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José Álvaro Cardoso

Graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Economia Rural pela Universidade Federal da Paraíba e Doutor em Ciências Humanas pela UFSC. Trabalha no DIEESE.

Coluna

A instabilidade nos mercados financeiros reflete uma grave crise

"A semana passada começou bastante agitada, com queda nas bolsas de valores de praticamente o mundo todo"

A semana passada começou bastante agitada, com queda nas bolsas de valores de praticamente o mundo todo, disparada do dólar e nervosismo nas finanças em geral. A bolsa de Tóquio, caiu 12% na segunda-feira (5/8), apresentando o pior resultado em 37 anos, gerando um efeito dominó nas bolsas dos países asiáticos: Coreia do Sul (-8,8%), Taiwan (-8,35%), Singapura (-4,07%) e Índia (-2,6%). Nos EUA, as bolsas de valores também apresentaram quedas drásticas, com destaque para o índice Nasdaq (bolsa de valores norte-americana, sediada na cidade de Nova York), que recuou 3,43%. No Brasil, o Ibovespa caiu 0,46% e o dólar aumentou, chegando a R$ 5,86 na segunda-feira (recuou depois, a cotação de hoje é 5,49).

O estopim da crise nos mercados de risco, foi a divulgação de um relatório no dia 02.08, sobre o mercado de trabalho dos Estados Unidos, que mostrou uma menor criação de vagas na economia, criação de 114 mil vagas em julho, quando a expectativa era de 185 mil. Foi a menor contratação em praticamente três anos, e o fenômeno contribuiu para elevar a taxa de desemprego para 4,3%. O problema é mais profundo, na verdade, esses dados do mercado de trabalho apontam a possibilidade de uma recessão na economia norte-americana. Recessão na maior economia do mundo tende a impactar o mundo todo, daí a preocupação geral. 

A desaceleração da economia dos EUA já era esperada, mas esses indicadores apontam um recuo mais forte do que o previsto. Os dados do mercado de trabalho conflitam, inclusive, com outras informações sobre o setor imobiliário e a condição financeira das famílias, que não apontam para um horizonte de recessão imediata. De qualquer forma, em setembro, segundo a maioria das previsões o Federal Reserve (Fed), Banco Central dos Estados Unidos, deverá iniciar um ciclo de redução da taxa de juros, que se encontra atualmente entre 5,25% e 5,50% ao ano, visando reanimar a economia. 

Um dos problemas dessa instabilidade internacional para o Brasil é a pressão inflacionária, já que um real desvalorizado, se mantido por um certo tempo, torna os produtos importados mais caros, especialmente os insumos utilizados pela indústria, pressionando o nível inflacionário. Da mesma forma, pode haver pressão sobre os preços dos alimentos, na medida em que um dólar mais caro estimula o aumento das exportações, reduzindo a oferta interna dessas commodities. Isso pode, inclusive, servir de argumento para o Banco Central “independente” do Brasil aumentar a taxa básica de juros, que já é extremamente alta. Os 10,5% nominal atuais, representam uma taxa real de juros de 6,79%, a segunda no mundo, atrás apenas da Rússia (8,91%). Nesse cenário de instabilidade internacional, agravado por dois focos importantes de guerra (Ucrânia e Faixa de Gaza), as reservas internacionais do Brasil, atualmente em US$357,8 bilhões, ocupam um papel estratégico. 

As recentes turbulências nos mercados, que podem se repetir a partir de qualquer nova informação mais importante, principalmente originária dos EUA, na verdade, reflete uma crise econômica e política mais estrutural, que impacta o conjunto dos países imperialistas, mas especialmente sua proa, os EUA. Nesse quadro, destaque para a crise de hegemonia do dólar, peça essencial na dominação econômica norte-americana. Segundo o que foi divulgado, a equipe do candidato Donald Trump elaborou uma estratégia para estimular os países do Brics a continuarem utilizando o dólar americano em suas transações comerciais, caso vença as próximas eleições presidenciais. Recentemente, Trump declarou: “Estamos perdendo muitos países no dólar, eles estão caindo como moscas […] Se algum dia perdermos isso, será o equivalente a perder uma guerra. Isso realmente nos tornaria um país de Terceiro Mundo”.  

Tal declaração – que sem dúvidas revela um elevado nível de compreensão da gravidade do problema – ocorre em meio à erosão da influência norte-americana no mundo e a simultânea elevação da influência global dos Brics, que recentemente ampliou o Bloco para 10 países. Por exemplo, no dia 09 de junho a Arábia Saudita anunciou que não irá renovar o acordo dos petrodólares, assinado com os EUA em 1974. Por esse acordo, que já tinha meio século, o governo de Riad passou a exigir dos compradores que suas exportações de petróleo fossem pagas em dólares norte-americanos, ao mesmo tempo que investia as receitas em papéis do tesouro dos EUA. O acordo, na prática, definiu que o dólar passava a ser a moeda oficial dos negócios com petróleo, o que garantiu a hegemonia dessa moeda no mundo, reforçando assim, enormemente, o domínio financeiro dos EUA. 

O acordo possibilitou também uma grande atratividade aos títulos do tesouro norte-americano, na medida em que estabeleceu na prática um “mercado cativo” para eles. Foi um acerto realmente poderoso, pois envolveu o país que detém a segunda maior reserva de petróleo da terra, localizado em região estratégica em termos geopolíticos, e, ao mesmo tempo, envolveu a principal commodity da economia mundial (se retirarmos a água dessa condição).

Com o acordo, os países exportadores de petróleo dependiam totalmente do dólar para realizar seus negócios. No caso dos importadores, além dos gastos com compra de petróleo, tinham que manter sempre uma paridade razoável entre sua moeda e o dólar, para não pagar mais pelo petróleo, em moeda nacional. Com o fim do petrodólar, abre-se a possibilidade de os países importadores e exportadores utilizarem outras moedas, não ficando diretamente à mercê da ditadura do dólar.  A decisão anunciada pelo governo saudita não é uma decisão isolada sobre petrodólares, mas trata-se de uma mudança de política monetária. Por exemplo, a Arábia Saudita está participante de um projeto de moeda digital, coordenado pelo banco central da China, que envolve outros países como, Hong Kong, Tailândia e Emirados Árabes Unidos. 

Uma das razões para a decisão do governo saudita é o comércio cada vez mais significativo com países como China, Índia, Japão e Rússia, que apostam numa maior independência em relação ao dólar. Mesmo no caso do Japão, que é um país imperialista, altamente dependente e próximo dos EUA. Ou seja, nesse quadro de aproximação comercial e política com países da Ásia, o acordo em torno de petrodólares perdeu o sentido para a Arábia Saudita. 

Um dos projetos centrais dos países que constituem o Brics é substituir o dólar como moeda das transações realizadas dentro do bloco. China e Rússia já estão comerciando em suas moedas. A decisão da Arábia Saudita, ademais, deve ser compreendida em um contexto de grave crise do imperialismo mundial. Os sintomas desse fenômeno estão por toda parte: derrota humilhante dos EUA no Afeganistão em 2021; atual operação militar russa na Ucrânia; golpes militares anti-imperialistas na África; massacre dos palestinos na Faixa de Gaza (patrocinado política e financeiramente pelo governo dos EUA). 

Há uma evidente crise do imperialismo, com uma escalada da guerra ao nível internacional, que tende a piorar nos próximos anos. OS EUA, verdadeira máquina de guerra, acuado, tende a ser tornar ainda mais agressivo. O orçamento militar dos EUA para este ano é de US$ 886 bilhões. A Rússia, que está ganhando a guerra na Ucrânia, tem um orçamento de defesa equivalente a 12,64% do orçamento dos EUA. O orçamento dos EUA  é superior ao acumulado dos dez gastos seguintes no ranking dos maiores orçamentos de defesa dos países. 

Os analistas da bolsa usam dados conjunturais que estão ao nível da superfície e são, praticamente, um fino verniz da crise. Mas as finanças dos EUA estão em perigo. A dívida pública dos Estados Unidos está em US$ 34,62 trilhões, conforme os dados divulgados em abril último. A dívida corresponde a 124,7% do PIB norte-americano. Quase US$ 2 bilhões são gastos diariamente apenas em juros da dívida nacional. Mesmo para o país mais rico da Terra, é muito difícil pagar, infinitamente, uma dívida que equivale a quase 125% do seu PIB. O país que sustenta a máquina de guerra mais cara do planeta (não necessariamente a mais eficiente), compromete mais de 30% de sua receita tributária federal com o pagamento de juros. Um detalhe: o que permite financiar a dívida é a demanda por dólares existente no mundo. Mas essa demanda tende a diminuir porque os países estão procurando reduzir sua dependência do dólar. Além do que, com a perda de influência dos EUA no mundo, tudo indica que os países não irão financiar infinitamente a dívida norte-americana. 

O que falta para os EUA resolver um problema tão fundamental? É que quem manda no país ganha muito dinheiro com essa roda gigante especulativa: os bancos, grandes empresas, os ricos em geral. Ou seja, 0,5% da população, em prejuízo de 99,5% dos norte-americanos (é como no Brasil). A pobreza nos Estados Unidos, atinge cerca de 12% da população. Essa mesma economia, dominada pelo capital financeiro, precisa importar trabalhadores da América Latina para operar na economia real (fábricas, serviços em geral, limpeza, construção civil). 

Para o governo dos EUA conseguir rolar a dívida, a demanda global por dólares e por títulos de dívida dos EUA deve se expandir permanentemente. Resultado que tem sido conseguido, até aqui, pelo argumento da força. Esse verdadeiro castelo de cartas se mantém porque os EUA têm o poder da senhoriagem, ou seja, pode imprimir, sem custo, uma moeda com aceitação e curso internacional. Nenhum outro país no mundo tem essa possibilidade e é isso que está se esfarelando. O maior golpe econômico desferido contra os interesses norte-americanos está na área financeira: a substituição do dólar por moedas locais nos países do Brics, nas atividades financeiras internacionais, processo que já iniciou. 

A hegemonia do dólar já tem quase 80 anos, vem desde os Acordos de Bretton Woods, feitos em 1944. Em boa parte, a dominação imperialista se dá sobre essa dominação da moeda. Quando os líderes do Brics mencionam substituir o dólar pelas moedas nacionais, ou por uma futura moeda do bloco, significa quase uma ameaça de morte para o imperialismo, porque boa parte do poderio norte-americano está assentado sobre o privilégio de sua moeda nacional ser a moeda de curso mundial nas transações econômicas.  

A decisão da Arábia Saudita em relação à não renovação do acordo de Petrodólares, está dentro deste quadro mais geral de crise política, social e financeira do imperialismo em geral, e do império norte-americano, em particular. A Arábia Saudita e outros importantes produtores de petróleo, percebendo as mudanças na ordem internacional, estão diversificando o seu comércio, reduzindo o peso do dólar norte-americano na sua carteira de ativos. Esse movimento, dentro de um quadro mais geral, de influência dos EUA no mundo, reduz a importância do dólar na economia global. Não há dúvidas que teremos muitas emoções com a economia e a política internacionais, nos próximos anos.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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