Um artigo publicado em setembro no sítio da Revista Movimento, assinado pelo deputado distrital do PSOL, Fábio Felix, discute um tema que, em outros tempos seria até mesmo constrangedor para qualquer pessoa minimamente crítica: o apoio de uma funkeira a Bolsonaro: O caso Jojo Todynho: como escolhemos nossas referências.
Só de ler o título do artigo, a primeira pergunta que vem à cabeça é: quem escolhe Jojo Todynho como “referência”? Ao ler o texto, vamos descobrir, então, que sim, a esquerda identitária tem em pessoas com Jojo Todynho uma “referência”. Isso é um espanto e é também espantoso que o autor do texto discuta isso seriamente.
É notório, inclusive, que o próprio autor se sente desapontado com o fato de Jojo (podemos chamá-la assim, com intimidade?) ter se revelado bolsonarista. Esse é o gancho do artigo, uma foto da funkeira com Michele Bolsonaro. “Jojo Todynho, que construiu sua carreira com forte apoio da comunidade LGBTQIA+ e de outros grupos minorizados, surpreendeu muitos de seus fãs ao se alinhar com figuras políticas associadas a extrema direita”, afirma o artigo.
Presume-se aqui que o artigo é voltado para pessoas que são ativistas, da esquerda. É incrível que a posição política de uma pseudo-artista, cuja qualidade, segundo seu Wikipedia, é ter vencido um reality show na TV Record, cause surpresa a qualquer pessoa minimamente crítica.
Antigamente, nem tão antigamente assim, a esquerda era crítica. Hoje, nos parece que uma parte da esquerda se tornou tão convencional quanto qualquer pessoa que se deixa manipular pelos monopólios de comunicação.
“A aparente mudança de posição de Jojo Todynho não é apenas uma questão de opinião pessoal, mas também de traição da confiança depositada. Abre uma margem de naturalização de posições que agridem diretamente nossos direitos.”
Que traição seria essa? Se for contra a esquerda, a colocação é idiota, afinal, o que Jojo Todynho teria a ver com a esquerda. Se for contra a chamada comunidade LGBT, não há traição. Comunidade LGBT não é uma posição política definida, não é uma classe social, é no máximo um grupo social que tem interesses comuns, principalmente vinculados à opção sexual.
E nesse sentido, Jojo Todynho, sendo de direita ou sendo de esquerda, tanto faz. Ser da “comunidade LGBT” não significa nada. A burguesia impulsiona a ideia de que as pessoas deveriam trocar uma posição política por uma orientação sexual, cor da pele, sexo. Para se ter uma ideia, dos 225 candidatos eleitos nas eleições municipais que se declaravam LGBTs, 112 era de esquerda e 113 eram de direita. Ou seja, ser da “comunidade LGBT” não significa ser da esquerda.
“Não se trata apenas de condenar Jojo por seu apoio a figuras políticas que historicamente se opõem aos direitos LGBTQIA+. Trata-se de usar esse momento para uma reflexão mais ampla sobre representatividade, responsabilidade programática e o papel de artistas e figuras que abraçamos na formação da opinião pública”.
A conclusão do artigo, que se propõe a “refletir”, mostra que o autor não consegue entender o problema. Ele acredita que bastaria a esquerda ser mais “reflexiva” para não ser enganada por Jojos Todynhos.
A posição política da funkeira não tem nenhuma importância. O problema é que a esquerda substituiu a luta de classes e uma discussão política séria por futilidades. Esse é o efeito do identitarismo, que colocou questões superficiais acima dos problemas políticos mais importantes. Por isso a decepção com Jojo Todynho. Tal formulação por si só deveria ser ridícula, mas a própria esquerda pequeno-burguesa se tornou ridícula com o identitarismo.