Eleições 2024

A tática derrotista e a progressista para as mentiras da direita

Enfrentar as mentiras da direita com processos e censura só resultou em derrotas e fortalecimento da ditadura judicial. A esquerda precisa aprender com os erros e mudar

Jornalista do Brasil 247, Paulo Moreira Leite escreveu uma coluna intitulada Boulos, Marçal e a pergunta de sempre: vai ficar tudo por isso mesmo?, tratando das acusações do candidato direitista de que seu concorrente Guilherme Boulos (PSOL), seria usuário de cocaína. Para Leite, Boulos “foi alvo de uma fraude infantil, a mais bisonha da história das campanhas eleitorais brasileiras em décadas”, diz, aparentando uma amnésia em relação a diversas fraudes muito mais grotescas e impactantes, como as chamadas “pedaladas fiscais” supostamente criminosas de Dilma Rousseff, toda a teia de mentiras que levou Lula à cadeia e barrou sua candidatura presidencial em 2018, apenas para ficar em exemplos mais conhecidos. O jornalista diz ainda que:

“Desfeita a fraude, cabe perguntar o mais importante: vai ficar tudo por isso mesmo? O caso configura crime de calúnia, previsto no artigo 138 do Código Penal, que consiste em ‘imputar falsamente a alguém um crime’.

A pena prevista é de seis meses a dois anos de prisão, além de multa. São punições que sublinham a gravidade do crime cometido, especialmente numa disputa eleitoral.

Eis aí uma boa oportunidade para se debater — a sério — o devastador vale-tudo de nossas disputas políticas.”

A colocação de Leite segue o padrão das coisas não ditas, mas que ficam implícitas e devem ser debatidas com seriedade. O jornalista não chega a pedir um recrudescimento da já demasiadamente repressiva legislação penal, mas é evidente que esta é sua posição, quando se lê “vai ficar por isso mesmo?”

Se o arcabouço jurídico existente já prevê uma consequência para a calúnia, o que o questionamento faz é uma pressão para que o código penal se torne mais direitista, punitivo e cerceie a liberdade de expressão. Duas conclusões podem ser tiradas da colocação de Leite: 1) os superpoderes arbitrários da justiça brasileira, que já tirou o presidente Lula das eleições de 2018 por mentiras inventadas pelos próprios burocratas em um verdadeiro golpe de Estado, ainda não produziram algo ruim o bastante para a esquerda, mesmo que o golpe de 2018 tenha implicado em quatro anos de governo Bolsonaro; 2) o segredo para enfrentar as mentiras não é investir em uma comunicação política ativa e na mobilização popular, mas em aumentar os poderes ditatoriais do judiciário.

A primeira dedução revela uma contradição intrínseca à política da esquerda brasileira. Se a justiça já mostrou sua capacidade de atuar de forma arbitrária e politicamente motivada ao impedir Lula de concorrer nas eleições de 2018, seria razoável questionar por que a esquerda não aprendeu com essa lição. A confiança em uma justiça que se mostrou antidemocrática ao longo dos anos é uma armadilha.

Ao buscar recrudescimento das penas contra calúnias em campanhas eleitorais, a esquerda arrisca reforçar um aparato jurídico que, historicamente, é usado contra ela mesma. A postura de depender do judiciário para resolver questões políticas é, em última análise, uma estratégia perigosa, que pode se voltar contra a própria esquerda. Além disso, ao focar na repressão penal, a esquerda ignora a necessidade de fortalecer a consciência do povo e construir uma comunicação política robusta, capaz de enfrentar e desmascarar as mentiras de seus adversários de forma eficaz.

A segunda dedução é ainda mais problemática, pois sugere que, em vez de apostar em uma mobilização política ativa e em uma comunicação independente, que possa engajar a população e enfrentar as mentiras com a verdade (o que é o jeito mais eficaz, diga-se de passagem), a esquerda está disposta a entregar mais poder ao judiciário que já provou ser uma ferramenta de repressão política. Esse caminho é profundamente antidemocrático, pois enfraquece a capacidade da sociedade de se autogerir e de participar ativamente do processo político.

Quando se escolhe fortalecer as garras de um aparato judiciário que já mostrou sua disposição em atuar contra os interesses populares, o resultado é a consolidação de um regime que se apoia cada vez mais na repressão e menos na participação popular. O verdadeiro desafio para a esquerda deveria ser travar a luta política no próprio campo da política, falando com o povo, publicando jornais e materiais de agitação política que reaproximem o campo das bases, dos trabalhadores e estudantes, e eduque a população.

Essa dependência do judiciário não apenas distancia a esquerda de suas bases, mas também contribui para a percepção negativa que a população tem de sua atuação.  O problema, portanto, não é que Marçal mentiu, mas que a esquerda não está enfrentando essa questão politicamente, preferindo recorrer ao judiciário e censurando o oponente. Essa postura é mal vista pela população, que percebe essa estratégia como uma fuga da verdadeira luta política. Se a esquerda quer realmente se fortalecer e enfrentar as mentiras e manipulações da direita, precisa investir em uma comunicação política ativa, que vá onde o povo está, dialogue com a população e desmonte as calúnias de forma séria, sem depender de um judiciário que, no final das contas, nunca esteve ao lado dos interesses populares.

Ao apostar na tática derrotista e desmobilizadora, o que o jornalista de Brasil 247 faz é desperdiçar a oportunidade que a extrema direita forneceu para que fossem desmascarados e impulsionando uma forma de agir que longe de atuar contra os bolsonaristas, enfraquece a própria esquerda. É a receita certa para o desastre que produziu o fenômeno Pablo Marçal, mesmo o bolsonarista dando tantos sinais de ser um homem de poucas luzes e que surfa na fraqueza total de seus opositores aceitos pela burguesia, Boulos entre eles.

Se a situação geral não mostra a esquerda em uma posição de força, mas de fraqueza, não há que se insistir nas táticas que nos trouxeram até aqui. Longe de lutar pelo reforço da repressão política, a esquerda deve lutar para que a liberdade de expressão e o pluralismo político sejam garantidos. Com isso conquistado, nenhuma mentira de quem quer que seja terá força.

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