Bolsonaro na prisão
A chamada mídia progressista passa já há algum tempo saudando a caneta do “Xandão” e torcendo pela prisão de Bolsonaro. Para essa mídia e, também para a grande mídia, ao convocar para o ato político na Av. Paulista “Bolsonaro age de maneira ilegal, e, com essa atitude, dá motivos para decretação de sua prisão preventiva”, disse um jurista festejado por essas mídias. Outro grande jurista concordou em tom de seriedade que “Bolsonaro se comporta como um bandido de alta periculosidade, ele já deu motivos para ser preso preventivamente”. Outras chamadas da mídia alternativa dita progressista, bem como das mídias imperialistas (não preciso citar os nomes, não é mesmo?) eram do tipo: “O ato politico de Bolsonaro na Av. Paulista comprova o golpe” ou “Ele confessou e isso já é motivo para decretar sua prisão preventiva”. Isso por conta das minutas que na cabeça dessa gente seriam provas contundentes para caracterizar o crime de tentativa violenta de abolir o Estado Democrático de Direito. Sobre o ato na Av. Paulista, os juristas falaram no “fracasso da manifestação que demonstrou ausência de capacidade politica”. Um tal desembargador falou em “indenização politica”, seja lá o que isso significa, e que se trata de um ato ilegal do Bolsonaro. No dia seguinte à manifestação, um jornal já lançava em primeira mão a notícia de que os Ministros do STF já teriam comentado mais ou menos detalhadamente a atuação de Bolsonaro na manifestação, dizendo que ele estaria acuado e que haveria motivos para prendê-lo. Outro festejado jurista comentou que “o discurso de Bolsonaro poderia ser crime de coação no curso do processo e que o Judiciário está sendo bonzinho e tolerante com ele ao não decretar a prisão preventiva”.
Alguns gaiatos disseram que a manifestação na Av. Paulista “flopou”. Diante da inequívoca magnitude do ato, não importa o número exato de manifestantes, sobretudo pela manifestação convocada pela CUT no dia anterior, a qual não reuniu nem 200 pessoas, esse tal “flopou” só pode ser delírio.
Uma segunda onda levou esses progressistas a falar sobre a tal anistia que Bolsonaro teria pedido na manifestação. E seguiu-se uma discussão sobre se o Congresso o faria ou não, além de outros delírios sem nenhum amparo no Direito, nas nossas leis ou na nossa Constituição. Algo muito típico do nosso jornalismo que mais parece aquele simpático senhor que frequenta a padaria e fala o que lhe vem à cabeça. Todo mundo deve conhecer um.
A burguesia e a tal esquerda progressista vivem num mundo sem povo, e com a versão mais reacionária do Direito burguês, algo como o Estado Policial do século XIX, faz sentido para ela perseguir o Bolsonaro, prendê-lo e, assim, livrar-se do bolsonarismo salvando a “democracia”.
Mas a História, e os juristas que a levam em consideração, nos ensinam que a democracia só se manifesta quando o Direito interfere o quanto menos na Política, afinal, política se faz nas ruas, onde o povo pode livremente se manifestar, e não por meio dos aparelhos de repressão estatal.
O povo na rua
As análises da manifestação bolsonarista por estes mesmos canais demonstraram que não foi somente a classe média que saiu às ruas para protestar, mas grande parte de pessoas do povo arrastadas pelo movimento evangélico, já consolidado como movimento politico. Para a maior parte destes manifestantes, Bolsonaro venceu a eleição, está sendo perseguido pelos aparelhos de repressão estatal burguês e, por estas razões, eles apoiariam um golpe. A mídia também registrou e mostrou evangélicos mais instruídos, e também universitários, inclusive da USP, que é tida como progressista por alguns, presentes na manifestação de camiseta verde e amarela.
Ora, enquanto a esquerda progressista está nas mídias alternativas e nos bancos de universidade celebrando sua intelectualidade e suas concepções filosóficas de democracia, o povo estava na rua para se manifestar contra as arbitrariedades do poder público, apoiar o sionismo, e, reafirmar seu apoio ao Bolsonaro.
Há algo de errado que não está certo: a esquerda progressista em casa, se reunindo virtualmente e se expressando por meio das mídias hegemônicas ou alternativas – e a única diferença entre elas é que a mídia alternativa apoia os palestinos e condena Israel, sobretudo depois da fala do Presidente – defendendo as instituições estatais como se fossem elas a expressão da democracia, ao passo que grande parte da direita está nas ruas, defendendo Israel, a pátria, a família, e… a democracia!
Sem anistia
O ato convocado pelos movimentos sociais convoca, não sei bem quem, para celebrar e legitimar a atuação dos aparelhos de repressão do estado burguês contra Bolsonaro e os “golpistas”. Quer dizer, para apoiar as altíssimas penas aplicadas àqueles manifestantes do dia 08 de janeiro.
Essa esquerda progressista ateou fogo nos livros Marx, Lenin, Rosa e Trotsky nos legaram, abraçaram Stálin e agora defendem a perseguição e prisão de seus adversários políticos! O palanque desta esquerda é uma live na qual ela demonstra seu “conhecimento” em estantes de livros como background. E estão dizendo que o povo apoia isso… Eles reduzem a democracia à lei e aos aparelhos de repressão do Estado burguês. Nada mais reacionário! Nesse delírio, o mais lúcido foi o post do Presidente falando que as manifestações foram mesmo expressivas, que ele espera que Bolsonaro seja presumido como inocente, pois é uma garantia constitucional que ele mesmo não teve, e alertou que ainda está em fase de inquérito, como se poderia falar em anistia.
O presidente do Partido da Causa Operária, o companheiro Rui, em sua análise política de terça, com boa dose de humor, descreveu um cenário provável: Bolsonaro preso, com escritório montado na prisão e recebendo visita dos generais e outras patentes. Bem protegido, guardado por uma polícia cujo apoio a ele é notório. E como a esquerda vê Bolsonaro preso? Acorrentado e com uma mordaça na boca.
Enquanto isso, com apoio do governo, a proposta de emenda à Constituição que amplia a imunidade tributária de entidades religiosas e templos de qualquer culto, o que amplia ainda mais o potencial político das Igrejas neopentecostais, avança na Câmara dos Deputados. Parece que o “gado” não é burro como esnobam os tais progressistas.
O Direito burguês e a democracia
Discute-se no campo da teoria e da filosofia as tensões entre Direito e Política. Sob a influência dos movimentos de esquerda do início do século XX, e, sobretudo, no pós-guerra, predomina a ideia segundo a qual quanto menor for a interferência do Direito no campo da Política, mais próximo da democracia estaremos. Daí as críticas e a superação do primado da lei, das fontes clássicas do Direito, das regras positivistas de interpretação, da formalidade em detrimento da substância, da chamada equidade e dos princípios gerais de Direito, da separação rígida entre o público e o privado, enfim, das concepções excessivamente formalistas consolidadas no século XIX. Depois da experiência do nazismo, sobretudo, o Direito burguês avançou para uma concepção mais substantiva, procurando ocupar o hiato entre as normas jurídicas e a realidade social. Embora não tenha se divorciado do idealismo, as experiências do século XX resultaram em profundas transformações das concepções do século anterior. A ideia é que o princípio que fundamenta a lei proibitiva se assenta no entendimento segundo o qual o Poder Judiciário não é politicamente permeável e aplica o Direito conforme as regras de interpretação próprias da hermenêutica. No Estado Democrático de Direito os poderes constituídos estão submetidos ao poder constituinte e suas manifestações e expressões de democracia direta. Neste sentido, o Poder Judiciário como guardião da Constituição é, portanto, um poder técnico que não deve se imiscuir na política, justamente para preservar o princípio da soberania popular. Afinal, impor pela força uma concepção fabricada nos bancos da faculdade não pode ser a regra em um regime democrático, uma vez que o conhecimento produzido nas universidades não e o único conhecimento e nem deve sobrepor-se a experiência histórica da sociedade. A filosofia e teoria contemporâneas do Direito reconhecem este primado. Nesta linha de pensamento, eu tenho escrito, aqui mesmo nesta coluna, em alerta para as interpretações reacionárias dos juristas de plantão. Estamos caminhando a passos largos para um regime cada vez menos democrático, tendo os aparelhos de repressão estatal um controle cada vez maior da política.
O impeachment na pauta
A declaração do Presidente Lula sobre a atuação de Israel contra os palestinos, agitou a direita sionista que, no Brasil, tratou de apresentar um pedido de impeachment. No âmbito internacional, os imperialistas deixam Netanyahu continuar seu “show” sozinho e, enquanto fazem declarações cínicas, fornecem armas para Israel prosseguir com o genocídio enquanto vetam o envio de ajuda humanitária. O massacre contra os palestinos segue com apoio destes cínicos imperialistas. As resoluções e pronunciamentos da ONU são inócuos. Contra o Estado de Israel perante a Corte Internacional atuam apenas os países do chamado Sul-global, destacando-se África do Sul e Brasil. É um escárnio que a China alerte o ocidente sobre direito de resistência anticolonial.
Um dia antes do ato convocado por Bolsonaro, a CUT havia convocado um ato em defesa dos palestinos e em apoio a fala do Presidente Lula. Compareceram umas 50 pessoas da esquerda liberal, além do PCO. No dia seguinte, já sabemos o que aconteceu na Av. Paulista.
O que a esquerda progressista ainda não entendeu, ou não quer entender, é que luta política se dá nas ruas. Luta política por outro meio é pura opressão. E levar o povo às ruas depende da convergência de consciência sobre a pauta como razão da manifestação.
A luta pela libertação dos palestinos é a luta de todos os oprimidos, e, portanto, é uma luta de todos os trabalhadores. Apoiar o Hamas é apoiar a resistência armada anticolonial. Ou alguma libertação colonial ocorreu em algum momento da história da humanidade com distribuição de flores? Quando o povo foi envolvido nas negociações das instituições do estado burguês? Quando seus interesses foram levados em consideração em processos decisórios? Mas a esquerda ainda tem medo de assumir que o Hamas é uma organização politica que cristaliza o movimento de libertação nacional da Palestina, juntamente com outras forcas de resistência armada. Há muito os palestinos são exilados em seu próprio país, não há esperança. Não apoiar Hamas é não apoiar de fato os palestinos. Ou apoiar os palestinos e ser contra o Hamas, é compactuar com continuidade do regime colonial.
A esquerda perdeu uma grande oportunidade de estar nas ruas, reivindicando o rompimento das relações com Israel, defendendo o reconhecimento do Hamas como organização politica legitimamente eleita, bradando contra o sionismo e contra o imperialismo. Essa é a luta de qualquer um que tenha alguma consciência de justiça, de democracia e da luta de classes. Agora ela chama um ato para bradar que não haverá anistia para Bolsonaro e os bolsonaristas, e que as instituições democráticas devem ser celebradas e apoiadas nas ruas. Exatamente como fizeram os hoje bolsonaristas contra Lula e Dilma. Vamos ver no que isso vai dar. Se a análise for realmente marxista, nos já sabemos.
Salve o camarada Rui Costa Pimenta pelo ato verdadeiramente democrático de ouvir o Hamas e de trazer sua palavra aos brasileiros.
E viva o PCO!