Os representantes da esquerda pequeno-burguesa se mostraram incapaz de combater o bolsonarismo. Inventam todo tipo de argumento para não deliberar que é preciso sair às ruas e lutar para reconquistar os trabalhadores que estão sendo perdidos para a extrema direita. Um dos casos mais comuns é falar que o bolsonarismo não é forte, assim não é preciso lutar. Essa é a escola de Alex Solnik, colunista do Brasil 247 que publicou o artigo: “Bolsonarismo” vai acabar junto com Bolsonaro. É mais uma fuga da luta contra a direita.
Ele começa: “não sei se é herança dos tempos do Brasil Império, mas o fato é que os brasileiros adoram um culto à personalidade. Basta aparecer um político diferente para a imprensa logo arrumar um ‘ismo’ para ele”. Na verdade, isso não tem relação direta com o império, e sim com o atraso do Brasil. Países atrasados passam por esse fenômeno em que personalidades assumirem o papel que deveriam ser dos partidos. São muitos os líderes nacionalistas de países atrasados, como Perón da Argentina, Nasser do Egito, Gadafi na Líbia, dentre outros.
Ele, então, cita o caso do Brasil: “acho que começou com Getúlio Vargas. Embora ele jamais tenha escrito qualquer tratado político ou filosófico, os jornalistas inventaram um certo ‘getulismo’. Morto o ‘getulismo’, a imprensa paulista criou o ‘ademarismo’. Inspirado no governador Adhemar de Barros, que também jamais formulou qualquer teoria política, a não ser que seu lema ‘fé em Deus e pé na tábua’ possa ser considerado um pensamento filosófico ou sociológico”.
Aqui ele confunde dois fenômenos. O getulismo de fato foi uma grande movimento, principalmente no último governo de Vargas em que ele foi eleito como nacionalista. Ele é lembrado até hoje pelas grandes conquistas do Brasil na década de 1950. Os demais “ismos” como o ademarismo são coisas artificiais. O o único que se compara ao getulismo é o lulismo, que curiosamente Solnik não comenta. O importante aqui é que, quando de fato existe um líder popular na América Latina, esse fenômeno existe e o bolsonarismo é uma realidade.
Ele compara com outros momentos: “os ‘ismos’ pareciam ter sido enterrados definitivamente, não deram as caras na ditadura militar, não houve ‘castellobranquismo’, nem ‘costaesilvismo’, nem ‘medicismo’, e muito menos depois dela, até que, tchan-tchan-tchan-tchan, aparece outro cara excêntrico, diferente, e põe diferente nisso e a imprensa, sempre à procura de novos epítetos, criou o ‘bolsonarismo’, sem dizer, é claro, no que consiste essa bizarra ‘corrente política’”.
Aqui aparece uma diferença muito importante. Ao contrário da Ditadura Militar, que era totalmente impopular, o bolsonarismo é um fenômeno que cresce entre os trabalhadores. Há dezenas de milhões que consideram Bolsonaro uma liderança. Isso porque ele representa um novo tipo de direita, que supostamente luta contra a direita dominante, contra o PSDB, o Partido Democrata dos EUA, a ideologia woke etc.
Solnik não compreende esse fenômeno: “o que seria ‘bolsonarismo’? Desprezar os seres humanos? Fazer chacota da desgraça alheia? Ser o mais grosseiro possível? Xingar os adversários? Atacar as mulheres? Contestar as urnas eletrônicas? Derrubar farofa no colo? Demonizar as vacinas? Proteger os filhos da Justiça?”. Ele não entende o que de fato é popular no bolsonarismo. Ele critica Biden, critica Macron, critica o identitarismo, aparece como um suposto nacionalista. Além disso, tem o apoio da burguesia nacional, o que lhe garante muita força. O bolsonarismo cresce, na verdade, porque a esquerda não faz essas criticas, ela se une aos inimigos dos trabalhadores sob o guarda-chuva da “democracia”. Isso abre espaço para o bolsonarismo crescer.
Ele então comete um erro de análise: “tal como o ‘getulismo’ acabou quando Getúlio morreu, idem o ‘ademarismo’ e o ‘janismo’ quando perderam poder, o ‘bolsonarismo’ está se apagando, vai se apagar e não vai deixar herdeiros nem rastros. Não houve ‘getulismo’ sem Getúlio, ‘ademarismo’ sem Adhemar, ‘janismo’ sem Jânio. E não haverá ‘bolsonarismo’ sem Bolsonaro. Tal como Getúlio, Adhemar e Jânio, Bolsonaro não vai deixar herdeiros à sua imagem e semelhança e força política”.
Não é fato que o getulismo morreu com Getúlio, ele morreu com o golpe de Estado de 1964. Depois da morte de Getúlio, todo o movimento continuou se aglutinando no PTB. O movimento era tão forte que Brizola, que fazia parte desse movimento, conseguiu voltar para o Brasil e erguer um partido com os antigos militantes getulistas. O que acabou com esse fenômeno político foi a luta política, no caso o imperialismo que deu o golpe de Estado e prendeu, assassinou e exilou as principais figuras do movimento. Além disso, deu o recado para a burguesia brasileira de que ela não poderia mais apoiar aquela política.
Nesse sentido, todos os “ismos” reais são derrotados dessa forma. O fascismo foi derrotado na década de 1940 pela revolução proletária. Na década de 1930, quando ele não cresceu, também foi derrotado pelo movimento operário. O czarismo russo foi derrotado pela revolução em 1917. O bolsonarismo no Brasil sofreu uma derrota em 2022 devido ao gigantesco movimento de luta contra o golpe. Mas esse movimento foi paralisado pelas direções da esquerda, que se aliaram aos golpistas, e agora o bolsonarismo cresce.
Ele conclui: “o sinal mais evidente é a ascensão de Pablo Marçal que pode ser tudo, menos continuador de Bolsonaro. Os que hoje são tachados de ‘bolsonaristas’ vão voltar a ser os caras de ‘direita’ ou de ‘extrema-direita’, estas, sim, correntes políticas e filosóficas que sempre vão existir, para o bem e para o mal”.
É falso que Marçal não pode continuar o bolsonarismo, qualquer pessoa pode aparecer como novo líder do movimento. Neste momento isso não está claro, mas ele poderia, sim, ser o próximo bolsonarista. Mas para além disso, Bolsonaro tem filhos, tem esposa, tem vários quadros no movimento, desde os generais até os deputados como Nikolas Ferreira, Daniel Silveira ou tantos outros do PL. O bolsonarismo surge de um fenomeno social e por isso pode ter outra liderança.
A esquerda não deve acreditar que o bolsonarismo ira perecer de morte natural. A morte, na política, só acontece por meio da luta. Solnik, ao falar isso, ofusca essa realidade e abre margem para o crescimento da extrema direita.