América Latina

A volta do ‘sem partido’?

Professor universitário publica texto na Folha de S. Paulo jogando para os partidos a culpa pela crise que é do imperialismo e apresentando soluções extravagantes

O jornal golpista Folha de S. Paulo publicou um artigo, escrito pelo professor universitário mexicano Javier Rosiles Salas, intitulado É possível haver democracia sem partidos políticos?, debatendo, como indicado pelo título, a possibilidade de uma política “sem partidos políticos”, dizendo que “centralidade e controle de decisões por parte dos partidos dificultam correções”. Diz Salas em seu artigo:

“Há uma ideia generalizada e aceita de que a democracia não é possível sem os partidos políticos. Há décadas se afirma que essas organizações estão em crise, mas, apesar da intensificação dos sintomas de sua – supostamente – doença crônica, elas não desapareceram: os partidos se criam, às vezes se destroem e sempre se transformam.

Sob o manto protetor dessa abordagem sobre sua indispensabilidade para o suporte democrático, foram toleradas as deficiências, os defeitos e os erros cometidos por essas – como já foi dito – organizações políticas.”

Ocorre que a crise não é dos partidos, mas da política neoliberal que eles implementam há décadas, assim como as organizações que sustentam a política imperialista. A ideia de que os partidos políticos estão em crise porque são corruptos, centralizadores e ineficazes é, no fundo, uma crítica vazia que serve apenas para desviar a atenção do verdadeiro problema: a política de submissão aos interesses das máfias monopolistas, que é defendida e implementada por esses mesmos partidos. São os interesses dos monopólios que ditam a política de Estado, e os partidos se tornam meros veículos de execução dessa agenda.

A burguesia, desesperada com a própria crise, agora flerta com soluções ainda mais absurdas para tentar salvar o regime político que ela própria criou e corrompeu.Nada mais oportuno para a classe dominante, que enfrenta sua própria falência, do que promover uma “nova” política que apenas esconde os mesmos interesses.

Salas não tem coragem de apontar o dedo para essa política neoliberal. Em vez disso, prefere flertar com soluções mágicas, como a criação de partidos temporários, e cita Moisei Ostrogorski para justificar a ideia de que os partidos deveriam ser formados apenas para demandas específicas. Vamos reproduzir o trecho para entendermos a profundidade do absurdo:

“Se tomarmos como referência os sistemas parlamentares, os líderes partidários e a propulsão mais importante dessa ação política seriam instalados no Congresso e, com isso, poderíamos aspirar a uma presença intermitente dos partidos: existência temporária dos partidos, ação política permanente dos órgãos legislativo.  

Será que já estamos diante da possibilidade de termos partidos políticos temporários, como Moisei Ostrogorski previu há mais de um século?: ‘A solução para o problema dos partidos já não foi indicada? Não consiste em eliminar na prática o costume de partidos rígidos, de partidos permanentes cujo objetivo é o poder, e restaurar e reservar para o partido seu caráter essencial como um agrupamento de cidadãos, formado especialmente para uma demanda política específica?’”

Além de ser uma extravagância, a defesa de “partidos temporários” ou “partidos flexíveis” nada mais é do que uma forma de aniquilar qualquer possibilidade de organização política séria e com acúmulo de experiência. A burguesia e o imperialismo podem até se dar ao luxo de brincar com os partidos, substituí-los com alguma frequência, pois têm à sua disposição uma série de instituições burocráticas e monopólios de comunicação que não dependem diretamente da continuidade de partidos políticos.

Para a classe trabalhadora, no entanto, essa solução seria fatal. A luta dos oprimidos exige organização, exige estratégia de longo prazo e, acima de tudo, precisa de um partido que acumule experiência histórica para enfrentar o inimigo de classe.

Essa proposta de “partidos temporários” é, ao mesmo tempo, uma tentativa velada de expressar uma suposta inutilidade dos partidos políticos, e também uma tentativa mais clara de impedir que os trabalhadores e as massas oprimidas possam se organizar de forma duradoura para lutar por seus interesses, e também de se desenvolver. A classe dominante sabe muito bem que sua maior ameaça não são os partidos neoliberais corruptos que ela controla, mas sim qualquer tentativa de a classe trabalhadora se organizar de maneira independente e revolucionária. O que a burguesia teme é justamente a criação de uma organização política que acumule experiência, que una os trabalhadores e que seja capaz de liderar a luta pelos interesses da classe operária.

Mas o artigo de Salas vai além. O objetivo dessa proposta não é outro senão desarmar completamente os trabalhadores e facilitar a ascensão de demagogos que se dizem representantes de uma “nova política”. Já vimos esse filme antes.

Na América Latina, figuras como Gabriel Boric, no Chile, e Emmanuel Macron, na França, foram promovidas como representantes dessa “nova política”. O que eles fizeram ao chegar ao poder? Implementaram as mesmas políticas neoliberais de seus antecessores, atacando direitos sociais e beneficiando o capital financeiro.

Boric e Macron são exemplos claros de como a política “sem partidos” ou de “novos partidos” é, na verdade, uma estratégia de perpetuação do neoliberalismo. Eles chegam ao poder com discursos de renovação e ruptura, mas rapidamente mostram que são apenas mais do mesmo. O problema nunca foi a forma dos partidos, mas sim o conteúdo de suas políticas, bem como a estrutura social sobre a qual se erguem. A burguesia, desesperada para se manter no controle, promove esses picaretas como salvadores da pátria, enquanto continuam implementando as mesmas políticas de ataque aos trabalhadores.

A política do “sem partido”, defendida pelo acadêmico, posto em prática, representaria um ataque direto à organização dos trabalhadores. Ao promover a ideia de que partidos são desnecessários, ele reforça a lógica do individualismo e da desorganização, que favorece a burguesia, uma classe proprietária, rica e poderosa. O que está por trás dessa proposta é a tentativa de fragmentar a classe trabalhadora e impedir que ela construa sua própria alternativa política.

A única forma de superar a crise política que vivemos é através da união e da organização dos trabalhadores e dos oprimidos em geral. São eles que sofrem as consequências diretas da política neoliberal, e são eles que devem se unir para enfrentá-la. A proposta de uma política sem partidos só beneficia os mesmos de sempre: a burguesia, o imperialismo e seus lacaios.

É preciso, mais do que nunca, fortalecer a luta pela organização política dos trabalhadores, que deve se dar de forma independente e com o acúmulo da experiência histórica de suas lutas. O que a burguesia chama de crise dos partidos é, na verdade, a crise do regime que ela mesma criou. A solução para essa crise não é o fim dos partidos, como propõe o autor da matéria, mas sim a criação de uma verdadeira organização revolucionária da classe trabalhadora, capaz de enfrentar politicamente os inimigos do povo e conquistar o poder.

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