O acadêmico Alfredo Attié publicou no portal de esquerda Brasil 247 um artigo intitulado Pela responsabilização imediata dos golpistas, defendendo que “a lentidão nos julgamentos permite narrativas e teorias que justificam atos e defendem indiciados, prejudicando a busca por justiça”. O colunista revela mais sobre sua falta de noção política do que sobre qualquer compromisso real com a luta contra a extrema direita, explicitado no trecho:
“A cidadania não pode continuar a sofrer ataques a sua existência e presença, aos valores consagrados na Constituição.
A cidadania sabe que o verdadeiro garantismo funda-se na Constituição e na defesa expressa de seu conteúdo civilizatório.
Pode e deve se manifestar para a consecução de seu poder, sinônimo de democracia e fonte da soberania.
Ela exige, para que a história prossiga de modo construtivo, que o que se passou deixe de atuar no presente, mediante a responsabilização dos que quiseram e agiram para destruir o já difícil processo de constituição da paz e da segurança efetivas, da igualdade verdadeiramente inclusiva, da liberdade e da solidariedade autênticas em nosso País.”
Ao invés de buscar mobilizar as massas operárias, a única força capaz de combater e derrotar o fascismo, essa esquerda prefere se ajoelhar diante do Estado burguês, clamando por repressão como solução mágica. Trata-se de um comportamento digno de aprendizes de feiticeiro, conjurando potências que não controlam e que, inevitavelmente, se voltarão contra elas próprias. Diz Attié, exemplificando a postura idealista que caracteriza a pequena burguesia:
“A constatação histórica dessa lentidão (que pode decorrer de muitos fatores, entre os quais o despreparo do aparato judicial para o trato de questões mais complexas, que transbordam os limites da formação tradicional dos profissionais do direito, ou, ainda, da constante implicação recíproca entre o direito e a política, que, em vez de trazer virtudes ao sistema judicial, o tem prejudicado, na história brasileira), em levar a cabo o processo e julgamento dos responsáveis indicados pelos crimes – a par das questões que ainda resta responder, relativas a ações e omissões de outros responsáveis, na esfera pública e privada -, tem permitido, lamentavelmente, a construção de narrativas e teorias imaginárias, em pretensa justificação dos atos e omissões e mesmo defesa dos até aqui indiciados.”
Não há “despreparo”; o que há são interesses bem definidos. A burguesia que controla o Estado não age por incompetência ou falta de treinamento, mas de acordo com suas prioridades, e não as do autor, independentemente dos delírios dele sobre quem de fato é a classe dominante.
A repressão não é cega, mas dirigida contra os setores mais pobres da sociedade: operários, camponeses, estudantes e até professores, como vimos em greves reprimidas com brutalidade nos últimos dez anos. As cadeias brasileiras estão lotadas de pessoas pobres, não porque a justiça é “despreparada”, mas porque é seletiva e serve à manutenção do sistema de exploração.
Ao ignorar isso, a esquerda pequeno-burguesa se presta ao papel de cabo eleitoral da repressão. É impossível ignorar que a perseguição a Bolsonaro, apesar de toda sua teatralidade, tem sido útil para empurrar setores dessa esquerda para posições mais autoritárias e alinhadas com a burguesia.
Não por acaso, o próprio Bolsonaro, mesmo enfrentando acusações, continua sendo o principal líder da extrema direita brasileira. Sua utilidade para o imperialismo e a classe dominante não desapareceu, e, como mostra a história, líderes reacionários podem ser temporariamente sacrificados sem comprometer os interesses maiores da burguesia. A esquerda pequeno-burguesa parece acreditar, de forma quase mágica, que suas exigências determinarão os rumos do Judiciário, mas a realidade é que a classe dominante decide com base em suas conveniências, não na vontade de militantes desorientados.
O que estamos vendo, na verdade, é uma repetição de erros históricos. Em vez de confiar na força das massas trabalhadoras, a pequena burguesia deposita suas esperanças no aparato estatal burguês, esquecendo que este é o mesmo aparato que sempre reprimiu greves, criminalizou movimentos sociais e protegeu os interesses dos poderosos.
A história brasileira está repleta de exemplos recentes: dos professores espancados pela polícia em Curitiba em 2015, aos estudantes violentamente desalojados durante ocupações de escolas em São Paulo, até os camponeses assassinados em conflitos por terra no Pará, os índios terena e guarani caiouá no Sul do Mato Grosso do Sul recentemente, em protesto por acesso à água potável. A máquina repressiva não é um instrumento neutro; ela serve para perpetuar a ordem social vigente.
O autor do texto também insiste em invocar a “cidadania” como protagonista da justiça, um conceito tão vazio quanto ineficaz. A classe trabalhadora brasileira sabe que a cidadania, como defendida pelos tribunais, é um privilégio de classe.
Pedir que a “cidadania” exija punição para os golpistas é pedir que o povo aceite uma ilusão, enquanto ignora sua própria força. É como os loucos que pululam nos hospícios mundo afora, que se creem “Napoleões” ou, no caso, o rei francês Luis XIV, autor do notório aforismo “o Estado sou eu”, uma ilusão comprovada pelo fim dramático de seu neto e ainda mais fora de realidade quando alimentada por um acadêmico da esquerda pequeno-burguesa brasileira.
Esse comportamento não é apenas um erro estratégico; é um reflexo de classe. A pequena burguesia despreza o povo e teme a mobilização operária, a única força capaz de enfrentar o fascismo. Preferem apoiar-se na burguesia, especialmente nos setores mais poderosos, os mesmos que criaram e alimentaram a extrema direita.