No artigo O tempo da Justiça joga contra a democracia, publicado pelo Brasil 247, o jornalista Florestan Fernandes Jr. defende que o tempo estaria a favor do ex-presidente Jair Bolsonaro no que diz respeito aos processos judiciais que responde. Para reforçar seu ponto, Fernandes cita o jurista Lênio Streck, que teria dito que “no Brasil, a cada dia que passa [sem punição], é bom para Bolsonaro e é ruim para as instituições. Bolsonaro ganha fôlego a cada dia que fica sem tornozeleira, fora da prisão e sem ser processado“.
Florestan Fernandes conclui, então, que:
“É fundamental que a PGR dê prioridade ao pedido de indiciamento de Bolsonaro sobre o caso das vendas das joias das ‘mil e uma noites’. Que antes da virada do semestre, o ex-presidente receba a atenção necessária da Justiça e pague por seus crimes. Antes que seja tarde demais. Segundo Rui Barbosa, justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Aqui, eu acrescentaria: suicida. Aguardamos a ação rápida e eficiente da PGR e da Justiça, para a sobrevivência da democracia e para o bem de todos nós.”
É até compreensível, por todos os aspectos negativos do bolsonarismo, que Florestan Fernandes queira ver o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) preso. Ainda que do ponto de vista da luta política não traga grandes resultados, uma vez que a prisão de seu líder não acabaria com o bolsonarismo, o jornalista acredita que isso levaria a uma desmoralização, ajudaria de alguma forma a combater a extrema direita.
Ter como política apelar para o Judiciário para supostamente combater o bolsonarismo é algo que inevitavelmente levará a um desastre. O Judiciário não é um inimigo da extrema direita – muito pelo contrário, ele pavimentou o caminho para que Jair Bolsonaro se tornasse presidente da República. De nada adianta, portanto, substituir a luta política contra a extrema direita pelos apelos para que “a Justiça seja feita”.
Esse, contudo, não é o único problema da formulação de Florestan Fernandes. Quando o jornalista fala que um ex-presidente da República deve ser preso imediatamente, “antes da virada do semestre”, Fernandes está defendendo que a Justiça atue de maneira arbitrária.
Até o fim do semestre, restam pouco mais de 60 dias. Nenhum julgamento normal ocorreria em um prazo destes, menos ainda se tratando de alguém que recebeu mais de 50 milhões de votos nas eleições de 2022.
O pedido de prisão imediata para Bolsonaro corresponderia a uma prisão sem o devido processo legal – coisa que o próprio presidente Lula se colocou contra. Isto é, sem que o direito de defesa e de apelação fossem devidamente respeitados. Não se pode esquecer que nos inquéritos abertos por Alexandre de Moraes, nos quais Bolsonaro é investigado, sequer a defesa tem acesso integral às acusações.
Na medida em que Fernandes defende o “vale tudo” contra Bolsonaro, está defendendo um regime jurídico de total arbitrariedade. Um regime que foi inaugurado pela Operação Lava Jato, que acabou levando Lula a cumprir 580 dias de prisão. O ex-presidente foi condenado sem provas, preso antes de ter o seu julgamento concluído e impedido de concorrer às eleições presidenciais de 2018 à revelia da Constituição.
Entre as inúmeras ilegalidades denunciadas durante todo o processo, estava a “celeridade” com a qual o Tribunal Regional Federal da 4ª Região teria julgado o caso. Segundo a presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, o relator levou apenas 36 dias para emitir um parecer sobre um processo que tem 250 mil páginas, enquanto o juiz revisor fez a correção do material em seis dias. “Não é possível ter uma análise adequada num processo controverso, questionado, com tantas páginas, num curto espaço de tempo”, disse ela.