No artigo E a Paulista no dia 25, hein?, publicado no Brasil 247, o jurista Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça do governo de Dilma Rousseff, apresenta seu balanço do ato de 25 de fevereiro, convocado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Segundo ele, a manifestação não teria servido em nada para fortalecer a extrema direita, mas apenas para preparar as eleições municipais. Ainda que o ato tivesse contado com dezenas de milhares de pessoas, Aragão vê a manifestação, portanto, como um fracasso do bolsonarismo e, portanto, como uma vitória para a esquerda.
Diz o ex-ministro da Justiça:
“Para começar: o que diabos Bolsonaro, que está inelegível e é alvo de investigações criminais, queria com essa movimentação? Colocar o STF contra a parede? Não acredito que estivesse tão mal assessorado por seus advogados a ponto de achar ser essa uma tática eficaz […] Bolsonaro, agora, sabe com que peças jogar no tabuleiro político.”
Por que seria tão estranha a ideia de que Bolsonaro quisesse “colocar o STF contra a parede”? A prova de que o STF não é imune à pressão é a anulação dos processos contra o hoje presidente Lula. Lula só foi preso e mantido durante 580 dias na cadeia porque esse era o desejo do STF. E ele só saiu da cadeia e teve seus direitos políticos restituídos não porque o STF “se arrependeu”, mas porque foi obrigado a fazê-lo após uma mudança na conjuntura. Um dos aspectos importantes dessa mudança foi a mobilização pela soltura do então ex-presidente.
É evidente que uma mobilização ampla do bolsonarismo pode constranger o STF. E não apenas o STF: a imprensa burguesa, que hoje critica o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para tentar diminuir a sua influência sobre o regime político, também pode recuar se Bolsonaro demonstrar força. É o que está sendo visto, por exemplo, nos Estados Unidos: mesmo com mais de 90 acusações contra ele, Donald Trump vai tornando sua candidatura cada vez mais viável na medida em que mobiliza seus apoiadores.
Por trás da ideia de que seria difícil “colocar o STF contra a parede”, está a ideia de que o STF seria uma instituição muito decidida a combater o bolsonarismo. Essa ilusão chega a tal ponto que Aragão celebra uma suposta aproximação de Lula com setores do STF:
“Para os pouco avisados sobre a continuidade do ataque institucional incessante da extrema direita, cabe lembrar que Lula mostrou saber em que terreno pantanoso ele pisa e não foi à toa que tratou de prestigiar, com as escolhas para os novos ministros do STF e para o Procurador-Geral da República, personagens que mais se expuseram na defesa da institucionalidade, como os Ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. Não é que comunguem com ele, em muitos aspectos, sua visão de Estado e de país; certamente têm significativas diferenças de posições políticas e mostraram isso ao longo de suas vidas públicas. Mas, o que importa é que estão no mesmo barco da defesa da constituição e a sinergia entre o STF e o Executivo tem sido fundamental para barrar as tendências disruptivas daqueles que têm saudade da ditadura militar. Com essa aliança, será difícil Bolsonaro achar sua bala de prata.”
Antes de tudo, é preciso destacar que não há uma “aliança” de fato entre Lula e o STF. As indicações de Flávio Dino para o STF e de Paulo Gonet para a Procuradoria-Geral da República (PGR) não foi obra de um acordo, mas praticamente de uma extorsão. Lula deixou de indicar pessoas de sua confiança para indicar pessoas de confiança de seus inimigos políticos. Gonet, por exemplo, já havia sido cotado para assumir a PGR durante o governo de Jair Bolsonaro. Sem contar no fato de que, assim que tomou posse, ele prontamente montou uma equipe formada de lavajatistas.
Por esses dados, já é possível compreender o real significado da “aliança” com o STF: trata-se de uma política de subordinação a um inimigo político, cuja “divergência” vai muito além “aspectos” sobre a “visão do País”. A esquerda está assinando embaixo de uma política que não é a sua, mas sim de uma das principais instituições do golpe de Estado de 2016 e que foi, inclusive, responsável pela vitória eleitoral de Bolsonaro em 2018.