Por quê estou vendo anúncios no DCO?

Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

Coluna

A história em quadrinhos experimental – 3ª parte

A arte experimental nos quadrinhos

Constituir-se como narrativa linear em nada interfere na qualidade da história em quadrinhos. Isso posto, na maioria das vezes, HQs de terror, erotismo e super-heróis mostram-se lineares; além do mais, autores importantes da HQ compõem narrativas lineares, por exemplo: (1) Guido Crepax, em muitas aventuras da Valentina; (2) Hugo Pratt, em Corto Maltese; (3) Liberatore, em Ranxerox; (4) Hergé, em Tin Tin. Nessas circunstâncias, a linearidade revela-se apenas outra das muitas formas de construir narrativas, com sua estrutura apresentando-se tão codificada quanto as demais; entretanto, a preponderância do uso naturaliza a linearidade, levando a crer em sua adequação ao fluxo dos acontecimentos e aos fatos do mundo e a torná-la, supostamente, mais “verdadeira” que as demais formas de narrar. Consequentemente, uma vez codificada em norma de leitura, tomam-se quaisquer alternativas ao uso da linearidade por experimentalismo narrativo.

Há, porém, outros modos de experimentalismo na semiótica dos quadrinhos, determinando-se a seguir, pelo menos, três deles: (1) a presença de personagens pouco convencionais, causando estranhamento; (2) a utilização de vários estilos de desenhar na mesma HQ; (3) recursos visuais apontando para linguagens distintas da linguagem dos quadrinhos. Examina-se, adiante, cada um deles.

(1) personagens pouco convencionais

Personagens inusitadas colocam em xeque a linearidade, encaminhado estranhamentos capazes de perturbar o fluxo narrativo; seguem quatro exemplos, em ordem crescente de estranhamento: (1.1) em “O plexo holístico”, de Diego Gerlach, número 6 da Cachalote 1000, um bêbado se vê às voltas com super-heróis, lobisomens e animais de rua quando o autor coloca, no mesmo cenário, personagens de universos distintos do imaginário das HQs; (1.2) em “Eu quero ser uma locomotiva”, de Luiz Gê, personagens de diversos mundos imaginários, tais quais soldados nazistas, militares árabes, índios norte-americanos, discos voadores e bandidos do morro, tentam parar uma locomotiva em alta velocidade, realizando-se, novamente, o delírio em torno das personagens; (1.3) em “Errare marcianum est”, também de Luiz Gê, as personagens se mostram ainda mais delirantes, com os monstrengos de Marte se multiplicando; (1.4) nas HQs de Rick Griffin, publicadas na Zap Comics, perdem-se as noções de personagem, com a narrativa se desenvolvendo em formas plásticas difusas e polissêmicas.

(2) presença de diferentes estilos de desenhar

Manter o desenho regular ao longo da HQ reforça a linearidade narrativa, pois desenhos regulares evitam que o leitor desvie a atenção da narrativa para questões propriamente plásticas. Dois ou mais modos de desenhar revela modos distintos de construir a realidade, interferindo, assim, no andamento linear da história; seguem três exemplos, em ordem crescente de multiplicação de estilos, portanto, de complexidade: (2.1) em “Quem matou Papai Noel”, do Luiz Gê, uma das personagens, o Cara de Bola, revela-se caricatura em meio a personagens e lugares desenhados com traços menos estranhos; (2.2) em “Tubarões voadores”, ainda de Luiz Gê, o estranhamento não se deve apenas a uma personagem, pois os tubarões possuem traços quase realistas, enquanto os habitantes da cidade surgem em traços variados, incluindo caricaturas; (2.3) Bill Sienkiewicz combina estilos diferentes ao longo de todo o texto das HQs, valendo-se de colagens, xerox, nanquim, aquarela etc.

(3) encaminhamento de outras linguagens

Em linhas gerais, a linguagem da HQ se mostra linguística e visual, realizada nas duas dimensões do papel e com imagens desenhadas; uma vez formada, tal linguagem pode se combinar com outras, seguindo-se quatro exemplos, dispostos em graus de maior distanciamento das HQs convencionais: (3.1) em “11”, de LTG, o número 9 da Cachalote 1000, sugere-se, em cada página, que os quadrinhos, sempre seis, sejam recortados e montados feito cubos, subvertendo-se a ordem usual de leitura, portanto, a linearidade narrativa; (3.2) em O lobisomem, de Eduardo Belga, agora da coleção Cachalote Franca, a capa e a contracapa se dão a recortar, formando bonecos de papel – com isso, os bonecos interferem na HQ, projetando seu universo além das duas dimensões do papel e da estabilidade dos desdobramentos narrativos, porquanto, nas mãos dos leitores, os bonecos se tornam interativos, inaugurando-se novas histórias –; (3.3) em “Borba Gata”, do Luiz Gê, desenha-se a HQ sobre um corpo de manequim, configurando-se uma HQ em três dimensões, com as duas dimensões da HQ garantindo a leitura linear, que se multiplicada nas muitas formas de percorrer o corpo do manequim; (3.4) “Building stories”, de Chris Ware, compõem-se de vários livros, com formatos distintos, cabendo ao leitor interagir com as narrativas propostas ao escolher como organizará as sequências.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

Gostou do artigo? Faça uma doação!

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Quero saber mais antes de contribuir

 

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.