No século XIX, os irmãos Grimm coletaram uma série de contos alemães e os adaptaram, difundindo as narrativas ao redor do mundo.
Uma dessas histórias, a do flautista de Hamelin, se mostrou tão instigante que acabou se tornando objeto de pesquisa de uma série de historiadores, que consideram a possibilidade de o incidente relatado ter base em algum acontecimento real.
Diz a lenda que, certa vez, um flautista foi contratado para acabar com a praga de ratos que havia em Hamelin. Imediatamente, hipnotizados com a melodia tocada, os animais saíram pelos portões da cidade em direção à ruína.
Contudo, as pessoas que viviam no local se recusaram a pagar pelo trabalho do flautista, que decidiu se vingar atraindo as crianças com os sons de sua flauta. Assim, meninos e meninas seguiram o músico em transe para fora da cidade e não foram mais vistos.
Na fachada da casa do flautista, como é chamado um dos principais pontos turísticos da cidade, construído em 1602, há uma placa com a seguinte inscrição: “em 26 de junho de 1284, no dia de São João e São Paulo, 130 crianças nascidas em Hamelin foram retiradas da cidade por um flautista vestido com roupas multicoloridas. Depois de passar pelo Calvário perto de Koppenberg, desapareceram para sempre”.
De acordo com outro registro antigo de Hamelin, que sugere a ocorrência de um sequestro no local em uma inscrição datada de 1384, que diz: “já se passaram 100 anos desde que nossas crianças partiram”.
Há ainda um manuscrito do século XV, chamado Luneburg, que referencia uma narrativa semelhante: a de que 130 jovens (ou crianças) desapareceram em 26 de junho de 1284, após seguirem um flautista até uma região chamada Calvário ou Koppen.
Há diversas teses sobre a história do flautista. Uma das principais delas sugere que os jovens da cidade migraram para a Europa Oriental em razão da recessão econômica.
Nesse cenário, o flautista desempenhava o papel do chamado localizador ou recrutador. Eles eram responsáveis por organizar as migrações para o leste, e dizem que usavam roupas coloridas e tocavam um instrumento para atrair a atenção dos colonos.
Há ainda historiadores que sugerem que a lenda reflete a Cruzada das Crianças, que tinha como objetivo a retomada de Jerusalém.
Contudo, talvez a mais curiosa das teorias é a que diz ter ocorrido na região um surto de dança coletiva, fenômeno medieval registrado em certas ocasiões após uma série de pandemias e desastres naturais. A praga da dança ou dança de São Vitoc teria surgido no século XI, na Europa.
Foi registrado, no século XIII, um incidente como esse na cidade de Erfurt, que fica ao sul de Hamelin. Na ocasião, um grupo de jovens teria ficado rodopiando de maneira descontrolada, de modo que muitos acabaram chegando bem longe dali: a 20 km de distância, já em outro povoado. Um dos registros, inclusive, afirma que algumas crianças morreram de tanto dançar, enquanto outras acabaram ficando com tremores crônicos.
Porém, há algo que nenhuma das teorias conseguiu explicar: não explicam a data específica citada em que as crianças desaparecem, e o sentimento local de trauma. Aconteceu algo que as autoridades encobriram? Algo tão traumático que se transmitiu oralmente durante tanto tempo na memória coletiva do povo, durante décadas e até séculos?
O dia 26 de junho, que repetidas vezes aparece nos documentos como a data do evento, marca também as celebrações pagãs do início do verão.
Além disso, a apuração ainda enfatiza que o fato de a documentação dizer que as crianças seguiram o músico até o Koppen, traduzido como “montanhas”, sugere uma outra hipótese: é possível que o flautista, que simbolizaria um xamã pagão, estivesse levando os jovens de Hamelin para realizar as festividades daquela data quando uma facção cristã os atacou.