No final de 2022, às vésperas da posse, o presidente Lula declarou que seu governo não precisa de “puxa-sacos” ou de “tapinhas nas costas”. “Um governo tem que ser cobrado todo santo dia para que a gente consiga aprimorar a nossa capacidade de trabalho. Cobrem, cobrem e cobrem para que a gente faça, faça e faça”, disse o presidente no que talvez tenha sido o primeiro dos muitos chamados à mobilização que fez desde que saiu vitorioso das urnas. Desde então nenhuma grande mobilização foi convocada. O aumento pífio do salário-mínimo foi aceito pela direção da Central Única dos Trabalhadores; o debate sobre a exploração do petróleo da margem equatorial brasileira ficou reservado às esferas parlamentares; nem mesmo o genocídio em curso em Gaza pôde sensibilizar as lideranças populares e sindicais a ir às ruas, o que se reflete na mobilização apenas de setores mais aguerridos — além dos oportunistas de sempre — a essas questões essenciais.
A CUT, no lugar de manter-se independente do governo, transformou-se numa central sindical governista desde que Lula chegou à presidência. Mais uma evidência é a convocação enfática para o ato “Democracia Inabalável”, agendado para hoje (8), ocasião do aniversário de um ano da invasão da manifestação bolsonarista em Brasília que terminou com a invasão do Congresso, do Palácio do Planalto e da sede do Supremo Tribunal Federal.
“A CUT nasceu, em plena ditadura militar, forjada na luta pela democracia, pelas liberdades, por um Brasil mais igual e com justiça social. Por isso, convocamos os nossos entes, militância, trabalhadores e trabalhadoras a realizar e participar, em seus estados, de atividades e atos que mostrem que estaremos sempre vigilantes e prontos para defender a democracia”, disse o presidente da central, Sérgio Nobre. Somente um ato convocado pelo próprio governo para sensibilizar nossos estimados dirigentes operários, para deixá-los “sempre vigilantes”.
Lula explicitamente não pediu por “puxa-sacos”, mas é disso que parece estar cercado. A ideia de “democracia inabalável”, que já criticamos nas páginas desse diário inúmeras vezes, nada mais é que a reciclagem de toda a corja golpista que derrubou o governo petista em 2016, que prendeu Lula em 2018, privando-o da participação das eleições. São os responsáveis pela eleição de Bolsonaro que, insatisfeitos com seu filhote maltrapilho e desfigurado, buscam recompor-se como uma força política relevante com o apoio da esquerda e, em particular, da credibilidade de Lula diante das massas populares. É exatamente agora que o governo mais precisa de crítica, mas é nesse momento que a CUT mostra-se pronta para entrar numa frente da galinha — a classe operária — com as raposas — a burguesia golpista e pró-imperialista.
“Jamais podemos esquecer o que acontece num país sem democracia, sem instituições fortes. Em governos autoritários, a classe trabalhadora é sempre a primeira a ser atacada, a perder seus direitos, empregos, renda. Foi o que aconteceu no período da ditadura militar e também após o golpe de 2016, quando o governo ilegítimo de Michel Temer e depois o do fascista Jair Bolsonaro atacaram os trabalhadores, a organização sindical e retiraram direitos conquistados durante décadas de luta”. Continuou Nobre, em sua declaração divulgada no último dia 5 no portal da CUT.
Ainda bem que nosso companheiro ainda lembra do golpe de 2016! Aquele que foi propalado “com o Supremo, com tudo”, que resultou numa reforma trabalhista desastrosa para a classe operária, algo feito ainda no governo de Michel Temer, não de Bolsonaro. Temer, por sinal, teve a oportunidade de indicar um ministro ao STF, um jurista que havia servido como secretário de Segurança Pública para o governo assassino do PSDB em São Paulo, um tal de Alexandre de Moraes. Na Corte, Xandão foi um dos principais defensores da prisão em segunda instância, que acabou por retirar Lula das eleições de 2018, consolidando aquela etapa do golpe de Estado. É com este cidadão que o governo propõe realizar seu ato por uma “democracia inabalada”, esse e outros da mesma laia. A CUT chancela esse erro com esse raro chamado a mobilização. Nobre estará em Brasília, ao lado de Moraes, Luís Roberto Barroso, Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e outras figuras da mais baixa estatura política no País. Poucas ações poderiam desorientar mais a base operária da CUT como essa.
O mais preocupante é que este “erro” da direção cutista não é isolado, é, na realidade, uma reedição piorada do ato de primeiro de maio, o dia do trabalhador, em 2023. A realização do ato em São Paulo foi tão desastrosa com suas “catracas” e pulseiras de identificação — talvez as primeiras de um ato público operário no mundo! — que teve que ser criticada pelo próprio presidente. Lula, que reclamou que o público mais próximo do palanque eram apenas membros da imprensa, não trabalhadores e ativistas, o verdadeiro propósito do ato. Naquela ocasião, além da péssima organização, a CUT incluiu em seu ato os reacionários sindicatos patronais como a Força Sindical, a União Geral dos Trabalhadores (UGT) e deu-lhes espaço no palanque e na coordenação do ato, provavelmente razão de seu fracasso.
Em carta também publicada no portal da CUT, as “centrais sindicais” convocaram atos em defesa da democracia sob o seguinte chavão: “lembrar para nunca se repetir”. Infelizmente, tudo o que vemos é uma repetição das mesmas capitulações, dos mesmos erros que conduziram ao desastre de 2016.
“Após quatro anos de um governo que flertava abertamente com o autoritarismo, chegamos perto de um golpe. Corremos o risco de ver a democracia, pela qual lutamos bravamente, ser destruída. E isso nos ensina a ficar alertas e permanecer lutando cotidianamente por sua manutenção”, diz a nota que leva a assinatura de Nobre, ao lado de Miguel Torres da Força Sindical, Ricardo Patah da UGT e outras entidades sindicais.
Ficamos sem entender que golpe foi esse… A entrada de uns aloprados desarmados, num domingo, sem resistência alguma do aparato repressivo em prédios públicos, seguida de atos de vandalismo? Como isso se compara com os militares nas ruas em 1964?
O verdadeiro golpe está em curso e passa pela articulação dos atos pela “democracia inabalada” com o STF golpista, os políticos burgueses golpistas e as centrais sindicais golpistas — ou já nos esquecemos da posição de Paulinho da Força diante da derrubada de Dilma?
O governo está encurralado pela direita no Congresso ao mesmo tempo que o STF aprofunda o caráter repressivo da legislação brasileira, à revelia de suas atribuições constitucionais. Mais do que nunca, Lula precisa do apoio de suas bases de forma independente da burguesia, mas o que os atos de hoje fazem é colocar essas bases, até então dispersas e desmobilizadas, a serviço da burguesia golpista.
Nunca foi tão fácil ser uma raposa. Resta saber o que acontecerá com as galinhas.