A criação do Estado de “Israel”, em 1948, se deu por meio de um gigantesco processo de limpeza étnica. Ele ficou conhecido como a Naqba, a catástrofe. Cerca de 800 mil palestinos, metade da população, foram expulsos de suas terras e do território que hoje se considera o Estado de “Israel”, conforme as fronteiras definidas pelos acordos internacionais. Esses palestinos perderam tudo e foram viver em campos de refugiados, basicamente no mundo árabe, muitos deles dentro da própria Palestina; e muitos fora, no Líbano, na Jordânia e na Síria, principalmente. O maior de todos eles foi o campo de al-Iarmuc.
Ao contrário do que muitos pensam, os palestinos foram muito mal recebidos no exílio. Ilam Pappe explica em seu livro a História da Palestina moderna: “Desde o início, o governo libanês adotou uma política implacável de opressão e exclusão em relação aos refugiados. Os palestinos que chegavam ao Líbano eram principalmente camponeses ou agricultores autossuficientes da Galileia, ou expulsos de Haifa e Acre. Todos enfrentavam dificuldades excepcionais e eram tratados como estrangeiros em termos de moradia e emprego. O governo, temendo que os refugiados perturbassem o delicado equilíbrio étnico-religioso do Líbano, os confinou em campos miseráveis. O mesmo se aplicava aos direitos civis. Pelo menos quarenta categorias ocupacionais estavam fechadas para eles. Aqueles que encontravam trabalho permaneciam nos escalões mais baixos, frequentemente o destino de comunidades imigrantes, mas no caso dos palestinos era resultado de uma política étnica deliberada.”
Em oposição ao exemplo negativo do Líbano, há o caso um pouco melhor da Síria: “O governo sírio era mais relaxado em relação aos refugiados, permitindo que o livre empreendimento prosperasse em termos dos pequenos negócios que poderiam abrir, mas era tão rigoroso quanto o Líbano em relação ao trabalho não qualificado. Havia muitos sírios pobres e desempregados que precisavam de empregos mal remunerados e que naturalmente demonstravam hostilidade em relação aos concorrentes.”
A vida no campo de al-Iarmuc
Nessas condições, o campo de al-Iarmuc se tornou um dos melhores locais para diáspora palestina. Ele foi fundado em 1957 nas proximidades de Damasco, a capital da Síria. Antes da guerra imperialista contra a Síria, o campo era uma espécie de capital da diáspora palestina. Al-Iarmuc não é um grande aglomerado de casas de palafita e tendas, ele aparenta ser uma área urbana. Ao longo das décadas, os refugiados melhoraram suas moradias e adicionaram quartos a elas. O campo agora é repleto de habitações de cimento e ruas estreitas. É como uma favela brasileira, com uma densidade de população enorme. A situação não é de segregação, há um grande número de sírios mais pobres que se mudaram para al-Iarmuc.
De acordo com a Agência da ONU para refugiados, antes de 2011, quando começou a guerra, a população de palestinos era de 160 mil habitantes, sendo assim o maior campo de refugiados de palestinos dentro e fora do territória da Palestina e possivelmente o maior campo de refugiados do mundo.
De acordo com essa organização da ONU: “o campo ocupa uma área de 2,1 quilômetros quadrados para acomodar refugiados que estavam dispersos em mesquitas, escolas e outros lugares públicos. Antes do conflito, o campo estava lotado com casas de blocos de cimento e densamente povoado. Três estradas principais alinhadas com lojas e lotadas de táxis de serviço e micro-ônibus atravessavam Iarmouk”.
A guerra imperialista contra a Síria
Mas essa situação da população palestina na Síria foi completamente abalada quando o imperialismo lançou uma guerra para derrubar Bashar al-Assad. Já no ano de 2012, primeiro ano da guerra, o Exército Livre da Síria, financiado pelo imperialismo, entrou em grandes confrontos com o governo Assad. Ao lado do presidente estava uma das mais antigas organizações da luta armada palestina, a Frente Popular para a Libertação da Palestina. Mas essa batalha, como em todo país, foi brutal. A violência foi tão grande que em 3 anos a população reduziu para apenas 20 mil habitantes, uma queda de 88%!
O imperialismo chegou a usar o sofrimento do povo palestino na Síria para acusar Assad de ser um inimigo dos palestinos. É o tradicional cinismo, os responsáveis pela morte e pela guerra culpam aqueles que estão resistindo. A mesma estratégia acontece hoje na Faixa de Gaza. “Israel” joga as bombas e mata mulheres e crianças, mas a culpa seria do Hamas, que ousou resistir. E algo que foi omitido nessa campanha de propaganda, quem tomou o controle de al-Iarmuc foram grupos ligados ao próprio Estado Islâmico.
Em 2018 aconteceu a ofensiva final para libertar o campo do domínio o imperialismo. Foi formada uma frente com diversas organizações: Liua al-Quds, uma brigada de palestinos na Síria, as Forças Tigre, um esquadrão de elite do exército Sírio, a própria Força de Defesa Nacional da Síria, e os grupos da resistência palestina Fatá al-Intifada e a FPLP. Assim a cidade de Damasco foi libertada totalmente do imperialismo. O campo de al-Iarmuc, destruído, começou a ser lentamente repovoado por palestinos, mas até hoje não voltou a ser aquele que já foi um dia, tal qual a própria Síria.
A história de al-Iarmuc é uma demonstração do que é o sionismo. É uma opressão permanente não apenas do povo palestino, mas de todo povo árabe. Mesmo 54 anos depois da fundação de um campo de refugiados, os palestinos sofreram de forma absurda nas mãos dos sionistas e seus aliados. Afinal, a frente que queria derrubar Assad consistia em Estados Unidos, Estado de “Israel” e Estado Islâmico. Uma frente que atua em diversas regiões do mundo.
Apesar do enorme sacrifício humano, a resistência venceu. O povo de al-Iarmuc, organizado em armas, foi crucial para a derrota do Estado Islâmico na Síria. O rio Iarmuc, que nomeia o campo, é um dos tributários do Rio Jordão. Diante das vitórias da resistência, é possível que no futuro próximo aqueles que foram expulsos de sua terra, ao oeste do Jordão, possam retornar para uma Palestina livre, do rio ao mar.