Quando membros da esquerda parlamentar insistem em mostrar uma grande vitória nas eleições, é bom desconfiar. Em geral, a grande vitória é uma tremenda derrota.
É o que está acontecendo nesse momento com o PT e a esquerda parlamentar em geral. Estão apresentando o catastrófico resultado eleitoral como sendo uma vitória. É isso o que faz o artigo do deputado federal José Guimarães, publicado no portal Brasil 247, intitulado A força do PT nas eleições.
Depois de fazer uma propaganda dos governos do PT, Guimarães afirma que “Com sua militância organizada em todos os municípios do país, o PT demonstrou nas eleições deste ano que está em pleno processo de reconstrução, depois do massacre sofrido ao longo dos últimos 10 anos, assim como o projeto de país e de governo interrompido no golpe que derrubou a presidenta Dilma, em 2016.”
Segundo ele, o PT estaria em processo de “reconstrução”, ou seja, após os ataques dos anos de golpe de Estado, o partido estaria se reorganizando e se fortalecendo.
Nada poderia estar mais distante da realidade. As perseguições sofridas durante o golpe realmente serviram para rejuvenescer o PT. A polarização política instigada pelos golpistas, em grande parte hoje reconhecidos pelo PT como aliados, acabou atraindo para o PT setores de esquerda que viam nesse partido uma resistência contra o golpe. O problema é que o PT não conseguiu dar vasão a uma radicalização que esse setor expressava.
A política institucional do PT acabou por enfraquecer os setores mais polarizados, enquanto isso, a extrema direita, que havia canalizado o outro lado da polarização, se fortaleceu. Em suma, enquanto o PT se diluiu nas instituições carcomidas do regime político, a extrema direita, com seu discurso demagógico, continuou capitalizando camadas da população radicalizada.
Essa situação se agrava com as eleições desse ano. Nesse sentido, a tal reconstrução do PT que fala Guimarães, se havia alguma chance de acontecer após o golpe, foi abortada pela política institucional do partido.
As eleições desse ano mostram que a diluição do PT no regime político está fazendo com que o partido entre em dissolução, inclusive eleitoral, junto com os partidos da direita tradicional.
Guimarães escolhe a dedo os números para provar a sua tese de que o PT está com força eleitoral: “Depois da baixa sofrida em eleições anteriores, nessas eleições, o PT ressurge com toda sua força democrática. Passou de 183 para 248 prefeitas e prefeitos, e vai para o segundo turno em 13 cidades, sendo 4 capitais: Fortaleza, Porto Alegre, Cuiabá e Natal. Mesmo não tendo lançado candidatos próprios em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Salvador, a soma de votos no partido passou de 6,9 milhões para 8,8 milhões no país.”
O colunista e deputado federal petista optou por mostrar o pequeno salto de 45 prefeituras a mais do PT nessas eleições. Do ponto de vista meramente quantitativo, a diferença é pequena, mas inegavelmente um crescimento. Tal crescimento, no entanto, não é nada perto das 652 cidades que o PT elegeu em 2012. A esquerda parlamentar toda (incluindo aí PCdoB e PSOL) elegeu 708 prefeituras em 2012 e 267 em 2024. A catástrofe, portanto, é de toa a esquerda parlamentar, não só do PT.
O mais importante, porém, nem é a discussão quantitativa, mas qualitativa. Mas que cidades são essas 248 citadas por Guimarães?
A maioria são cidades de pequeno porte, ou seja, cidades cuja importância política geral é menor, inclusive se levarmos em consideração que em muitas das cidades pequenas, os candidatos sequer têm uma ligação orgânica com o partido.
Um dado muito mais importante é o de que, das grandes cidades – acima de 200 mil habitantes -, o PT elegeu apenas em Juiz de Fora e Contagem. Em tempos anteriores, o PT já governou as principais cidades dessa faixa. Apenas em São Paulo, principal estado do país, o PT já teve a prefeitura de Campinas, Guarulhos, Santos, Ribeirão Preto, Franca, Araraquara, São José dos Campos, Diadema, São Bernardo do Campo, apenas para citar algumas. O PT já foi força eleitoral dominante nos principais centros políticos e econômicos do país. Isso simplesmente passou muito longe nesses eleições, a ponto de que os próprios petistas, com sérios problemas de memória recente, acusar essas cidades de serem “bolsonaristas”, como se a culpa fosse do povo e não da política catastrófica da esquerda que entregou tudo para a direita.
Se nos atermos às capitais, o resultado é ainda mais catastrófico. O PT simplesmente não ganhou nenhuma prefeitura. Em quatro, foi para o segundo turno, Fortaleza, Natal, Cuiabá e Porto Alegre.
Para piorar, o PT deixou de ter candidato próprio em capitais importantes, como Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Nos três primeiros, apoiou candidatos de direita, PSB, MDB e PSD. Em Salvador, a aliança com o MDB não deu em nada. E em São Paulo, a maior trapalhada política dessa eleição, o PT deu a candidatura de seu principal reduto eleitoral e de militância ao farsante Guilherme Boulos, que só será eleito por um milagre. Todo esse desastre Guimarães apresenta como algo positivo.
Se contratarmos esses números com os do PL de Bolsonaro e da direita em geral, a catástrofe fica ainda mais evidente. O partido de Bolsonaro elegeu 509 prefeituras e ainda disputa mais nove no segundo turno. Mas isso não é tudo se contarmos que boa parte, senão a maioria, dos candidatos dos demais partidos da direita são bolsonaristas, como Nunes, em São Paulo, por exemplo, do MDB e apoiado por Bolsonaro. O PSD, partido que mais elegeu prefeituras, fez 886 prefeituras no primeiro turno. Quantos desses são bolsonaristas, certamente a esmagadora maioria.
Os números estão aí para serem analisados friamente. Se os petistas mantiveram a mentalidade de Guimarães e outros membros do partido que veem vitória em qualquer coisa, a situação tende a piorar ainda mais.
O problema principal, no entanto, é a política levada pelo PT e pela esquerda parlamentar que está se afundando junto com o regime político. A continuar assim, o futuro da esquerda será resumido numa simples alteração do título da coluna de Guimarães, basta tirar o cedilha: “A forca do PT nas eleições”.