Nessa terça-feira (9), Eduardo Guimarães publicou artigo sobre o resultado das eleições no portal Brasil 247 chamado Derrota da esquerda não foi tudo isso. O título nos faz pensar que realmente nem tudo pode ser tão ruim que não possa piorar.
Guimarães começa certo: “Há meses venho dizendo aos mais chegados que ocorreria o que ocorreu, mas só recebi sorrisos irônicos e acusações de alarmismo. Não era alarmismo, a esquerda ficou muito aquém do centro e da extrema direita”. O problema é sua conclusão, aí a coisa começa a ficar bem confusa: “Todavia, o paciente sobreviveu e passa bem.”
Guimarães nutre uma ilusão de que a derrota, por maior que seja, não seria tão grave assim. Porém, tal ilusão é um problema sério e acaba desvirtuando ainda mais a esquerda.
O colunista identifica o afastamento da esquerda do povo: “É inevitável tratar da brutal desconexão entre a esquerda e as camadas populares” e lista uma série de políticas que defendem, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva citada por ele, a chamada classe C, como religião, família, questão sexual e outras questões.
A conclusão de Guimarães é a de que o maior problema para a esquerda são as religiões evangélicas: “A maior barreira para a esquerda nesse latifúndio da classe C é o rolo compressor em que se converteu a expansão das igrejas evangélicas, que abrem dezessete novos templos por dia.” E conclui: “O problema é que a esquerda se afastou desse contingente. Tem “nojinho” dos ‘crentes’, em grande maioria, e só os procura no limiar das eleições.”
A constatação de Guimarães não é errada, embora não seja correto atribuir todo o problema ao crescimento das igrejas evangélicas. Mas é fato incontestável que a esquerda pequeno-burguesa se afasta desse setor da população, desprezando essas camadas e abrindo espaço para o crescimento ainda maior da direita.
O problema, deveria ser óbvio, é político. A questão fundamental não são as igrejas, mas com que política a esquerda deveria combater a direita em todos os espaços sociais. A esquerda ou não faz isso, ou faz se adaptando e capitulando diante da direita e não se diferenciando dela.
A partir daí, Guimarães confunde-se de novo: “Fala-se muito de Venezuela, Ucrânia, Gaza, LGBTQIA+, mas pouco da violência que ameaça essa população muito mais do que uma polícia hidrófoba — até pela quantidade dos desesperados ou deserdados desde o berço que caem na criminalidade e a dos policiais violentos.”
Para ele, trata-se de parar de falar das coisas importantes e dar destaque a questões que seriam mais imediatas. Em primeiro lugar, não se trata de trocar um pelo outro. A própria direita fala de Venezuela, Ucrânia, Gaza, o problema é justamente que a esquerda tem se escondido desse debate ao invés de colocar abertamente sua posição e desmascarar a direita.
Se é importante falar de questões imediatas para o povo, é tão ou mais importante o debate ideológico. Basta vermos que o crescimento da direita se dá justamente levantando tais debates. Esses debates deveriam ser vantajosos para a esquerda, mas depoimentos como o de Boulos dizendo não ser prefeito de Telavive para não ter que opinar sobre a questão palestina, ao contrário do que os oportunistas como Boulos pensam, acabam enfraquecendo a esquerda em vez de fortalecer.
A esquerda está justamente se escondendo cada vez mais do embate ideológico enquanto a direita tem feito a seu modo. Esse é um problema importante que Guimarães não enxerga e acaba se confundindo.
A derrota da esquerda na eleição realmente tem a ver com seu afastamento do povo, mas não exatamente pelos mesmos motivos apontados por Guimarães. Ao contrário, a ideia do colunista é justamente aquilo que vem fazendo a esquerda eleitoral, fugindo dos debates ideológicos e, ao mesmo tempo, se afastando dos interesses da população.
A conclusão geral de Guimarães, conforme expressa no próprio título, é a de que a derrota não teria sido tão grave assim: “A esquerda está longe de estar morta. A tão propalada vitória do centro nas eleições municipais é um exagero baseado em números que não dizem o que é preciso sobre o ambiente político e as preferências dos brasileiros”.
A esquerda foi derrotada, dizer que ela “não foi isso tudo”, serve apenas para continuar errando. Mas é fato que nem tudo está perdido, o que está perdido é a política da esquerda que se adapta ao centro, que nada mais é do que direita falida. A esquerda pequeno-burguesa, oportunista, eleitoreira, está se enterrando junto com essa direita e junto com o regime político. Esse é o problema central que Guimarães não compreende. Quanto mais a esquerda tiver a cara da direita oficial, do chamado centro, do regime político, mais derrotas ela terá.