Na última segunda-feira (29), a golpista Folha de S.Paulo publicou uma coluna de Paul Krugman, prêmio Nobel de economia e colunista do The New York Times. Intitulada Trumpismo é baseado em medo, não em realidade, o artigo busca demonstrar que os trumpistas em geral acreditam em fatos não baseados na razão, que teriam uma disposição anormal para isso. Onde quer chegar Paul Krugman, de fato? Vejamos a seguir em um trecho um pouco extenso:
“Kristi Noem, governadora republicana de Dakota do Sul —uma linha-dura do Maga […] alertou que o presidente Biden está ‘reconstruindo’ a América, transformando-nos em Europa. […] no contexto, ficou claro que Noem considera, ou espera que sua audiência acredite, que a Europa é um cenário de caos causado por hordas de imigrantes.
Sim, em termos gerais, a Europa tem tido problemas para lidar com os migrantes, e a imigração se tornou uma questão política quente. E sim, a recuperação econômica da Europa tem ficado atrás da dos Estados Unidos. Mas as visões de um continente devastado pela imigração são fantasias.
Essas fantasias agora são a moeda comum da direita americana. Recorda-se dos dias em que os especialistas declaravam solenemente que o trumpismo era causado por ‘ansiedade econômica’? Bem, apesar de uma economia em crescimento, ainda há muita ansiedade justificada por aí, refletindo as lutas reais de muitas pessoas: a América ainda é uma nação cheia de desigualdade, insegurança e injustiça. Mas a ansiedade que impulsiona o Maga não é impulsionada pela realidade.”
Aqui temos a interpretação superficial, literal, de um fenômeno de base econômica, suposta especialidade de Krugman. A Europa hoje se encontra numa profunda crise econômica. Apesar de não ser causada pela imigração, a burguesia imperialista europeia, verdadeira culpada pela situação, utiliza os imigrantes como ferramenta para o rebaixamento salarial dos trabalhadores em geral e como bode expiatório para a situação geral da economia no continente.
O problema, na realidade, é a profunda crise do imperialismo, acentuada na Europa pela guerra com a Rússia, um dos principais fornecedores de energia para as potências europeias, em particular a mais industrializada, a Alemanha. O elemento que leva os trumpistas a esse raciocínio é análogo: a crise econômica do imperialismo norte-americano.
Apesar de apontar um crescimento da economia dos EUA, o que importa é o que se dá concretamente. Os EUA, a maior potência militar do planeta, tiveram que fugir do Afeganistão, agora estão para se retirar do Iraque, e fogem de uma guerra contra o Iêmem. Qual seria a causa para esses fatos?
Como este Diário publicou hoje, “o número de sem-teto nos Estados Unidos apresentou um crescimento de 12% entre 2022 e 2023. Com isso, o indicador atinge um valor histórico: 653.100 pessoas estão morando nas ruas dos EUA“. Seria o dado apresentado fruto do crescimento econômico? Mais, qual seria a razão da verdadeira epidemia de uso de drogas sintéticas cada vez mais pesadas nos EUA, já tratada nestes termos pela imprensa norte-americana? Vemos que a ansiedade econômica “dos trumpistas” é, na realidade, uma ansiedade econômica de toda a classe trabalhadora dos EUA, sendo o trumpismo um dos sintomas da crise. O especialista e prêmio Nobel, no entanto, insiste em ignorar a crise. Vamos a outro trecho:
“A estratégia política republicana depende em grande parte de assustar eleitores que estão indo relativamente bem no âmbito privado, não apenas de acordo com estatísticas oficiais, mas também de acordo com seus próprios relatos, dizendo-lhes que coisas terríveis estão acontecendo com outras pessoas.
Isso é mais óbvio quando se trata da economia dos EUA, que teve um ano de 2023 muito bom —de fato, quase milagrosamente bom. O crescimento econômico não apenas desafiou as previsões generalizadas de uma recessão iminente.
No entanto, em um comício há alguns dias, Nikki Haley declarou que ‘temos uma economia em ruínas e uma inflação fora de controle’. E é provável que os republicanos que a ouviram acreditem nela.
Em dezembro, a YouGov perguntou aos americanos para avaliar 2023 em geral. Os republicanos disseram que foi terrível para a nação, com 76% dizendo que o ano foi ruim ou terrível. Estranhamente, no entanto, 69% dos republicanos —quase o mesmo número— disseram que o ano foi OK, bom ou ótimo para eles no âmbito privado.
As pessoas compram gasolina o tempo todo; quando Trump diz ‘os preços da gasolina agora são de US$ 5, US$ 6, US$ 7 e até US$ 8 o galão’, cerca de duas vezes o preço claramente exibido em grandes placas por todo o país, seus seguidores acreditam nele?
E, é claro, há a pandemia de Covid, em que a politização das vacinas pelo Maga parece ter contribuído para taxas de mortalidade mais altas entre os republicanos.
O que isso diz sobre o futuro da América? Não pode ser bom. Um grande segmento do nosso corpo político, na prática, se juntou a um culto de personalidade cujas crenças são quase impermeáveis à realidade.”
Como vimos, o fato de os republicanos avaliarem a situação dos EUA como uma crise está correto factualmente. O premiado economista utiliza de um argumento sem conexão de fato com a situação para justificar seu ponto. Os indivíduos podem estar indo bem individualmente e, por exemplo, quebrarem no dia seguinte.
Afinal, a crise de 2008 ainda está fresca na memória, com a quebra do Lehman Brothers. A dívida pública dos EUA, por exemplo, vem crescendo de maneira aguda, e já passou dos 34 trilhões de dólares. Apesar de por si o dado não significar grande coisa, junto aos outros aponta uma séria crise econômica, que o governo dos EUA está adiando, mas cujo estouro é inevitável.
De tal forma, o preço específico da gasolina não é demonstrativo de grande coisa, e a fala de Trump a respeito não requer interpretação literal, mas política, porque, finalmente, não foi dada em um jornal econômico, mas num comício e, como o próprio Paul Krugman reconheceu, a fala ressoou não de maneira racional, mas com os sentimentos dos republicanos. É importante uma nota, os trabalhadores em geral têm uma percepção da economia que difere dos acadêmicos mas que, em geral, está correta.
A pandemia citada como argumento a favor do ponto de Krugman é outro ponto que depõe contra ele. O fato de ela ter ocorrido de maneira tão desimpedida nos EUA, o país mais rico do mundo, é ainda mais um sinal da profunda crise enfrentada pelo imperialismo.
Por fim, temos a política de guerras dos EUA, que ao invés de resolver os problemas da população, como a moradia, a saúde, e o emprego, aplica bilhões em “guerras infinitas”, como colocado por Trump de maneira reiterada. A insatisfação popular nos EUA não pode ser subestimada, e tende a crescer ainda mais, intensificando os sintomas da crise que já se apresentaram e gerando novos.
Krugman, que apesar do prêmio Nobel de economia escreveu uma peça mais adequadamente caracterizada como campanha eleitoral para Joe Biden, utiliza o que chama de culto de personalidade como diversionismo. Ele não quer o reconhecimento da existência da crise imperialista e o questionamento das medidas belicosas do governo Biden para buscar atrasar a decadência do império norte-americano. Como demonstrado por seu artigo, porém, essas tentativas estão falhando de maneira estrondosa.