Escrito por Mauro Puerro para o portal Esquerda Online, órgão do grupo Resistência-PSOL, o artigo Fascistas canalhas: sem anistia começa dizendo que, “antes do golpe fracassado de 8 de janeiro”, o Brasil esteve “à beira de um golpe fascista sangrento provavelmente com milhares de mortos e presos”, o que já é um pérola em si e revelador do estado de histeria que vive a esquerda pequeno-burguesa. O artigo, no entanto, vai além:
“A coerência é fundamental na produção de textos, assim como na vida e nas análises políticas. Decisiva também na interpretação de personagens reais ou literários. Então absolutamente coerente que este capitão reformado tenha se tornado o principal líder do neofascismo brasileiro. Isso em um cenário em que diversos setores fascistas ganharam peso de massas aqui e em várias partes do mundo.
O que não é coerente é a posição de setores da mídia neoliberal ao buscar ‘normalizar’ Bolsonaro e sua gangue como parte das instituições da democracia burguesa. Não só não é coerente como imensamente perigoso para a própria combalida democracia liberal. E também é violentamente mortal para a classe trabalhadora e suas organizações. Fracassaram desta vez, mas se ficarem leves e soltos poderão golpear outra vez. A violência como arma política é parte do seu DNA.”
Do texto escrito por Puerro, deduz-se haver uma contradição entre a política neoliberal e a extrema direita, o que depõe contra o nível da formação política promovida pelo Resistência, afinal, a história é muito rica ao provar o contrário do que afirma o autor, que neoliberalismo e fascismo são praticamente gêmeos siameses. Desde o “pai” do fascismo Benito Mussolini, defensor do que chamava de “Estado manchesteriano” (em referência à política liberal radical, sem qualquer participação do Estado na economia), ao ditador fascista chileno Augusto Pinochet, responsável pelo primeiro governo a implementar o programa de devastação econômica organizada hoje conhecido como neoliberalismo, nunca houve um sem o outro.
Essa compreensão é fundamental para a esquerda não cair nas ilusões tolas que parte do campo abraça, entre eles, o Resistência. Não é Bolsonaro ou algum general o problema do País, mas a classe social que eles representam e, por mais que o ex-presidente tenha falado inúmeras vezes em dar um golpe de Estado, ele não o fez, tornando a colocação de “fracassaram” digna de risos. No atual estado de letargia que acomete a esquerda, se a classe dominante realmente quisesse empreender mais um golpe, ele teria sido tão bem sucedido quanto os últimos dois, de 2016 e 2018.
Esquerda Online, no entanto, faz essa distinção e isso não se deve a um “erro” de cálculo, mas ao alinhamento do PSOL ao setor mais poderoso da burguesia: o imperialismo. A falsa distinção entre o neoliberalismo e o fascismo serve, acima de tudo, para livrar a cara dos banqueiros, que defendem abertamente o primeiro (inclusive pressionando o governo diuturnamente na imprensa) e veladamente o segundo. Com essa distinção, por exemplo, a Globo e sindicatos patronais como a FIESP e a FEBRABAN podem ser aliados da luta contra o bolsonarismo, o que é uma farsa completa.
Estes últimos pertencem ao segmento da classe dominante que tem instigado a campanha histérica contra Bolsonaro, não para prendê-lo, mas para discipliná-lo. Demonstrando sua subserviência política aos monopólios, o grupo psolista mergulha de cabeça na campanha do imperialismo e ameaça arrastar o conjunto da esquerda para o mesmo abismo. O artigo continua:
“Assim, para defender a vida, é imperativo exigir a punição exemplar dos golpistas. As organizações da classe trabalhadora, movimentos sociais, sindicatos, centrais, partidos políticos, além das entidades democráticas devem mobilizar a população pela prisão do já inelegível e sua corja. O governo Lula deve se engajar nesta campanha. Incrível que até agora Lula não tenha feito uma declaração oficial do seu governo e conclamando todas e todos a se posicionar contra essa trama terrível.”
O grupo psolista acerta na forma, ao apostar na mobilização popular como forma de enfrentamento político, mas erra grotescamente ao incitar a esquerda a ir às ruas para apoiar a perseguição judicial contra uma liderança política, ignorando os princípios democráticos e o devido processo legal. Trata-se, finalmente, de uma tática que já se mostrou fracassada em outras ocasiões, nesse mesmo ano, quando a pequena burguesia fora atiçada pelos monopólios de imprensa a tentar ir às ruas pela prisão de Bolsonaro.
É impressionante como, no artigo de Mauro Puerro, o apelo à mobilização popular se mistura com uma incitação à perseguição judicial, como se essa fosse a verdadeira luta democrática. A incoerência do texto fica ainda mais evidente ao se perceber que, em nome da “defesa da vida” (uma palavra de ordem típica da extrema direita em sua campanha pela proibição do aborto, deve-se destacar), a proposta é exigir a prisão de um ex-presidente sem qualquer observância do devido processo legal.
Essa defesa, travestida de moralismo e de urgência pela justiça, mais se assemelha a um convite para a classe trabalhadora e os movimentos sociais se tornarem massa de manobra em uma disputa de poder entre setores da burguesia, em vez de enfrentarem realmente os algozes do povo. A esquerda, ao ser arrastada para essa armadilha, não só se desvia de suas responsabilidades históricas, mas também ameaça colocar suas bases em estado de profunda submissão ao imperialismo, tão profunda quanto a do próprio PSOL.
Em última análise, é curioso observar como essa mobilização proposta por Puerro se desenha sob o manto de uma “coerência” falaciosa. Ao clamar por prisões políticas e defender uma luta baseada na repressão, o que vemos é uma esquerda que se perde em uma política autoritária, que mais se aproxima daquilo que deveria combater. A ironia, por fim, é que a mesma esquerda que se mobiliza por prisões em nome da “defesa da democracia” acaba construindo o caminho para sua própria decadência e para a organização da ditadura fascista, que tanto temem (com razão), que nunca na história foi derrotada com a burocracia judicial efetuando prisões, mas com o povo mobilizado e na defesa dos interesses reais da população.