Neste dia 19 de fevereiro, completam-se 128 anos do nascimento do escritor e poeta André Breton, um dos fundadores do Movimento Surrealista na França e um dos grandes aliados de Trótski na elaboração de uma abordagem revolucionária para a arte e a cultura. Participou também da fundação do Movimento Dadá e, junto com Leon Trótski e Diego Rivera, da FIARI – a Federação Internacional da Arte Revolucionária Independente.
André Robert Breton nasceu no dia 19 de fevereiro de 1896 na comuna de Tinchebray, localizada na região da Normandia, na França. Ele era de uma família da pequena-burguesia mais pobre, sendo seu pai um policial e sua mãe uma costureira.
Ele frequentou a escola de medicina, onde desenvolveu interesse pelo estudo das doenças mentais. Ele teve a sua educação interrompida quando foi recrutado para a Primeira Guerra Mundial.
Breton sempre se posicionou de forma totalmente contrária à guerra. Ele expressou em cartas para um amigo como ele considerava “ridículo o entusiasmo belicoso” com que o imperialismo francês, na época a maior potência militar da Europa, insuflava um patriotismo na classe operária e na juventude francesa.
No entanto, ele teve que servir em um Hospital em Nantes, na ala neurológica. Tendo tratado feridos e neuróticos vítimas de traumas provocados pela guerra, foi nessa época que ele entrou em contato com as ideias de Sigmund Freud.
Também foi nesse período que ele fez amizade com Jacques Vaché, que atuava como soldado durante a guerra. A personalidade de Vaché, com sua atitude antissocial e desdém pelas tradições artísticas estabelecidas, teria sido uma das influências de Breton para o desenvolvimento do surrealismo.
No dia 15 de setembro de 1921, ele se casou com sua primeira esposa, Simone Kahn, e foram viver na rua Fontaine, nº 42 em Paris, no distrito de Pigalle. O apartamento é famoso por conter a coleção de mais de 5.300 ítens, entre eles pinturas modernas, desenhos, esculturas, fotografias, livros, catálogos, diários, manuscritos e outras coisas do gênero.
André Breton entra em contato com o Manifesto Dadá, do artista nascido na Romênia, Tristan Tzara, em fevereiro de 1919. Apesar de Breton ter sido grandemente influenciado pelo movimento simbolista francês do fim do século XIX, no período após a Primeira Grande Guerra, ele sente que aquela estética já havia se tornado anacrônica.
Sobre o simbolismo, ele afirmou que “a beleza por eles celebrada não é mais a nossa, e já na época, começava a dar a impressão de uma dama de véu perdida na distância”.
Nesse período, ele havia rompido com seu antigo mestre, Paul Valéry, que estava propondo uma postura conservadora de retorno às formas métricas da literatura clássica de Racine. Posteriormente, ele ainda entrou na Academia Francesa de Letras, considerada por Breton e outros surrealistas como o ápice da mumificação cultural.
Nesse mesmo ano de 1919, Breton havia fundado, junto com Louis Aragon e Philippe Soupault, a sua revista Littérature, da qual participaram os últimos escritores remanescentes do simbolismo e também os escritores de vanguarda do período anterior à guerra. O trabalho destes pode ser considerado como o precursor da poesia de vanguarda francesa e mundial.
Alguns textos presentes na revista Littérature foram importantes precursores de características do Surrealismo, entre eles os “cantos de Malodoror”, de Isidore Ducasse, e “Cartas de Guerra”, de Jacques Vaché.
A primeira obra, no entanto, ao utilizar o que viriam a ser técnicas surrealistas, é a chamada “Campos Magnéticos” (Champs Magnetiques), de André Breton e Philippe Soupault, em que eles se utilizam do método da escrita automática, que visava liberar o fluxo do inconsciente dos constrangimentos do pensamento consciente e da elaboração literária.
A fundação do Movimento Dadá agrupa, além de artistas que permaneceriam nesse movimento posteriormente, os artistas que viriam a fundar o surrealismo. Seus preceitos são resumidos na seguinte frase, tirada do Manifesto Dadá, de Tzara: “Que cada homem grite: Há uma grande obra destrutiva, negativa a cumprir. Varrer, limpar. A beleza no indivíduo é demonstrada depois do estado de loucura, de loucura agressiva, completa, de um modo deixado em mãos e bandidos que despedaçam e destroem os séculos. Sem objetivo nem propósito, sem organização: a loucura indomável, a decomposição”.
O movimento representou, na época, uma ruptura com a geração modernista anterior, representada por Apollinaire, que não conseguiu abandonar o nacionalismo, o cientificismo e o esteticismo dos artistas oficiais.
O Dadá tinha uma importante associação com performances que eram realizadas em eventos promovidos por Tzara em Paris, cujos principais objetivos eram agredir o público e escarnecer as convenções.
A obra “Esquecer-me-eis”, de Breton e Soupault, foi recebida pelo público com arremesso de tomates e bifes, muito bem-vistos pelos autores, que diziam que “O que o público pensava de nós, nós pensávamos deles em cêntuplo”.
Em 1921, o movimento se esgotou devido à constante utilização desses artifícios que visavam chocar o público. Além disso, a estética Dadá já começava a ser absorvida pelo meio intelectual dominante da época. Breton considerava essa absorção como algo negativo. Ele explica o fenômeno nessa citação: “Dadá beneficiava-se da hostilidade geral e tinha feito o possível para obtê-la. Para quem éramos então, nada era mais estimulante que ser objeto de vaias, quando não de furor. O sentimento que tínhamos do valor da nossa causa fortalecia-se com o fato de que a opinião pública fosse unanimemente contrária. Esta opinião, com efeito, tinha dado toda a sua medida de servilismo nos anos precedentes, e incorrer a tal ponto na sua reprovação bastava para nos persuadir que estávamos no bom caminho”. No entanto, Tzara e Picabia, outros artistas do movimento, enxergavam esse “reconhecimento” do Dadá como uma oportunidade de se consolidarem como artistas do meio intelectual.
O rompimento entre os futuros realistas – Breton, Aragon, Desnos, Soupault e Benjamin Perét – e os entusiastas dos métodos já repetitivos do Movimento Dadá – Tzara, Picabia e Ribemont-Dessaignes – se dá na encenação do julgamento do escritor Maurice Barrès, a quem os surrealistas não perdoavam por seus textos piedosamente nacionalistas sobre a guerra.
O caráter político e moral da encenação foi muito diferente das performances geralmente cômicas e sem sentido realizadas pelos artistas do Movimento Dadá anteriormente. Isso causa um grande furor entre os frequentadores do evento, que não estavam acostumados com essa nova abordagem. A entrada de Benjamin Péret vestido de soldado alemão com uma máscara de gás foi particularmente chocante.
Em 1922, Breton organiza um congresso com outras publicações literárias de vanguarda em busca da defesa do espírito moderno. O congresso não ocorre, no entanto, ele põe fim ao Movimento Dadá. Isso abriria caminho para o surgimento do Surrealismo, com seu primeiro Manifesto em 1924.
No entanto, nesse tempo que se passou entre 1922, quando Breton abandona o movimento Dadá, e o ano de 1924, quando é publicado o primeiro Manifesto do Surrealismo, há um período de incertezas, durante o qual ele passa por diversas experiências. Em outubro, cria o Birô de Pesquisas Surrealistas e, neste mesmo mês, Breton publica o Manifesto.
O documento está longe de ser simplesmente um manifesto literário ou artístico, como era comum naquele período, mas era sim uma importante defesa da liberdade do espírito humano. Os surrealistas foram profundamente influenciados pelas ideias de Freud, particularmente por sua obra maior, o livro A interpretação dos sonhos, de 1900. Os sonhos, como representação da realização dos desejos, não seria um estado de inconsciência, mas um outro estado de consciência, tão importante quanto a vigília.
No manifesto, é também introduzida a técnica do automatismo psíquico, através da qual é escrito o livro Champs Magnétiques, em parceria com Philippe Soupault. A ideia da técnica é abandonar a demora da elaboração intelectual e introduzir uma escrita que capture as ideias em seu surgimento imediato.
Os anos de 1923 a 1925 são considerados os anos heróicos do surrealismo. Este período é marcado pelas experiências com sonhos, a já citada escrita automática, e as colagens no âmbito da pintura. Foi o que Breton chamou de “a época puramente intuitiva do surrealismo”.
As experiências com o aleatório tanto na literatura quanto nas artes plásticas estavam embasadas no fato de que, para os surrealistas, as aproximações aparentemente casuais, inesperadas, não são acidentais, mas seguem uma determinação que escapa ao entendimento humano e que faria parte de uma “super-realidade”.
É neste período também que diversas posições que vão contra o nacionalismo francês são expressas pelos autores surrealistas e escandalizam boa parte da intelectualidade francesa. Um exemplo foi em outubro de 1924, após a morte de Anatole France, autor celebrado tanto pela crítica oficial quanto pela esquerda. Em meio às diversas solenidades da época, o grupo publica o texto Um cadáver, assinado por Breton. Ali, o autor era duramente criticado por seu “servilismo humano”, “astúcia”, “tradicionalismo”, “patriotismo”, “realismo” e “falta de coração”.
Também é importante destacar a utilização dos surrealistas do humor, que é por eles considerado um instrumento de libertação do racionalismo e da ditadura das convenções e do cotidiano. Além disso, também há uma importante defesa da loucura, apresentada como uma forma superior de libertação da imaginação. Os principais autores surrealistas deste período são Breton, Pierre Naville, Antonin Artaud, Soupault e Aragon.
A partir de 1925, com a guerra colonial da França com no Marrocos, que propicia uma onda de chauvinismo, patriotismo e mortandade da juventude, há uma evolução política do surrealismo em direção do comunismo e do materialismo dialético.
É a partir daí que o surrealismo entra em seu período mais político e há uma série de transformações no grupo dos surrealistas. A mais fundamental delas é a colocada pelo manifesto de Pierre Naville, Os intelectuais e a revolução, que expressa uma suposta incompatibilidade entre a criação artística anárquica dos surrealistas e a luta política. É uma posição incorreta, visto que as regras que regem a arte não são as mesmas que regem a política. A primeira é um fim em si próprio e a segunda é um meio de alcançar um fim.
No entanto, Naville as coloca e parte para se tornar dirigente do Partido Comunista e das organizações trotskistas francesas. Breton polemiza com ele em seu panfleto Legítima defesa, de 1926, onde afirma que o comunismo é o caminho para a libertação, mas não é todo o caminho. Ali, é possível ver que as divergências colocadas não são políticas – embora elas existam – mas de perspectiva de vida. Naville nesse momento abandona a arte e parte para a política, mas Breton permanece no terreno do surrealismo ao longo de sua vida.
Breton foi comprovar seu ponto de vista a respeito da arte, posteriormente, com a produção do Manifesto da Fiari, em 25 de julho de 1938, ao lado de Leon Trótski e de Diego Rivera. No Manifesto, ele afirma que se deve ter toda a liberdade em arte, sem nenhuma restrição. As regras que ditam a produção artística não são as do movimento revolucionário político, mas sim as de uma anarquia total e absoluta. Naquele momento, essa colocação ia no sentido de se opor tanto ao stalinismo e ao fascismo, ambas forças políticas que censuravam toda manifestação artística em seus países.
Em 1941, Breton exilou-se nos Estados Unidos, fugindo do governo fascista de Vichy. Em 1946, após o fim da Segunda Guerra Mundial, ele retorna à França, onde permanece até a sua morte. Durante esse período, permaneceu como um agregador de arte surrealista, impulsionando exposições e trabalhos nesse sentido. Ele morreu em Paris, em 28 de setembro de 1966.
O legado de Breton é, antes de mais nada, uma ode à liberdade nas artes. Nesse sentido, é uma importante lição para a esquerda censuradora que se vê no Brasil hoje. É preciso, portanto, lembrar a vida deste que foi um dos mais importantes escritores de vanguarda da história da arte mundial.