ou seja, uma peça ambulante de propaganda identitária.
O motivo do fracasso do identitarismo também é bastante simples. O identitarismo é apenas uma cobertura para a política oficial do imperialismo. A conversa fiada em torno da “mulher negra” nada mais é que o disfarce para o envio de bombas para assassinar mulheres e crianças, brancas e negras, na Palestina e em todo o mundo. Nada mais é que um disfarce para a política neoliberal, responsável por deixar bilhões de pessoas na miséria.
Se Tiburi acha que o caso norte-americano é insuficiente, vejamos outros casos recentes. Nas eleições municipais brasileiras, os partidos mais identitários do Brasil sofreram uma derrota acachapante. O PSDB foi o partido que mais perdeu número de prefeituras. O PSOL, por sua vez, perdeu todas as prefeituras que havia conquistado. Em contrapartida, o partido mais anti-identitário do País, o Partido da Causa Operária (PCO), teve 1.000% de crescimento.
Nas eleições para a Alemanha, a situação é semelhante. Enquanto os partidos relacionados com o identitarismo tiveram uma queda vertiginosa, um partido novo, o Aliança Sahra Wagenknecht, teve um crescimento fulminante.
A alegação de Tiburi de que o identitarismo não teria sido negativo para as eleições simplesmente não está fundada na realidade. Trata-se, portanto, de apenas uma tentativa de defender o desmoralizado e cada vez mais contestado identitarismo.
Nessa tentativa, Tiburi enuncia uma tese. O identitarismo seria o movimento dos mais “radicais”. Diz ela:
“Corpos e singularidades aparecem pontuando uma nova luta de classes, mas pouca gente percebe essa mudança como avanço da democracia. Esses corpos antes impedidos de exercer direitos, inclusive políticos, que sempre foram tratados como intrusos, chegaram para ficar. Um novo modelo de democracia surge: é a democracia radical que avança para além da democracia burguesa, branca e liberal. A democracia radical inclui todo mundo. Ela não exclui ninguém, pois excluir é antidemocrático. (…) E a renovação é radical. Não é liberal, nem machista, nem racista, nem capacitista. Ao contrário, ela inclui essas lutas como paralelas à luta de classes. A luta de classes nunca deu certo, porque ela sempre escondeu alguma coisa que o momento atual vem revelar, a saber, que mulheres sempre foram exploradas no processo. Agora, elas querem o poder!”
Traduzindo para o português: não é que fazer do principal debate para a população a construção de um banheiro unissex seja algo que faça a esquerda perder apoio entre os trabalhadores. Trata-se da incompreensão da própria população de entender que o que há de mais “radical” não são as demandas concretas, materiais, do povo trabalhador, mas sim questões como o uso de nome social, cotas universitárias, linguagem neutra etc.
De fato, se a luta de classes depender disso para “dar certo”, ela nunca irá. A esmagadora maioria da população mundial é parte da classe operária, e ela não irá nunca se mobilizar por causa dos fetiches esquisitos criados na universidade por esquerdistas que não vivem no mundo real. O mais curioso, no entanto, é a ideia de que o problema da luta de classes não é a vantagem que a classe capitalista, enquanto dona dos meios de produção, tem em relação aos trabalhadores. O grande problema seriam… os próprios trabalhadores, portanto!
A teoria de Márcia Tiburi, no final das contas, tem um grande mérito. Ela ao menos esclarece que os identitários se opõem à luta de classes porque, no final das contas, defendem não os interesses dos oprimidos, mas dos opressores.