O portal Esquerda Diário publicou uma matéria em sua edição do último dia 6, intitulada Sancionadas por Lula, bets (apostas online) já comprometem orçamento das famílias em nome dos lucros capitalistas (Emilly Vitoria), fazendo uma curiosa costura entre a ascensão do mercado de apostas online com o Arcabouço Fiscal para sentenciar que o governo “Lula-Alckmin não só expõe a conivência com o capital financeiro, como aprofunda o ciclo de exploração e endividamento da classe trabalhadora”. Diz a matéria de Esquerda Diário:
“Nesse sentido, o governo de Frente Ampla de Lula-Alckmin está lado a lado do capital financeiro, reforçando o projeto neoliberal de país que serve aos interesses dos grandes bancos, com o novo teto de gastos, o Arcabouço Fiscal, que mantém a herança do golpe de 2016 e do legado da extrema-direita asquerosa. O Arcabouço Fiscal retira dinheiro da saúde e da educação, como o recente corte no Bolsa Família, na Farmácia Popular e no Auxílio Gás que vão afetar diversas famílias no próximo ano. Assim, a sanção do mercado de apostas online por Lula-Alckmin não só expõe a conivência com o capital financeiro, como aprofunda o ciclo de exploração e endividamento da classe trabalhadora.”
Ocorre que o Arcabouço Fiscal não “mantém a herança do golpe de 2016 e do legado da extrema-direita asquerosa”, sendo antes uma tentativa de manobrar com a política do golpe por meios que envolvem o menor custo político. Não é, entretanto, uma questão menor, mas algo que demonstra o tamanho do erro de Vitoria ao dizer que Lula está do lado do capital financeiro, na medida em que despreza as lições históricas sobre o que é o nacionalismo, como ele pode assumir feições muito mais direitistas e mesmo em suas idas e vindas, desempenhar um papel progressista.
Como todos os governos não-revolucionários do mundo, Lula governa para a classe dominante, a burguesia que na atual etapa, significa principalmente a ala imperialista. Dizer que o governo “serve aos interesses dos grandes bancos”, no entanto, é diferente de dizer que o governo “está lado a lado do capital financeiro”, o que precisaria de muito mais do que manobrar com a política ferrenhamente neoliberal dos governos golpistas de Temer e Bolsonaro.
O próprio Arcabouço Fiscal é uma demonstração de que Lula, finalmente, não “lado a lado com o capital financeiro”, dado que ao fazê-lo, o governo tentou usar uma fatia maior do Tesouro para sua política social do que a política anterior (esta sim “lado a lado do capital financeiro”) autorizava. Ao atacarem o governo sem uma apreciação correta do fenômeno político que Lula expressa, demonstram não ter aprendido nada com a história do Brasil e do mundo, e tampouco com os erros recentes de avaliação cometidos em relação ao próprio governo do PT.
O artigo do Esquerda Diário revela uma incompreensão fundamental sobre o fenômeno do nacionalismo e sua relação com o imperialismo, o que os leva a fazer críticas equivocadas ao governo Lula. Ao afirmar que o governo “está lado a lado do capital financeiro” e que o Arcabouço Fiscal é a continuação da política neoliberal do golpe de 2016, o Esquerda Diário acaba reproduzindo uma análise superficial que, na prática, se alinha aos interesses do próprio imperialismo, a força por trás do golpe.
A verdade é que o nacionalismo, ainda que possa se manifestar de maneira conservadora ou até mesmo reacionária em determinados momentos, como foi o caso do peronismo na Argentina ou do varguismo no Brasil, sempre representou um entrave à dominação imperialista. O exemplo de Juan Domingo Perón é emblemático: ele chegou a flertar com o nazismo durante a Segunda Guerra Mundial, adotando uma política muito mais à direita do que a de Lula, mas ainda assim foi derrubado pelo imperialismo por ser visto como um obstáculo aos seus interesses na Argentina.
A história de Getúlio Vargas no Brasil é outro exemplo claro. Vargas, ao longo de seus mandatos, ora cedia ao imperialismo norte-americano, ora o enfrentava, especialmente durante seu terceiro mandato, que culminou em sua deposição e morte em 1954. Seu governo, marcado por contradições e conflitos com as potências imperialistas, procurou constantemente barganhar espaços de autonomia para o Brasil, inclusive se associando ao imperialismo alemão e italiano em certos momentos para conseguir melhores condições nas negociações com os Estados Unidos.
Esses exemplos mostram que, mesmo figuras que flertaram com ideologias de extrema direita, como Perón e Vargas, ainda assim desempenharam um papel importante na resistência ao imperialismo, o que os colocou na mira do capital financeiro e de seus agentes. Portanto, criticar o governo Lula por manobrar em meio às pressões do imperialismo sem uma compreensão correta da história é não apenas ingênuo, mas também perigoso.
Ao lançar pedras contra o nacionalismo, o Esquerda Diário se coloca na prática ao lado daqueles que sempre buscaram destruir qualquer movimento que, mesmo de forma tímida ou contraditória, tentasse garantir um mínimo de soberania nacional. Essa postura repete o erro dos stalinistas que, ao atacarem Vargas “lado a lado” com o imperialismo, acabaram facilitando a vitória dos inimigos da classe trabalhadora no Brasil. Hoje, vemos um reflexo dessa mesma cegueira política naqueles que, inadvertidamente, apoiaram o golpe de 2016 ao não entenderem a complexidade da política nacionalista de governos como o de Dilma Rousseff e, agora, o de Lula.
Sem uma apreciação precisa dos fenômenos políticos, Esquerda Diário corre o risco de repetir esses erros. O governo Lula, com todas as suas limitações, ainda é uma barreira – mesmo que parcial – contra o avanço total do imperialismo na América Latina, por isso mesmo, deve ser pressionado para a esquerda, mas não atacado. Atacar o governo como se ele estivesse “lado a lado do capital financeiro” é, na prática, fazer o jogo do “capital financeiro”, dos responsáveis pela queda do PT e pela política neoliberal: o imperialismo.